Estrangeiros querem comprar Universidades no Brasil
Marcos de Moura e Souza

Investidores americanos, canadenses e europeus que aplicam seus dólares em fundos de investimentos estrangeiros - e nunca tiveram contato com o setor educacional - estão perto de se transformar nos novos donos de Universidades e faculdades brasileiras.

Empresas que administram esses fundos e buscam oportunidades mundo afora querem agora apostar suas fichas na aquisição total ou parcial de instituições privadas de ensino do país - em especial as de ensino superior, que movimentam R$ 15 bilhões e cresceram 157% nos últimos nove anos.

O objetivo, na maioria dos casos, é adquirir as instituições, injetar recursos, participar da gestão e finalmente revender as faculdades e Universidades por um preço multiplicado.

Operações desse tipo - chamadas no mercado financeiro de private equity - já vêm sendo feitas no Brasil com empresas dos setores de serviços e industriais, como redes de farmácias, laboratórios, empresas de alimentos e no ramo do agribusiness.

'Os fundos procuram investir em países emergentes, como o Brasil, países do leste europeu e da Ásia, que ainda têm potencial de crescimento maior que o dos mercados maduros. E o setor de educação no Brasil cresce muito mais que o de outros países. É isso que nos atrai', disse Patrice Etlin, um dos sócios do Advent International.

Essa multinacional administra um fundo de US$ 265 milhões e busca oportunidades em diversos setores no Brasil. A empresa tem feito contatos e propostas a instituições de ensino.

As Universidades públicas atendem hoje menos de um terço da demanda, de 3 milhões de matrículas. De 1995 para cá, o número de instituições privadas de ensino superior subiu de 684 para 1.762.

Nelas estudam 2,1 milhões de alunos. Projeções apontam que esse total será de 6,3 milhões em 2008, o que representa uma taxa de crescimento anual das matrículas de 11%.

De olho nesses números, a JP Morgan Partners - maior empresa de private equity do mundo - também busca investimentos em educação aqui.

A empresa, que já tem recursos aplicados no exterior, possui um fundo de US$ 570 milhões para investir pelos próximos três anos em negócios na América Latina. Grupos brasileiros também querem entrar no jogo.

O Pátria, por exemplo, está captando recursos no país e no exterior para formar um fundo para investir exclusivamente em educação e saúde.

Não há barreira legal para investimentos desse tipo. 'Em 97, a LDB (Lei de Diretrizes e Bases) abriu essa possibilidade e nós regulamentamos. Até então, o ensino superior não podia ter fins lucrativos', diz o ex-ministro da Educação Paulo Renato Souza, que agora trabalha como consultor.

Um dos serviços oferecidos pela Paulo Renato Souza Consultores é justamente buscar oportunidades de investimentos em educação para os fundos - que 'também sejam boas para as instituições de ensino', explica o ex-ministro.

Por enquanto, nenhum fundo conseguiu bater o martelo com instituições de ensino. Investidores dizem que muitos proprietários de faculdades e Universidades superestimam o valor de venda de suas instituições.

Ou então, faltam a elas transparência administrativa suficiente para que se tornem negócios atraentes para os investidores.

A participação de capital estrangeiro em escolas brasileiras é vista com muitas reservas por acadêmicos e especialistas, que denunciam o risco de mercantilização do ensino.

'Os interesses das empresas são os lucros, e quem visa o lucro o quer o mais rápido possível', diz a reitora da UFRGS e presidente da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), Wrana Panizzi.

'A educação mais duradoura, que forma cidadãos independentes, exige investimentos de mais longo prazo. As empresas têm outros objetivos.'

EUA querem abertura do mercado

Países desenvolvidos querem ampliar a discussão sobre participação externa no setor de educação. Liderados pelos EUA, pretendem incluir o tema na pauta da Organização Mundial do Comércio (OMC) e também nas negociações para a criação da Área de Livre Comércio das Américas (Alca).

Uma das propostas é de que sejam suspensas todas as limitações para que instituições de ensino estrangeiras abram filiais em outros países.

A educação entraria para o rol de serviços que se pretende liberalizar, algo que permitiria também que professores estrangeiros atuassem fora de seus países.

'Ao se liberar, deixam de valer os parâmetros curriculares locais. Eles seriam uma barreira. As instituições teriam o direito de conceber a forma de ensino, os currículos e trabalhar com sua visão do mundo', diz Luiz Olavo Baptista, professor de Direito da USP e um dos sete membros do Órgão de Apelação da OMC.

Ele participa hoje do seminário 'O Ensino e a OMC', promovido pela USP.

A presença de Universidades estrangeiras já é realidade em muitos países, especialmente nos ex-satélites da União Soviética. 'Muitos países de economia marxista ocidentalizaram o ensino', diz.

O Itamaraty avalia que a discussão ainda é prematura, mas o tema não conta com a simpatia do governo. (M.M.S.)
(O Estado de SP, 20/8)


 

 

 

 

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