Ecologistas rompem silêncio e criticam governo
Maura Campanili

Acabou a 'lua-de-mel' dos ambientalistas com o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Uma das mais importantes organizações não-governamentais (ONGs) do setor, o Instituto Socioambiental (ISA), acaba de divulgar um balanço sobre os primeiros 200 dias da gestão Lula no qual avalia que a questão ambiental tem perdido espaço no Executivo diante da pressão pela retomada do crescimento.

O objetivo do balanço foi verificar até que ponto o governo incorporou uma das palavras de ordem dos ambientalistas, a 'transversalidade' - conceito pelo qual a defesa ambiental tem de estar presente em todas as ações oficiais, e não limitada a uma pasta.

Ao menos simbolicamente, defensores dessa corrente chegaram ao poder com a nomeação da ministra Marina Silva e do principal representante do ISA, João Paulo Capobianco, secretário de Biodiversidade e Florestas do Ministério do Meio Ambiente (MMA).

'O resultado mostra que há anos-luz pela frente até que se possa chegar ao tratamento transversal das questões de meio ambiente' , diz Márcio Santilli, coordenador do programa Política e Direito Socioambiental do ISA.

'A resposta não compete só ao MMA, mas tem a ver também com reforma agrária, fundos de desenvolvimento regional, transportes e infra-estrutura em geral.'

Elaborado pelo ISA com a colaboração de entidades como o Instituto de Defesa do Consumidor (Idec), o documento foi divulgado no site da ONG (http://www.socioambiental.org) no fim da tarde de sexta-feira. O texto assinala que os resultados negativos em termos de performance da economia e do emprego têm 'levado o governo ao desespero'.

'A expressão espetáculo do crescimento é uma apologia retórica que tem dispensado qualificativos como socialmente justo ou ambientalmente responsável, num país que já conhece historicamente o passivo socioambiental gerado por concepções de crescimento econômico a qualquer preço', disse Santilli.

Infra-estrutura - Segundo o coordenador do ISA, o que mais tem preocupado é a maneira como o governo vem anunciando grandes obras de infra-estrutura em locais sensíveis sem mencionar eventuais problemas ambientais.

'O asfaltamento da Cuiabá-Santarém (BR-163), por exemplo, é apontado como fundamental para escoar a produção de soja. Mas ninguém fala do desmatamento no entorno da rodovia, que já foi foco da exploração madeireira e representa uma das principais rotas de migração de produtores de soja.'

O documento destaca que o decreto que criou o Grupo de Trabalho Interministerial para conter o desmatamento na Amazônia, publicado em 3 de julho, foi reeditado quatro dias depois excluindo a zona especial de gestão na área de influência da BR-163.

O documento destaca ainda o caso da liberação da safra de soja 2003, parte dela plantada com sementes transgênicas, definido pelo Idec como um grave ataque à Justiça, ao Código de Defesa do Consumidor e à lei ambiental.

Para o ISA, no episódio Marina esbarrou pela primeira vez nas contradições do governo quanto ao modelo de desenvolvimento do país.

Em relação às terras indígenas, o ISA considera que ainda estão represadas as expectativas criadas com a eleição de Lula. 'Hesitações, encaminhamentos equivocados e negociações com setores anti-indígenas combinaram-se com cautela político-administrativa e homologações, pingadas, de Terras Indígenas (TIs).'

O ISA admite que, comparando o início deste mandato aos que vieram antes, o número (24) e a extensão das homologações (mais de 1,1 milhão de hectares) configuram um recorde.

'Porém, continua sem resolução a principal pendência demarcatória herdada da gestão Fernando Henrique Cardoso: o caso da TI Raposa/Serra do Sol, com mais de 1,6 milhão de hectares, em Roraima'. Procurado, o MMA não se pronunciou sobre o assunto. (Colaborou Henrique Maia)
(O Estado de SP, 12/8)

 

 

 

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