Fora de controle

19.Ago.2003 | A morte do diplomata Sérgio Vieira de Mello vai complicar a situação política dos Estados Unidos no Iraque. Mello não era apenas o enviado especial da Organização das Nações Unidas no país. Era, também, Alto-comissário licenciado de Direitos Humanos e o resolvedor oficial de problemas da ONU. No Kosovo, no Timor Leste e finalmente no Iraque, as missões mais difíceis da entidade couberam, nestes últimos anos, a ele. Neste sentido, Sérgio Vieira de Mello era o número dois da ONU. Assim, é a maior autoridade vítima do terror desde o 11 de setembro.

Por volta das 16h40, hora local, um caminhão de cimento aproximou-se do hotel na capital iraquiana onde se instalou a sede da ONU, estacionou próximo à parede onde funcionava o escritório do embaixador – e explodiu. Foi um atentado suicida. Nos momentos após o estrondo, Vieira de Mello conseguiu ligar para seus colegas. Explicou que uma barra de ferro imobilizava-lhe as pernas e pediu água. Duas vezes. Um par de horas após a explosão, o diplomata deixou de responder às ligações. Era quase 19h no Iraque quando a ONU anunciou oficialmente sua morte.

Foi um trabalho ingrato desde que começou a missão, em junho. A ONU não tinha qualquer autoridade e não lhe foi permitido trabalhar nas negociações para a composição de um governo iraquiano. Como os Estados Unidos assumiram todas as responsabilidades, a missão de Vieira de Mello terminou por ser, essencialmente, a de um observador que recolhia dados para um momento futuro em que as Nações Unidas assumiriam o serviço. Desta forma, sua segurança era obrigação dos EUA. O chefe da missão norte-americana, Paul Bremmer, lamentou o assassinato de seu "amigo". Nos próximos dias, a movimentação política internacional vai se encarregar de aumentar a pressão sobre ele.

O que o atentado de hoje mostra já estava claro: os EUA não têm controle sobre o Iraque – como não o têm sobre o Afeganistão. No país centro-asiático, as operações de guerrilha do Talibã estão aumentando em freqüência. No Iraque acontece o mesmo. Se não houve resistência militar convencional ao avanço norte-americano, a guerrilha já se estruturava para o dito pós-guerra. Que não é pós, é na verdade a continuação da guerra.

A doutrina militar estabelecida pelo secretário de defesa Donald Rumsfeld mostrou-se hábil para derrubar o regime de Saddam Hussein mas, contra uma guerrilha, ainda não surgiu jeito de vencer. O guerrilheiro pode ser qualquer um. Ele não tem armas sofisticadas ou se organiza em grandes pelotões. No dia-a-dia, veste as roupas do povo e dorme em sua casa com mulher e filhos. Suas armas são bombas caseiras e armas comuns. Não dá para identificá-lo e, disso, vive o guerrilheiro. Ele pode ser mais fraco em número e poder de fogo mas desperta, no soldado adversário, o terror.

A morte do cinegrafista da Reuters há dois dias pode ser explicada assim. Uma câmera virou um lançador de morteiros aos olhos de um menino apavorado. Desde o fim oficial da guerra morreu, em média, um soldado norte-americano por dia. Em geral, um garoto com menos de vinte anos que mal sabe explicar os porquês de sua estadia contínua naquele país estrangeiro. Há coisa de um mês, a rede de TV ABC fez um especial sobre estes soldados. Eles diziam que queriam voltar. Não entendiam por que, após o fim da guerra, continuavam lá.

Não mudou nada no Iraque até hoje. Não se deu um passo político à frente. Desde o 11 de setembro, muito pelo contrário, parece que a situação no Oriente Médio está pior.

 

 

 

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