Menos
pêlos, menos parasitas, mais parceiros?

Ao longo da evolução, o Homo sapiens perdeu pêlos
para melhor regular sua temperatura em climas quentes. Isso é o
que diz a Teoria de Wheeler, a tese mais aceita para explicar o advento
dos 'macacos pelados' que somos. Ela não é a única,
porém: dois britânicos sugerem que a perda de pêlos
foi uma defesa natural contra moscas, piolhos, carrapatos e outros parasitas.
Os contestadores são Mark Pagel e Walter Bodmer, das Universidades
de Reading e Oxford, respectivamente. Em estudo publicado em 8 de junho
na revista Royal Society Biology Letters, eles alegam que a Teoria de
Wheeler não explicaria a perda de pêlos em regiões
mais frias. Eles refutam também a hipótese segundo a qual
os hominídeos viveram em ambientes aquáticos há cerca
de 8 milhões de anos e perderam os pêlos devido à
sua ineficácia na manutenção da temperatura dentro
d'água.
Os ingleses acreditam que a mudança teria ocorrido para evitar
a presença de parasitas na pele que, revestida de pêlos,
teria temperatura e umidade propícias para sua proliferação.
Os cientistas afirmam que modificações culturais teriam
precedido as biológicas: "Quando os homens foram capazes de
construir abrigo, fazer fogo e roupas, eles começaram a perder
seus pêlos". Esse fator teria sido inclusive um critério
de seleção de parceiros ao longo da evolução:
indivíduos com menos pêlos poderiam em tese gerar descendentes
mais aptos para sobreviver.
Mas como explicar a conservação de pêlos no rosto,
na cabeça e na região pubiana? A resposta estaria ligada
à seleção sexual: nos dois primeiros casos, os cabelos
representariam vantagens naturais na proteção contra o Sol;
já os pêlos pubianos seriam responsáveis pela transmissão
de feromônios sexuais -- substâncias químicas que atrairiam
machos e fêmeas da mesma espécie.
No entanto, não há consenso entre os cientistas quanto à
hipótese inglesa. "O estudo não traz cálculos
ou dados realmente novos", aponta Lia Amaral, física da Universidade
de São Paulo que já publicou trabalhos sobre termorregulação
humana. "Trata-se de mais uma argumentação que ressuscita
a idéia dos parasitas, considerada e descartada por Darwin, que
alegou que outros animais nas mesmas condições não
perderam pêlos."
Lia publicou em 1996 um estudo que propõe modificar a Teoria de
Wheeler. A física argumenta que ela não seria válida
para hominídeos se considerado apenas o ambiente externo, pois
os pêlos são uma proteção para animais de sangue
quente no frio e no calor. "Basta observar os primatas de savana,
todos muito peludos, e habitantes dos desertos, que sempre andam cobertos
para minimizar a absorção de calor." Problemas com
a pele nua (cortes e queimaduras) foram também citados por Lia
como provas de que as vantagens em relação a parasitas seriam
menores do que as desvantagens implicadas na perda de pêlos.
A brasileira atribui o fenômeno à necessidade do homem de
expelir calor interno em atividades físicas acentuadas. A mudança
teria surgido junto com o bipedalismo, antes da entrada dos hominídeos
nas savanas. "Lutas territoriais dentro da espécie teriam
sido um primeiro passo para a perda dos pêlos", sugere. Os
ancestrais dos homens teriam então adotado a postura ereta para
melhor segurar seus filhotes, que não podiam mais se agarrar ao
pêlo da mãe quando transportados, o que levava à morte
de muitos.
É difícil encontrar evidências que permitam dizer
por que surgiram certos traços evolutivos. "Se fossem conhecidos
os genes responsáveis pela nudez, a análise do DNA de ossos
fósseis poderia datar a perda dos pêlos na evolução",
explica Lia. Conhecer quando ela ocorreu ajudaria a apontar a hipótese
mais coerente e evitaria especulações.
Andreia Fanzeres
Ciência Hoje on-line
30/06/03
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