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Homenagem ao amigo Henry Percy Faraco Willcox (21/02/1937 – 10/03/2004)


Quando na noite de quarta-feira, 10 de março de 2004, recebi por telefone, em Aracajú, a notícia do falecimento do Henry no momento em que me preparava para ligar para Luciane e Marly, sua filha e esposa, em busca de notícias da cirurgia cardíaca a que ele se submetera naquele dia, senti como se tivesse perdido um pedaço de mim mesmo. E de fato perdi, um amigo, um irmão de convivência e de profissão. Tão importante para mim, como se tivéssemos o mesmo sangue e talvez além disso, porque em mais da metade da minha vida tivemos uma interação de amizade e sentimentos que ultrapassava os limites da consangüinidade.

Depois da infausta notícia, durante mais de uma hora vaguei pela imensa praia do Atalaia como uma alma penada, com o pensamento no amigo, querendo acreditar que o que ouvira não era verdade. Mas era.

Quando voltei à plena consciência, lembrei-me que uma semana antes discutimos, com a serenidade que lhe era peculiar, a cirurgia a que iria submeter-se. E com a maior tranqüilidade ele me informou dos procedimentos que seriam feitos, como se estivéssemos discutindo as técnicas de mais um dos inúmeros trabalhos científicos que fizemos juntos e, com a mesma tranqüilidade, objetividade e otimismo – uma das características de sua personalidade – disse-me ele “esta é a minha chance de viver mais alguns anos”. Assim era o Henry: confiante, valente, alegre e otimista.

Conheci o Henry Willcox, ele ainda estudante de Ciências Biomédicas da UERJ, em 1965, estagiando no Laboratório de Bacteriologia do Pavilhão Carlos Chagas, na Clínica de Doenças Tropicais e Infecciosas da UFRJ, onde eu era professor adjunto e chefe de clínica do Prof. Rodrigues da Silva. Encantou-me, como encantou ao nosso mestre, a sua determinação e as suas histórias de vida. Por isso foi contratado como microscopista do Instituto Nacional de Endemias Rurais, no próprio Pavilhão Carlos Chagas, pelo Diretor Prof. Rodrigues da Silva, de 1965 a 1968, quando terminou o curso.

Nesse curso, ele foi representante de turma, monitor de Fisiologia e Farmacologia e orador da turma na colação de grau, em 1968. Desde ali, ele já demonstrava a sua liderança. Com a morte do Prof. Rodrigues naquele ano, a quem substituí, convidei o Henry para continuar no nosso serviço. Inicialmente, como bolsista e, logo depois, como Auxiliar de Ensino, de 1971 a 1974, e como Professor Assistente, de 1974 a 1980.

Quando fui convidado para Vice-Presidente de Pesquisa da Fiocruz e Diretor do IOC, em 1979, o convidei para vir comigo, na condição de Pesquisador Adjunto, para o Instituto Oswaldo Cruz. Aqui o Henry foi tudo para mim: meu substituto eventual, na Vice-Presidência de Pesquisa da Fiocruz e na Direção do IOC, nas minhas ausências temporárias. Organizamos o Curso de Auxiliar e de Técnico de Pesquisa, o Curso Básico de Biologia Parasitária, o Mestrado e o Doutorado nessa área e em Medicina Tropical, onde ele foi professor, coordenador e os meus dois braços, direito e esquerdo, naqueles cursos e na organização do Departamento de Medicina Tropical.

Henry Willcox era um cidadão do mundo e um brasileiro como poucos! Músico de renome internacional, pesquisador e biotecnologista polivalente dos mais perfeitos que conheci. A partir dos 20 anos de idade, tornou-se um músico de reconhecimento nacional, pela Ordem dos Músicos do Brasil, e internacional, pela Associated Musicians of Greater New Yorker. Foi guitarrista, contrabaixista, ritmista, vocalista, gaitista, arranjador, produtor e apresentador, participando de “shows”, no Hotel Quitandinha de Petrópolis, e em numerosos outros palcos no Brasil. Em recitais, teatros, rádio e televisão e no exterior, como o Carnegie Hall e o Wadorf Astoria, em New York, no Lisner Auditorium, em Washington, no Mansonic Temple, em San Francisco, e no Los Angeles, o quarteto de Oscar Castro Neves.

Na área científica, Henry fez diversos cursos de aperfeiçoamento no Brasil, na ENSP e em diversas outras instituições brasileiras. E no exterior, em Upsala, na Suécia, em New York e Atlanta, nos Estados Unidos, e também em Norwick, na Inglaterra. Ele fez o Master of Science em Parasitologia Médica, na Liverpool School of Tropical Medicine, na Inglaterra. Publicou 70 trabalhos em revistas nacionais e internacionais, grande parte com a minha colaboração. Apresentou numerosos trabalhos em congressos nacionais e internacionais, participou de várias bancas examinadoras de mestrado, orientou teses e coordenou cursos e disciplinas, dirigiu laboratórios entre os quais os de Bacteriologia, Sorologia e Parasitologia do Pavilhão Carlos Chagas, na UFRJ. Foi ele quem montou numerosos Laboratórios em Serviços de Saúde Pública de diversas Secretarias de Saúde Estaduais, onde treinou pessoal na utilização e manutenção de Equipamentos, uma de suas especialidades.

Como último pedido, gostaria de um dia reencontrá-lo. Pessoalmente desejo viver por muitos anos, entre outros motivos, porque, como ele, gosto muito da vida e, enquanto viver, cultivarei a sua memória. Mas quando eu morrer, gostaria de voltar a ser seu companheiro, no céu ou em qualquer outro lugar, para relembrarmos a nossa convivência, as nossas viagens e trabalhos de campo, na Paraíba, Piauí, Minas Gerais, no Amazonas e pelo Brasil inteiro, para novamente trocarmos as nossas confidências ao som do seu inesquecível violão. Enquanto isso, ouvirei freqüentemente a sua voz e o choro do seu violão em “A Música e o Tempo”, um lindo arranjo com o qual me presenteou recentemente, numa seleção das mais importantes músicas românticas brasileiras, por ele reinterpretadas. Que Deus proteja a sua família, a esposa Marly, os filhos Luciane e Leandro e os netos Paolo e Laryssa, enlevos de sua vida.

Com eterna gratidão do amigo de sempre,

José Rodrigues Coura


 

 

IOC - CIÊNCIA PARA SAÚDE DA POPULAÇÃO BRASILEIRA