Os relógios de Einstein, que moldaram o tempo

Dennis Overbye / The New York Times

O que significa, perguntou Albert Einstein em 1905, dizer que um trem chega a algum lugar - Paris, digamos - às 7 horas?

Você poderia não achar necessário conhecer algo tão profundo quanto a relatividade para responder à pergunta. Mas Einstein precisou respondê-la para inventar sua teoria da relatividade, o avanço que conduziu a ciência a um novo século e consagrou a equivalência entre matéria e energia.

Em seu último passo, depois de uma década refletindo sobre os mistérios da luz e do movimento, Einstein concluiu que não existia algo como o tempo absoluto, previsto pelos cientistas desde Newton, decorrendo uniformemente através do cosmo.

Havia, na verdade, apenas os tempos medidos por relógios individuais. Para falar de tempos e medidas em lugares diferentes, disse, os relógios têm de ser sincronizados.

E a maneira de se fazer isso é emitir sinais luminosos entre eles, fazendo a correção de acordo com o tempo que os sinais levam para viajar de um relógio até o outro.

Uma receita simples. Porém, quando Einstein a seguiu, descobriu que relógios movendo-se em relação um ao outro não corriam na mesma velocidade. Nascia, então, a era moderna.

A relatividade de Einstein sempre foi considerada pelos acadêmicos um monumento ao poder do pensamento abstrato.

Mas se Peter Galison, de 48 anos - professor de história da ciência e da física na Universidade de Harvard, piloto, amante da arte e cineasta estreante -, estiver certo, a física e Einstein tiveram mais sucesso em suas conexões com o mundo que em qualquer abstração.

E uma pista para a origem da relatividade pode ser encontrada em algo tão mundano e prático quanto um horário de trem do século 19. 'Não poderia ser mais claro', disse ele.

Como relata Galison, antes que o advento das fábricas começasse a padronizar a vida, e os sistemas ferroviários com trilhos cruzados tornassem obrigatório saber qual trem estava aonde, e quando, havia tempos demais - um para cada vila.

No fim do século 19, a coordenação dos relógios e a padronização do tempo mobilizara as paixões das nações, de líderes empresariais, astrônomos e filósofos.

O escritório de patentes em Berna, Suíça, onde Einstein trabalhava, era um centro para as patentes sobre a sincronização dos relógios.

Na Nova Inglaterra (EUA), os observatórios de Harvard e Yale competiam para vender sinais de tempo ao público e, em Paris, tubos pneumáticos se esgueiravam sob as ruas para sincronizar os relógios da cidade com sopros de ar.

Longe de ser uma abstração de um gênio solitário, os relógios que Einstein usou como exemplo em seus ensaios eram tão familiares na época quanto os computadores de hoje.

Essa é uma das mensagens do novo livro de Galison, Einstein's Clocks, Poincaré's Maps: Empires of Time (Relógios de Einstein, Mapas de Poincaré: Impérios do Tempo), a ser lançado em agosto pela W. W. Norton.

Parte história, parte ciência, parte aventura, parte biografia e parte meditação sobre o significado da modernidade, o texto de Galison leva os leitores do escritório de patentes aos solitários telegrafistas sob a chuva nos Andes, das minas de carvão da França aos conselhos municipais na Nova Inglaterra, passeando pelas façanhas de Einstein e de seu rival, o físico, filósofo e matemático francês Henri Poincaré.

O livro oferece corajosas descrições de como são feitos os cabos submarinos e faz pronunciamentos que soam cósmicos, beirando a metafísica.

Embora lance nova luz sobre o contexto no qual Einstein deu seu grande salto adiante, o livro não é uma história da relatividade, afirmou Galison.

É antes uma tentativa de capturar o momento raro em que o abstrato e o concreto se chocaram, em que a física, a filosofia e a tecnologia convergiram para uma só questão, o significado da simultaneidade.

Em momentos como este, escreve o autor, 'encontramos metafísica nas máquinas e máquinas na metafísica'.

Galison deixou sua marca explorando tais momentos de choque, tanto na ciência moderna quanto fora dela.

'Hoje ele é reconhecido como um dos maiores historiadores da ciência do mundo', disse Michael Riordan, físico e historiador da Universidade Stanford.

Série - Einstein's Clocks é o terceiro livro de uma série que começa com How Experiments End (Como as Experiências Terminam), de 87, e Image and Logic: A Material Culture of Microphysics (Imagem e Lógica: Uma Cultura Material da Microfísica), de 97, onde ele repensou a física do século 20 em toda a sua complexidade e todas as suas confusas sobreposições interdisciplinares 'desde a linha de produção', como disse certa vez Daniel Kevles, historidador da ciência em Yale.

Na narração da ciência de Galison, os medidores, fios, colas e soldas ganham vida, como personagens ao lado de físicos, engenheiros, técnicos e outros nos exércitos da ciência moderna.

'Raramente você lê uma página sem algum objeto concreto sendo mostrado em sua particularidade', disse Lorraine Daston, do Instituto Max Planck de História da Ciência. 'Relógios e mapas surgem para encarnar maneiras de entender o cosmo.'

Galison escreveu e editou livros sobre assuntos tão diversos como a arquitetura dos laboratórios e museus científicos, fotografia, propriedade intelectual e história da aviação.

Ele e uma colega de Harvard, a documentarista Pamela Hogan, produziram Ultimate Weapon: The H-Bomb Dilemma (Arma Derradeira: O Dilema da Bomba H), sobre a decisão de fabricar a bomba de hidrogênio, exibido no History Channel. Ele ministra um curso sobre filmagem da ciência.

'Estou interessado no que conta como um cientista', afirmou ele. 'Como rastrear a história do que significa ser um cientista em épocas diferentes?'

Galison está trabalhando num livro sobre teoria da física, para completar a trilogia com experiências e instrumentos, e noutro com Daston sobre a história da objetividade. Ele também é piloto e, felizmente, não precisa dormir muito. 'Dá para ler muito das 3 às 5 da manhã', afirmou.

Perfil - Invenções e arte estão no sangue de Galison. Seu bisavô Frank Alexander era um inventor, tinha um laboratório elétrico em casa e uma vez trabalhou para Thomas Edison. 'O lugar todo cheirava a ozônio', lembrou Galison.

O mais velho de três irmãos, Galison cresceu em Manhattan. Como estudante da Riverdale Country School, no Bronx, ele desenvolveu uma paixão pela literatura francesa.

Depois de se formar um ano mais cedo que o normal, Galison conseguiu trabalhar por um ano num laboratório de física na Escola Politécnica de Paris. Ao mesmo tempo, estudou filosofia e fez um curso de matemática. Um ano depois, ingressou em Harvard.

Procurando uma opção de curso principal, Galison topou com o Depto. de História da Ciência. 'Aquele me pareceu um lugar maravilhoso para estar, pois eles ficavam felizes por eu fazer tanta matemática e física quanto queria.'
(O Estado de SP, 30/6)



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