Ocupação da América foi rápida, diz estudo
Claudio Angelo

Dois estudos publicados neste mês por grupos internacionais de pesquisadores prometem adicionar um pouco de certeza a um dos maiores enigmas da arqueologia: o povoamento da América. Um deles estabelece uma data máxima para a entrada dos seres humanos no continente: 18 mil anos.

O outro afirma que a migração aconteceu de forma rápida, e que os avós dos índios chegaram à América do Sul há 14 mil anos.

A certeza vem de uma única disciplina, a genética. Mas os resultados obtidos estão de acordo com as descobertas mais aceitas pela arqueologia.

Pelo menos do ponto de vista da análise de DNA, as evidências de presença humana no continente há 30 mil ou 40 mil anos não se confirmam e estão destinadas ao esquecimento.

Ambos os estudos se baseiam na investigação do cromossomo Y, que define o sexo masculino. Passado inteiro de pai para filho, ele escapa ao embaralhamento que ocorre com os genes da mãe na fecundação e, por isso, é um bom indicador de ancestralidade.

A menos que sofra uma mutação, o Y se conserva inteiro. Conhecendo as mutações e sabendo a que velocidade elas ocorrem, os geneticistas conseguem determinar como as populações evoluem a partir de um ancestral comum.

Foi justamente rastreando uma mutação no Y que o grupo liderado por Mark Seielstad, da Escola de Saúde Pública Harvard (EUA), conseguiu estabelecer uma data máxima para a antiguidade do povoamento da América.

Eles descobriram uma mutação, batizada M242, que está presente em todos os índios americanos e também em populações da Ásia Central. Essa mutação está num trecho de DNA identificado em 1996 pelo brasileiro Fabrício Santos, da Universidade Federal de Minas Gerais, e apelidado 'Adão' das Américas - por estar relacionado aos ancestrais dos índios.

Acontece que o 'Adão' americano, conhecido pelos cientistas como M3, evoluiu já depois que os primeiros imigrantes atravessaram da Ásia para a América. A mutação que deu origem a ele, ainda no continente asiático, permanecia desconhecida.

'Nós a descobrimos por acidente', disse Seielstad à Folha. 'O estudo original queria examinar a evolução de genes no cromossomo X e no Y na presença ou ausência de recombinação.'

Segundo Seielstad, a mutação M242 conta melhor a história da ocupação do continente porque ocorreu antes que as primeiras levas de migrantes viessem para a América. E estima-se que ela tenha surgido há 18 mil anos.

'Eu acho que a datação dessa mutação é bastante segura. Certamente, se houve migrações anteriores, elas não deixaram descendentes no cromossomo Y.'

Questionado sobre se o estudo põe um ponto final na discussão sobre datas antigas, Seisletad é tão categórico quanto pode ser: 'Sim, com poucas dúvidas', diz.

'Não entendo como os arqueólogos se agarraram a datas de migração tão fantasticamente antigas quando não há sítios críveis com essa antiguidade no continente.'

Em disparada. O trabalho de Seisletad e colegas dos EUA e Reino Unido sai neste mês na revista científica 'American Journal of Human Genetics' (http://www.ajhg.org).

Na mesma edição, um outro estudo, liderado por Maria-Cátira Bortolini, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, termina de fechar o cerco às migrações antigas.

Usando amostras de DNA de 438 indivíduos de 24 etnias americanas -a maioria da América do Sul- e de 404 nativos da Mongólia, o grupo de Bortolini estabelece que o povoamento do continente, além de recente, aconteceu rápido: os primeiros habitantes da América do Sul chegaram há apenas 14 mil anos, pouco tempo mais que a idade de Luzia, o fóssil humano mais antigo do continente (que tem 13 mil anos).

'A dispersão foi muito rápida. Eles não tinham competidores', afirmou a pesquisadora gaúcha.

O grupo de Bortolini detectou a mutação M242 em vários grupos sul-americanos e datou a história genética dessas populações. Eles descobriram que da origem, na Ásia Central, à ocupação da América do Sul, os primeiros americanos levaram menos de 5 milênios.

'As nossas datações são compatíveis com os dados arqueológicos aceitos', diz. Como Seielstad, ela é quase categórica ao dizer que estabeleceu a data máxima de entrada na América do Sul -algo que os arqueólogos não conseguem resolver até hoje.

Sua tese é reforçada pelo fato de que as últimas análises de DNA de linhagens femininas (o mitocondrial) apontam para 15 mil anos.

Outra descoberta do grupo foi uma surpreendente estabilidade dos primeiros migrantes. Analisando uma mutação chamada QM19, em índios da Amazônia, eles descobriram que algumas populações já estavam isoladas em tribos desde o começo da colonização da América.

Os índios ticunas, do Amazonas, por exemplo, são um grupo único -e provavelmente habitam a mesma região- há 8.000 anos, algo que contradiz a idéia geralmente aceita pelos antropólogos de que as tribos indígenas foram formadas recentemente.

'Estamos resgatando eventos históricos não-registrados. Eles não nos contaram como vieram', brinca a geneticista.
(Folha de SP, 4/8)

 

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