Muito
além do champignon
Diferentes
cogumelos já são utilizados no combate ao câncer e
outros fins medicinais

Pacientes com câncer que consumiram o cogumelo Agaricus
brasiliensis
tiveram melhora no sistema imunológico (foto: Embrapa Florestas/PR)
Se ao pensar em cogumelos o único nome que vem à sua mente
é champignon, está na hora de expandir seus conhecimentos.
Hoje, diferentes tipos desses organismos são alvos de pesquisas
em todo o mundo, e não apenas por suas propriedades nutricionais.
A tendência é que cada vez mais cogumelos saiam do anonimato
e caiam nos pratos de comida de muitas pessoas por indicação
médica. Não é para menos: alguns deles têm
vários efeitos farmacológicos, que vão da ativação
do sistema imunológico à prevenção e recuperação
de males como câncer, paralisia cerebral, doenças cardíacas
e diabetes.
A eficiência de tais ações depende da composição
de cada cogumelo, que varia em função das espécies
e linhagens, assim como das condições de cultivo e métodos
de obtenção do produto final. De modo geral, o teor de proteína
situa-se entre o dos cereais e o das carnes, sendo equivalente ao do leite.
Por conterem ácidos graxos predominantemente poliinsaturados, os
cogumelos não aumentam o colesterol de seus degustadores e são
mais bem digeridos do que produtos de origem animal.
Esses quitutes apresentam ainda ácido linoléico ou vitamina
F -- componente determinante para o equilíbrio imunológico
-- e ergosterol, substância pró-vitamina D (capaz de se converter
em vitamina, sob a ação de luz e calor, dentro do organismo).
O ergosterol também mostrou-se eficaz contra tumores, por diminuir
sua vascularização e dificultar seu crescimento.
Estudos científicos demonstraram que parte da atividade antitumoral
dos cogumelos se deve à beta-glucana em sua composição,
um polissacarídeo que aumenta o número e potencializa a
ação dos linfócitos T e dos macrófagos (glóbulos
brancos de nosso sistema de defesa). Sabe-se ainda que o consumo de determinados
cogumelos aumenta o número de outras células do sistema
imunológico, as NK (natural killer ou CD-56), responsáveis
por atacar células estranhas ao organismo, como as cancerosas.
Para testar sua eficiência, o mastologista Jorge Gennari, o médico
do esporte e perito médico judicial Marcelo Gennari e o médico
fisiologista José de Felippe Junior acompanharam, clínica
e laboratorialmente, 150 pacientes que consumiam o cogumelo Agaricus sylvaticus
(hoje reconhecido como Agaricus brasiliensis). Destes, 70 (50 eram mulheres)
tiveram as células NK contadas antes e após a introdução
do alimento em suas dietas.
A partir de 30 dias de consumo, os médicos notaram um aumento das
células NK (que saltaram da quantidade média entre 111 e
183 para valores entre 155 e 276) em 53 pacientes (dos 70 acompanhados
antes e após o início do consumo do A. brasiliensis), com
conseqüente melhora de seu sistema imunológico. "O mais
intrigante é que, na época, 43 deles recebiam ativamente
radio e/ou quimioterapia, o que costuma deprimir o sistema imunológico",
diz Jorge Gennari.
Entretanto, em 17 pacientes não houve a resposta esperada: um manteve
o mesmo número de células NK e, em 16, o número de
células NK caiu. Baseados em cálculos bioestatísticos,
os pesquisadores acreditam que tal diminuição não
é significativa, e lembram que 10 desses pacientes estavam sob
tratamento radio e/ou quimioterápico. O estudo foi publicado em
2001 na Revista da Associação Brasileira de Medicina Complementar.
O cogumelo usado pelos pesquisadores nesse estudo -- o Agaricus brasiliensis
-- é um dos mais promissores, estudados e valorizados no mercado
mundial. Além de seus efeitos antitumorais, destaca-se sua ação
na redução da glicose sangüínea e do colesterol.
Originário do Brasil, o A. brasiliensis foi introduzido no Japão
em 1965, onde suas propriedades medicinais foram descobertas.
Conhecer e preservar
A biomédica Maria Angela Amazonas, da Empresa Brasileira de Pesquisa
Agropecuária (Embrapa Florestas), diz que é preciso conhecer
e preservar os diferentes fungos presentes no país. "A busca
por novas espécies com alto valor nutricional e medicinal é
fundamental", destaca. Estima-se que 12 mil espécies de fungos
produzam corpos de frutificação de tamanho suficiente e
textura adequada para serem considerados cogumelos. Metade delas possui
diferentes graus de comestibilidade e mais de 2 mil são de grande
valor para consumo humano.
No Paraná, o micólogo holandês André de Meijer
vem pesquisando macrofungos há 20 anos. Cerca de 1700 espécies
já foram catalogadas, mas muitas outras ainda devem ser descobertas.
Recentemente, a Embrapa passou a apoiar esse inventário e está
produzindo um livro com ilustrações e descrições
detalhadas de 100 espécies raras de floresta com araucárias.
Foi formado ainda um grupo de pesquisa multidisciplinar que está
desenvolvendo o projeto 'Bioprospecção da Macromicota da
Floresta com Araucária e Mata Atlântica'. "Pretendemos
montar um banco de germoplasma para preservação e uso das
espécies de maior potencial econômico", explica Maria
Angela Amazonas. Em março, a pesquisadora apresentou o projeto
no seminário 'Cogumelos e imunoterapia: avanços científicos',
realizado na Universidade Federal do Paraná (UFPR), no qual também
estiveram presentes Jorge e Marcelo Gennari e Ricardo Veronesi.
Em palestra do encontro, Marcelo Gennari destacou as implicações
do uso desses alimentos. "Já se sabe que cogumelos têm
princípios ativos com diversos benefícios para a saúde",
explica. "Mas ainda faltam pesquisas que esclareçam a quantidade
exata desses princípios e se funcionam isolados ou em conjunto".
Além disso, o modo de cultivo e preparo dos cogumelos pode acarretar
diferenças em sua constituição, prejudicando ou ressaltando
a ação de determinados ingredientes.
"Sem padronização e análises mais detalhadas
de seus princípios ativos, um médico nunca irá recomendar
a um paciente com câncer que use apenas os cogumelos como forma
de tratamento", exemplifica Gennari. Mas é possível,
pelo menos, verificar se as empresas que fabricam medicamentos a partir
de cogumelos possuem certificado de identificação taxonômica
concedido pela Embrapa e se realmente possuem registro no Ministério
da Saúde.
Para o médico Ricardo Veronesi, o empenho dos pesquisadores em
dar credibilidade aos cogumelos tem rendido bons frutos. "Hoje, a
biotecnologia já viabiliza a identificação de todos
os princípios ativos dos cogumelos", lembra o presidente do
Instituto Ricardo Veronesi de Pesquisas em Saúde. Ainda que esse
seja um objetivo atingido apenas a longo prazo, o otimismo já contagia
a área de pesquisas.
Ciência Hoje 194, junho 2003
Elisa Martins
Ciência Hoje/RJ
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