Um estudo liderado pelo Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) em parceria com instituições britânicas abre portas para o desenvolvimento de novos tratamentos para a esquistossomose.
O agravo atinge 200 milhões de pessoas em 78 países, incluindo o Brasil. Também faz parte do grupo de doenças negligenciadas, que são associadas com a pobreza e recebem baixo investimento para ações de prevenção, diagnóstico e tratamento por parte da indústria farmacêutica e de políticas públicas.
O pós-doutorando Lauro Ribeiro realiza ensaio de atividade com a enzima TGR do parasito Schistosoma mansoni. Foto: Gutemberg BritoUtilizando tecnologia de ponta, os pesquisadores identificaram 35 pequenas moléculas capazes de se ligar a uma importante proteína do parasito Schistosoma mansoni, causador da esquistossomose.
Com potencial de interferir na atividade da proteína, os compostos podem ser o ponto partida para a criação de fármacos contra o S. mansoni.
Líder do estudo, o chefe do Laboratório de Bioquímica Experimental e Computacional de Fármacos do IOC, Floriano Paes Silva Júnior, ressaltou a importância de desenvolver novos medicamentos contra o verme da esquistossomose.
“Atualmente existe apenas um medicamento disponível para tratamento da esquistossomose, que é eficaz, mas não consegue atingir formas imaturas do parasito. Além disso, a formulação disponível é grande para ser engolida por crianças em idade escolar, o que causa dificuldade de adesão à terapia. Encontrar novas moléculas ativas contra o S. mansoni traria alternativas para esse tratamento e nos prepararia para a possibilidade de surgirem parasitos resistentes ao tratamento atual”, afirmou o pesquisador.
Segundo Floriano Paes Silva, o desenvolvimento de fármacos a partir de fragmentos moleculares pode levar à criação de compostos com alta potência contra o verme da esquistossomose. Foto: Gutemberg BritoOs resultados da pesquisa foram publicados no periódico Scientific Reports. Além do IOC, participaram especialistas da Universidade de Oxford, Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres, Instituto Rosalind Franklin e Campus de Ciência e Inovação Harwell, no Reino Unido; Universidade Federal de Goiás e Universidade de São Paulo (USP), no Brasil, e Universidade de Johanesburgo, na África do Sul.
A pesquisa teve como alvo a proteína ‘tiorredoxina glutationa redutase’, conhecida como TGR, que já foi validada como alvo terapêutico. Isso porque foi demonstrado, em experimentos, que sua atividade é essencial para a sobrevivência do parasito.
“Ao inibir essa proteína, o parasito morre. Por isso, atacar essa molécula é uma estratégia para desenvolver um tratamento para a esquistossomose", destacou Floriano.
O estudo analisou 768 fragmentos moleculares, que são compostos químicos muito pequenos, de escala subnanométrica. As moléculas fazem parte de uma biblioteca de compostos químicos mantida para fins de pesquisa.
Para descobrir os fragmentos moleculares capazes de se ligar à proteína TGR, os pesquisadores usaram a técnica de cristalografia por difração de raios-X de alta vazão, que permite conhecer a estrutura tridimensional de moléculas.
Representações tridimensionais mostram a associação de fragmentos moleculares (coloridos) à proteína TGR (em cinza). Em A e B, a proteína é representada como fita. Em C e D, observa-se a superfície molecular. Os sítio de ligação mapeados no estudo são apontados por setas em B. Foto: Reprodução do artigoEssa etapa dos testes foi realizada no acelerador de elétrons Diamond Light Source, no Reino Unido, uma instalação científica de alta tecnologia que conta com recursos de automação para analisar grandes bibliotecas de compostos químicos.
“Poucas proteínas de parasitos causadores de doenças negligenciadas puderam ser analisadas com essa técnica e foi a primeira vez para a proteína TGR, do verme da esquistossomose”, salientou Floriano.
Os 35 fragmentos moleculares se associaram a 16 regiões da proteína, chamadas de sítios de ligação. Cada fragmento se associou a um ou dois sítios de ligação diferentes. Apenas um destes sítios tinha sido descrito em pesquisas anteriores, realizadas com outras metodologias.
Assim como a identificação dos ligantes, o mapeamento dos sítios de ligação é considerado uma etapa importante para o desenvolvimento de novos fármacos, pois, para inibir a atividade da proteína, os compostos precisam se ligar a regiões importantes para suas funções.
Infraestrutura do acelerador de elétrons Diamond Light Source, onde parte das análises foi realizada. Foto: AcervoDe acordo com Floriano, dois sítios de ligação mapeados apresentam maior potencial para o desenvolvimento de fármacos.
“Identificamos um sítio de ligação na interface do dímero dessa proteína, que nunca tinha sido descrito e tem alto potencial de efetivamente interferir com a função da proteína e consequentemente matar o parasito”, apontou o pesquisador.
“Outro sítio identificado em nosso trabalho já tinha sido recentemente descrito por permitir a modulação da atividade da proteína, com resultados promissores em modelo animal. Descobrimos três novos ligantes para cada um desses sítios", completou o cientista.
A descoberta de fármacos baseada em fragmentos moleculares é uma estratégia que busca criar medicamentos com alta potência e propriedades farmacológicas favoráveis ao tratamento, por exemplo, com possibilidade de administração oral e baixa toxicidade.
“Os resultados obtidos nesse trabalho permitem planejar novos compostos químicos, com maior afinidade de ligação com a proteína alvo e maior chance de chegar, eventualmente, ao final do processo de desenvolvimento de fármaco", ressaltou Floriano.
Na próxima etapa da pesquisa, já em andamento, os cientistas trabalham para sintetizar moléculas maiores a partir de fragmentos moleculares selecionados. Os compostos sintetizados serão testados in vitro, sobre a enzima e sobre o parasito, e, posteriormente, em camundongos considerados como modelo para estudo da esquistossomose.
Segundo o Ministério da Saúde, estima-se que 1,5 milhão de pessoas vivem em risco de contrair esquistossomose em 18 estados brasileiros e no Distrito Federal.
De 2009 a 2019, foram diagnosticados 423 mil casos da doença nas áreas endêmicas monitoradas pelo Programa de Controle da Esquistossomose.
Popularmente conhecida como barriga d’água, xistose e doença do caramujo, a esquistossomose está ligada a condições precárias ou ausência de saneamento básico.
O contágio ocorre em rios, açudes ou lagos em que há despejo de esgoto e presença de caramujos Biomphalaria.
Pessoas infectadas pelo S. mansoni liberam ovos do parasito nas fezes. Se os dejetos são lançados na água, os ovos eclodem, liberando larvas, que infectam os caramujos.
Dentro destes animais, as larvas adquirem a forma de cercárias, que são liberadas na água e podem infectar os seres humanos, penetrando através da pele.
Mal-estar, febre, dor na região do fígado e do intestino, diarreia e fraqueza podem ser sintomas da doença. Emagrecimento e aumento do volume do fígado, do baço e da barriga ocorrem nos casos graves. A doença também pode afetar o sistema nervoso.
Sem tratamento, a esquistossomose pode levar à morte. O diagnóstico da infecção é feito por exame de fezes. O medicamento para tratar a doença é oferecido gratuitamente pelo SUS.
Um estudo liderado pelo Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) em parceria com instituições britânicas abre portas para o desenvolvimento de novos tratamentos para a esquistossomose.
O agravo atinge 200 milhões de pessoas em 78 países, incluindo o Brasil. Também faz parte do grupo de doenças negligenciadas, que são associadas com a pobreza e recebem baixo investimento para ações de prevenção, diagnóstico e tratamento por parte da indústria farmacêutica e de políticas públicas.
O pós-doutorando Lauro Ribeiro realiza ensaio de atividade com a enzima TGR do parasito Schistosoma mansoni. Foto: Gutemberg BritoUtilizando tecnologia de ponta, os pesquisadores identificaram 35 pequenas moléculas capazes de se ligar a uma importante proteína do parasito Schistosoma mansoni, causador da esquistossomose.
Com potencial de interferir na atividade da proteína, os compostos podem ser o ponto partida para a criação de fármacos contra o S. mansoni.
Líder do estudo, o chefe do Laboratório de Bioquímica Experimental e Computacional de Fármacos do IOC, Floriano Paes Silva Júnior, ressaltou a importância de desenvolver novos medicamentos contra o verme da esquistossomose.
“Atualmente existe apenas um medicamento disponível para tratamento da esquistossomose, que é eficaz, mas não consegue atingir formas imaturas do parasito. Além disso, a formulação disponível é grande para ser engolida por crianças em idade escolar, o que causa dificuldade de adesão à terapia. Encontrar novas moléculas ativas contra o S. mansoni traria alternativas para esse tratamento e nos prepararia para a possibilidade de surgirem parasitos resistentes ao tratamento atual”, afirmou o pesquisador.
Segundo Floriano Paes Silva, o desenvolvimento de fármacos a partir de fragmentos moleculares pode levar à criação de compostos com alta potência contra o verme da esquistossomose. Foto: Gutemberg BritoOs resultados da pesquisa foram publicados no periódico Scientific Reports. Além do IOC, participaram especialistas da Universidade de Oxford, Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres, Instituto Rosalind Franklin e Campus de Ciência e Inovação Harwell, no Reino Unido; Universidade Federal de Goiás e Universidade de São Paulo (USP), no Brasil, e Universidade de Johanesburgo, na África do Sul.
A pesquisa teve como alvo a proteína ‘tiorredoxina glutationa redutase’, conhecida como TGR, que já foi validada como alvo terapêutico. Isso porque foi demonstrado, em experimentos, que sua atividade é essencial para a sobrevivência do parasito.
“Ao inibir essa proteína, o parasito morre. Por isso, atacar essa molécula é uma estratégia para desenvolver um tratamento para a esquistossomose", destacou Floriano.
O estudo analisou 768 fragmentos moleculares, que são compostos químicos muito pequenos, de escala subnanométrica. As moléculas fazem parte de uma biblioteca de compostos químicos mantida para fins de pesquisa.
Para descobrir os fragmentos moleculares capazes de se ligar à proteína TGR, os pesquisadores usaram a técnica de cristalografia por difração de raios-X de alta vazão, que permite conhecer a estrutura tridimensional de moléculas.
Representações tridimensionais mostram a associação de fragmentos moleculares (coloridos) à proteína TGR (em cinza). Em A e B, a proteína é representada como fita. Em C e D, observa-se a superfície molecular. Os sítio de ligação mapeados no estudo são apontados por setas em B. Foto: Reprodução do artigoEssa etapa dos testes foi realizada no acelerador de elétrons Diamond Light Source, no Reino Unido, uma instalação científica de alta tecnologia que conta com recursos de automação para analisar grandes bibliotecas de compostos químicos.
“Poucas proteínas de parasitos causadores de doenças negligenciadas puderam ser analisadas com essa técnica e foi a primeira vez para a proteína TGR, do verme da esquistossomose”, salientou Floriano.
Os 35 fragmentos moleculares se associaram a 16 regiões da proteína, chamadas de sítios de ligação. Cada fragmento se associou a um ou dois sítios de ligação diferentes. Apenas um destes sítios tinha sido descrito em pesquisas anteriores, realizadas com outras metodologias.
Assim como a identificação dos ligantes, o mapeamento dos sítios de ligação é considerado uma etapa importante para o desenvolvimento de novos fármacos, pois, para inibir a atividade da proteína, os compostos precisam se ligar a regiões importantes para suas funções.
Infraestrutura do acelerador de elétrons Diamond Light Source, onde parte das análises foi realizada. Foto: AcervoDe acordo com Floriano, dois sítios de ligação mapeados apresentam maior potencial para o desenvolvimento de fármacos.
“Identificamos um sítio de ligação na interface do dímero dessa proteína, que nunca tinha sido descrito e tem alto potencial de efetivamente interferir com a função da proteína e consequentemente matar o parasito”, apontou o pesquisador.
“Outro sítio identificado em nosso trabalho já tinha sido recentemente descrito por permitir a modulação da atividade da proteína, com resultados promissores em modelo animal. Descobrimos três novos ligantes para cada um desses sítios", completou o cientista.
A descoberta de fármacos baseada em fragmentos moleculares é uma estratégia que busca criar medicamentos com alta potência e propriedades farmacológicas favoráveis ao tratamento, por exemplo, com possibilidade de administração oral e baixa toxicidade.
“Os resultados obtidos nesse trabalho permitem planejar novos compostos químicos, com maior afinidade de ligação com a proteína alvo e maior chance de chegar, eventualmente, ao final do processo de desenvolvimento de fármaco", ressaltou Floriano.
Na próxima etapa da pesquisa, já em andamento, os cientistas trabalham para sintetizar moléculas maiores a partir de fragmentos moleculares selecionados. Os compostos sintetizados serão testados in vitro, sobre a enzima e sobre o parasito, e, posteriormente, em camundongos considerados como modelo para estudo da esquistossomose.
Segundo o Ministério da Saúde, estima-se que 1,5 milhão de pessoas vivem em risco de contrair esquistossomose em 18 estados brasileiros e no Distrito Federal.
De 2009 a 2019, foram diagnosticados 423 mil casos da doença nas áreas endêmicas monitoradas pelo Programa de Controle da Esquistossomose.
Popularmente conhecida como barriga d’água, xistose e doença do caramujo, a esquistossomose está ligada a condições precárias ou ausência de saneamento básico.
O contágio ocorre em rios, açudes ou lagos em que há despejo de esgoto e presença de caramujos Biomphalaria.
Pessoas infectadas pelo S. mansoni liberam ovos do parasito nas fezes. Se os dejetos são lançados na água, os ovos eclodem, liberando larvas, que infectam os caramujos.
Dentro destes animais, as larvas adquirem a forma de cercárias, que são liberadas na água e podem infectar os seres humanos, penetrando através da pele.
Mal-estar, febre, dor na região do fígado e do intestino, diarreia e fraqueza podem ser sintomas da doença. Emagrecimento e aumento do volume do fígado, do baço e da barriga ocorrem nos casos graves. A doença também pode afetar o sistema nervoso.
Sem tratamento, a esquistossomose pode levar à morte. O diagnóstico da infecção é feito por exame de fezes. O medicamento para tratar a doença é oferecido gratuitamente pelo SUS.
Permitida a reprodução sem fins lucrativos do texto desde que citada a fonte (Comunicação / Instituto Oswaldo Cruz)