Caramujo africano: quais os reais riscos para a população?
De acordo com dados da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN), as espécies invasoras representam a segunda maior ameaça à biodiversidade em todo o planeta, só perdendo para os desmatamentos. No Brasil, um exemplo com impactos negativos para a natureza, a economia e também para a saúde humana é o caramujo africano, introduzido no país no final da década de 80, importado ilegalmente do leste e nordeste africanos como um substituto mais rentável do escargot. O Departamento de Malacologia do Instituto Oswaldo Cruz (IOC), Centro de Referência Nacional em Malacologia Médica, atua na identificação do molusco e no estudo das doenças que ele pode transmitir ao homem. Em entrevista, a pesquisadora Silvana Thiengo comenta os reais riscos oferecidos pela espécie e esclarece quais cuidados devem ser tomados pela população.
Gutemberg Brito |
|
Atualmente na fase explosiva da invasão, o caramujo africano apresenta densas populações sobretudo nas regiões Sudeste e Centro-Oeste |
O Caramujo Gigante ou Caramujo Africano é uma espécie invasora. Como ela chegou ao Brasil?
Achatina fulica é uma espécie de origem africana. Temos notícia de que a espécie foi introduzida no Brasil através de uma feira agropecuária que aconteceu na década de 80, no estado do Paraná. No entanto, não consta registro de autorização de importação deste material no Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) ou no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA).
O propósito inicial era comercializar a espécie para consumo. Qual o resultado do fracasso desta tentativa?
O caramujo africano foi importado para consumo humano, como uma opção ao escargot. Este molusco é consumido principalmente na África e tem suas vantagens nutricionais, como ser rico em proteínas. Na feira realizada no Paraná, foram comercializados kits que incluíam a matriz com um número determinado de exemplares e livretos que ensinavam como iniciar a criação. A promessa era de lucro imediato. Porém, como o brasileiro não tem hábito de consumir este tipo de alimento, a demanda não existiu e os criadores soltaram os moluscos inadvertidamente na natureza, sem imaginar o mal que estavam causando.
Onde o caramujo africano está presente no país atualmente?
Cerca de duas décadas depois de ser introduzida, hoje a espécie está presente, além do Distrito Federal, em 23 dos 26 estados brasileiros, incluindo a região amazônica e reservas ambientais. Atualmente, estamos presenciando a fase mais explosiva da invasão, ou seja, a ocorrência de densas populações, constituídas por grandes exemplares desses moluscos. Apesar de ser um molusco terrestre, observamos no Brasil a presença de A. fulica em margens de rios e em vegetação flutuante. No total de 5.561 municípios brasileiros, há registros da presença do caramujo africano em 439 – cerca de 8%. O maior número de municípios infestados está concentrado nas regiões Sudeste e Centro-Oeste. No Rio de Janeiro, por exemplo, em junho de 2002 havia registros da presença do caramujo africano em oito municípios. Cinco meses mais tarde, já eram 16 municípios. Em junho de 2006, havia registros em 57 dos 92 municípios do Rio.
Gutemberg Brito |
|
A especialista Silvana Thiengo indica o desenho das bordas dos caramujos, principal diferença entre o caramujo africano (direita) e a espécie nativa |
O caramujo africano está presente em ambientes urbanos, mas também em ambientes rurais. Quais os prejuízos neste contexto?
Nos ambientes urbanos as populações desses moluscos são muito densas, invadem e destroem hortas e jardins. Além disso, como essas populações são formadas por animais de grande porte [10cm, em média], causam muitos transtornos às comunidades das áreas afetadas. Perdas econômicas têm sido observadas, sobretudo em áreas de produção agrícola em pequena escala onde o caramujo africano pode ser considerado uma praga agrícola. Banana, brócolis, batata-doce, abóbora, tomate e alface são alguns dos itens mais atingidos.
A proliferação rápida desses moluscos vem assustando a população. Quais os verdadeiros riscos oferecidos pelo caramujo africano?
Existem duas zoonoses que podem ser transmitidas pelo caramujo africano. Uma delas é chamada de meningite eosinofílica, causada por um verme [Angiostrongylus cantonensis], que passa pelo sistema nervoso central, antes de se alojar nos pulmões. O ciclo da doença envolve moluscos e roedores. O homem pode entrar acidentalmente neste ciclo. No Brasil, não há registro de nenhum caso desta doença, que já foi verificada em ilhas do Pacífico, no sudeste asiático, Austrália e Estados Unidos. A segunda zoonose é a angiostrongilíase abdominal, com casos já registrados no Brasil, mas não transmitidos pelo caramujo africano. A angiostrangilíase abdominal [causada pelo parasito Angiostrongylus costaricensis] muitas vezes é assintomática, mas em alguns casos pode levar ao óbito, por perfuração intestinal e peritonite. Em testes realizados em laboratório, Achatina fulica não se revelou um bom hospedeiro, sendo portanto considerado um hospedeiro potencial para o parasita, causador da angiostrongilíase abdominal – mas, friso, trata-se de um hospedeiro potencial.
Qual o risco dos caramujos africanos passarem a transmitir estas doenças?
No atual estado do conhecimento, podemos afirmar que o risco do caramujo africano transmitir estas duas parasitoses é muito pequeno. Mesmo assim, é preciso todo o cuidado ao manusear os moluscos encontrados livres no ambiente, que em hipótese nenhuma devem ser ingeridos. Além disso, deve-se lavar bem as hortaliças e deixá-las de molho em uma solução de hipoclorito de sódio a 1,5% [1 colher de sopa de água sanitária diluída em um 1 litro de água filtrada] por cerca de 30 minutos, antes de serem consumidas.
As populações de caramujo africano são muito numerosas. O que explica este fato?
As densas populações desse molusco no Brasil devem-se principalmente ao seu grande potencial biótico e à ausência de patógenos específicos. Apesar de serem herbívoros, são muito vorazes e pouco exigentes para se alimentar, comendo praticamente de tudo. Um exemplar pode colocar em média 200 ovos por postura e se reproduzir mais de uma vez por ano. Estes ovos são mais ou menos do tamanho de uma semente de mamão, branco-amarelados e ficam semi-enterrados. Por isso, quando a catação é feita, é preciso estar atento para catar e destruir os ovos também.
Quais cuidados a população deve tomar?
A principal providência a ser tomada é o controle através da catação. O uso de pesticidas não é recomendado em função da alta toxicidade dessas substâncias. A melhor opção é a catação manual com as mãos protegidas com luvas ou sacos plásticos. Este procedimento pode ser realizado nas primeiras horas da manhã ou à noitinha, horários em que os caramujos estão mais ativos e é possível coletar a maior quantidade de exemplares. Durante o dia, eles se escondem para se proteger do sol.
Como eliminar os caramujos depois da catação?
O sal, que seria uma opção para eliminar os moluscos, não é recomendado porque seu uso em excesso prejudica o solo e plantio. O Plano de Ação para o Controle de Achatina fulica do IBAMA recomenda que após a catação os moluscos devem ser esmagados, cobertos com cal virgem e enterrados. Outras opções são jogar água fervente num recipiente para matar os caramujos recolhidos ou incinerar, desde que estes procedimentos sejam realizados com segurança. O material pode ser ensacado e descartado em lixo comum, mas é preciso quebrar as conchas para que elas não acumulem água e se transformem em focos de mosquitos, como o Aedes aegypti, vetor do vírus da dengue.
O caramujo africano costuma ser confundido com um molusco nativo brasileiro, o Megalobulimus sp, conhecido como caramujo-da-boca-rosada ou aruá-do-mato. Como é possível distinguir as duas espécies?
O Megalobulimus sp é uma espécie da nossa fauna e se parece com o Achatina fulica por seu tamanho. Porém, ele coloca apenas dois ovos em cada ciclo reprodutivo. Como o molusco nativo do Brasil se reproduz pouco, é importante poder distinguir a diferença entre os dois para que a espécie brasileira não seja prejudicada. A concha de Achatina fulica tem mais giros e é mais alongada. Já a concha do Megalobulimus sp é mais bojuda, gorda, tem menos giros e sua abertura é espessa, não cortante.
Como o IOC contribui para o conhecimento sobre o caramujo africano?
Nós analisamos caramujos enviados por secretarias de saúde de todo o Brasil e avaliamos a possível presença de parasitos causadores de doenças. Esta atividade de vigilância epidemiológica é fundamental para monitorar de que forma os caramujos africanos podem oferecer risco à população. Já encontramos larvas de parasitos de aves ou outros animais domésticos, que não têm interesse humano. No entanto, este fato aponta que a população de caramujo africano já está inserida nas áreas onde ocorrem ciclos de parasitos. Esta é a maior preocupação dos pesquisadores, já que, pela proximidade com residências, ele pode vir a se infectar com outras formas e se tornar hospedeiro intermediário de doenças humanas. Também atuamos no treinamento e capacitação de técnicos das áreas de saúde e ambiente sobre o tema.
Quais são as perspectivas para o controle natural dessas populações pelas próprias condições do meio-ambiente?
Na África, ambiente de origem do caramujo gigante, existem patógenos, como, por exemplo, bactérias, fungos e parasitos, que realizam o controle natural dessa população. No Brasil, onde o caramujo gigante não é nativo, os estudos ecológicos sobre essa espécie ainda são incipientes e as perspectivas que temos são baseadas em experiências de outros países, como os Estados Unidos e a Índia. Em algumas regiões da Índia, onde a introdução já ocorreu há mais de 100 anos, não foi observado declínio nas populações desses moluscos. Já no Havaí, a grande explosão do caramujo africano ocorreu poucos anos depois de sua introdução, na década de 30, quando foi introduzido. Hoje, embora não tenham sido eliminados no país, em função de fatores ainda não totalmente conhecidos, já não se encontram mais exemplares grandes como os encontrados aqui e a população diminuiu bastante, estabilizando-se em níveis toleráveis. Esperamos que o mesmo que aconteceu no Havaí aconteça aqui no Brasil, mas o fundamental, sem dúvida, é promovermos o controle através da ação da própria população através da catação e da eliminação dos exemplares, seguindo as recomendações que já mencionamos.
Renata Fontoura
15/03/07
|