Centrus é investigada


Rudolfo Lago e Vicente Nunes

Por quatro dias na semana passada, de segunda à quinta-feira, a Centrus — fundo de pensão dos funcionários do Banco Central — esteve sob inspeção da Secretaria de Previdência Complementar (SPC), instituição do Ministério da Previdência que regula e fiscaliza as atividades dos fundos de pensão no país. Dois técnicos da SPC foram atrás de informações sobre operações da Centrus que resultaram em prejuízos superiores a R$ 500 milhões a seus associados entre 1994 e 1998, todas noticiadas pelo Correio Braziliense.

Durante as investigações, no entanto, os fiscais da SPC descobriram uma nova leva de péssimos negócios fechados pela Centrus, desta vez totalizando prejuízos superiores a R$ 300 milhões. Algumas das operações foram realizadas a partir de 1999, quando tomou posse a diretoria presidida por Pedro Alvim, que continua no cargo e minimiza as perdas da instituição (veja matéria nesta página). Na análise preliminar dos documentos, os fiscais detectaram desprezo da diretoria às recomendações técnicas para o não fechamento das transações, compras na alta dos preços das ações e venda na baixa, além de negócios mais que arriscados para um fundo cujo objetivo é zelar pelo patrimônio que garante a aposentadoria dos associados.

Globo Cabo - A nova lista dos maus negócios fechados pela Centrus começa com a Globo Cabo, agora batizada de Net Serviços de Comunicação. Por duas vezes, pareceres técnicos desaconselharam o investimento em ações da empresa. Por duas vezes, a diretoria do fundo ignorou as ressalvas técnicas e investiu em papéis da empresa. A desobediência custou caro à Centrus: prejuízo de R$ 26,5 milhões.

Os técnicos da fundação identificaram os primeiros problemas na Globo Cabo há oito anos. Mas foi em 1998 que a diretoria da Centrus expressou, pela primeira vez, o interesse em comprar ações da empresa. Num parecer técnico, os analistas Diógenes Eduardo Álvares, Edilton Gama e Maria José de Morais reconheceram que a Globo Cabo era a maior operadora de tevê por assinatura do país, com 40% do mercado.

Mas, ao desaconselharem o negócio, concluíram: ‘‘Não acreditamos em um futuro muito promissor para esse ramo de atividade, no curto/médio prazo, em razão da elevada probabilidade de a economia enfrentar forte desaceleração, que afetará, principalmente, os segmentos que se baseiam em produtos supérfluos, como é o caso da Globo Cabo’’. Para reforçar os argumentos dos técnicos, a empresa encerrou o exercício de 98 com um prejuízo de R$ 231,7 milhões e dívidas de R$ 785,7 milhões, quase o triplo de seu patrimônio (258,5%).

Apesar da grave situação financeira da empresa e dos pareceres contrários, a diretoria da Centrus resolveu, no 21 de outubro de 1999, comprar 43.705 ações preferenciais nominativas (PN) da Globo Cabo, no mercado de opções. A companhia encerrou o ano com prejuízo de R$ 526,2 milhões e dívida de R$ 910,3 milhões. Bastaram, porém, apenas mais dois meses para que a Centrus se aventurasse novamente em busca de ações da empresa.

Em fevereiro de 2000, os técnicos emitiram nova nota técnica contra o investimento. ‘‘Entendemos que a indefinição que ronda o atual momento de mercado não avaliza apostas em valorizações significativas para as ações da Globo Cabo’’, escreveram José Carlos de Medeiros, Edilton Gama e Maria José Morais. Apesar da advertência, entre fevereiro de 2000 e maio de 2002, a Centrus realizou várias operações de compra e venda de ações da Globo Cabo, fazendo giro de posições, como se diz no jargão do mercado.

Nesse giro, a Centrus pagou, em média, preços 13% superiores aos da venda. Um movimento inaceitável para um fundo que tem carteira tão agressiva no mercado de ações — cerca de R$ 1,5 bilhão. Mas não é só. Entre fevereiro e maio de 2003, o fundo decidiu se desfazer das ações da Globo Cabo. Pelas contas dos técnicos da Centrus, em maio de 2002, o valor corrigido do investimento na Globo Cabo somava R$ 46 milhões. Mas a fundação obteve R$ 19,5 milhões com os papéis e perdeu R$ 26,5 milhões.

Comgás - Os técnicos da Centrus também desaconselharam a compra de ações da Companhia de Gás de São Paulo (Comgás), responsável pela distribuição de gás em 170 municípios do estado. No dia 12 de fevereiro de 2001, os técnicos do fundo divulgaram parecer contrário ao negócio. ‘‘Existe um ponto chave que determinará os resultados da Comgás no médio prazo: a demanda potencial para o gás boliviano’’, dizia a nota, ressaltando o grande risco do negócio. O documento ainda alertava que os preços das ações estavam altos demais. ‘‘Entendemos que o posicionamento na Comgás, no momento, não é adequado’’.

Apesar das recomendações em contrário, três dias depois, a Centrus investiu em ações da Comgás, o que se revelou um péssimo negócio. Hoje, o custo corrigido da compra das ações superaria em 269% a cotação dos papéis no mercado. Caso se desfizesse dos papéis, a Centrus arcaria com perda próxima de R$ 5,5 milhões.

Alvim minimiza perdas - O presidente da Centrus, Pedro Alvim, diz que todas as operações fechadas pela fundação e investigadas pela Secretaria de Previdência Complementar (SPC) estão em conformidade com a lei. Ele atribui as perdas contabilizadas pelo fundo, sobretudo com as ações da Globo Cabo e da Comgás, ao péssimo desempenho das bolsas de valores. ‘‘Em 2000, o Ibovespa (índice que mede a lucratividade das ações mais negociadas na Bolsa de São Paulo) estava em 18 mil pontos. Hoje, está próximo de 13 mil’’, ressalta.

Alvim afirma que, em vez de as pessoas se preocuparem apenas com os prejuízos da Centrus, deveriam olhar como um todo a carteira de ações da fundação, que, entre 1999 e 2002, valorizou-se 283%. Questionado se prejuízos superiores a R$ 800 milhões acumulados desde 1995 não são relevantes, o presidente da Centrus afirma que o fundo aprendeu muito com os erros do passado e hoje se pauta pela transparência nas suas operações.

Bastante irritado, ele diz que esta foi a última vez que atendeu a reportagem do Correio para comentar os prejuízos da Centrus. Apesar de todas as denúncias de má-gestão no fundo estarem fundamentadas em documentos da própria instituição, ele insiste em dizer que não mais responderá a ‘‘fofocas’’. (RL e VN)

Venda na hora errada - Duas das operações consideradas prejudiciais à Centrus, o fundo de pensão dos funcionários do Banco Central, têm como peça central a Escelsa, empresa de eletricidade do Espírito Santo, privatizada no início do primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso. Com base em parecer técnico assinado pela consultora de investimentos Maria José Resende Morais — a mesma que avalizou outras operações que resultaram em prejuízos milionários à Centrus, como a sociedade na empresa de auto-peças Promoauto —, a fundação comprou 275.678 ações ordinárias (com direito a voto) da Escelsa.

Segundo cálculos de técnicos da Centrus, em maio de 2002, corrigidos os valores, as ações da Escelsa adquiridas pelo fundo valiam R$ 74 milhões. Um ano depois, em junho de 2003, o valor de mercado das mesmas ações era de R$ 10,5 milhões. Se vendesse os papéis agora, a Centrus teria prejuízo de R$ 63,5 milhões, por total desinteresse do mercado. As ações da Escelsa têm baixíssima liquidez. Quase não há negócios com elas na Bolsa de Valores de São Paulo.

A Centrus também comprou ações da Iven S.A, empresa formada por quatro bancos, além da Nacional Energética, pertencente ao falido Banco Nacional. A Iven foi criada para ser uma holding controladora de companhias do setor de energia elétrica, entre elas, a Escelsa. Em 1995, os bancos que participavam da Iven fizeram um acordo de acionistas, que a Centrus não subscreveu. Quatro anos depois, os signatários do acordo venderam as participações na Iven por R$ 4,2 mil o lote de mil ações.

A Centrus só veio a vender as suas ações em junho de 2000, no mesmo ano em que a Iven começou a dar lucro. E vendeu por um valor bem mais baixo que os demais acionistas no ano anterior: por R$ 967 o lote de mil, em média. O intermediário da operação foi o Pactual, um dos signatários do acordo de acionistas. Na operação, a Centrus deixou de faturar R$ 237 milhões. (RL e VN)

 

 

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