Aziz Ab’Saber: A liberação desta soja é um absurdo

Integrante do grupo de intelectuais ligados ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o geógrafo Aziz Ab'Saber é um crítico severo à introdução da soja transgênica no país.

Estudioso do tema e ex-presidente da SBPC, Ab’Saber afirma que, ao optar pelo plantio e pelo cultivo do produto, o país perde uma de suas maiores riquezas: a soberania sobre a exportação de soja natural.

Ab’Saber considerou um desaforo a decisão do governo brasileiro de liberar o plantio do produto, especialmente em relação à ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, contrária à medida.

Ele é contra a soja transgênica, mas defende o plantio de outros produtos geneticamente modificados desde que sejam necessários ao país.

Leia a seguir entrevista concedida pelo geógrafo a 'O Globo':

O Globo - O senhor ficou surpreso com a decisão do governo de permitir o plantio de transgênicos?
- Não apenas surpreso, mas indignado. O governo não entende que há pressão de ordem internacional para que o Brasil entre na soja transgênica apenas para acabar com a soberania do país na produção e na exportação de soja natural.

O Globo - O senhor sairia em defesa da ministra Marina Silva?
- O que os colegas do governo fizeram com a ministra foi um desaforo. Ela defende um projeto que sempre foi apoiado pelo próprio PT.

O Globo - Por que o Brasil não deveria ser produtor e exportador de soja transgênica?
- Falta conhecimento sobre estudos de previsão de impacto, seja para projetos desenvolvimentistas ou mesmo governamentais. A liberação desta soja é um absurdo. A tecnologia de obter transgênicos resolve vários problemas com certo acerto técnico-científico. Portanto, não estou preocupado com produtos transgênicos que podem ser liberados. Mas liberar os transgênicos que dizem respeito à geopolítica internacional das exportações é um absurdo.

O Globo - Qual a maior implicação no comércio exterior brasileiro?
- Os EUA entraram na produção de soja transgênica. A Argentina, forçada por grandes companhias, também. E, agora, uma dessas empresas tenta, por todos os meios, inclusive pressões e concessões para políticos, fazer com que o Brasil entre na soja transgênica.

O Globo - Na sua opinião, a maior preocupação deve ser com a saúde pública?
- Não é um problema de saúde pública. Provavelmente, a soja transgênica, que não é usada muito pelos brasileiros, não vai ter conseqüência para a saúde. Mas esse não é o problema. O Brasil precisa pensar em sua posição internacional em termos de mercados.

O Globo - Se entrar no mercado de transgênicos, o que pode acontecer?
- Se entrar, vai perder mercados. Hoje, o Brasil tem o maior mercado do mundo com a soja natural. E os outros países ficam desesperados de saber que o Brasil, um país de terceiro mundo, é campeão na produção de uma soja bem recebida em todo o mercado mundial. Qualquer opinião jurídica sobre a soja transgênica é extremamente perigosa para o projeto agrícola e econômico brasileiro.

O Globo - Faltariam incentivos para a produção da soja transgênica?
- Os EUA têm condições de oferecer grandes subsídios para seus plantadores. Assim, o Brasil, que não poderia fazer o mesmo, continuaria secundário. Lá (nos EUA) já disseram que, se a soja transgênica não der certo, dentro das considerações de mercado, eles voltam para a natural. Ao mesmo tempo, eles insistem para que liberemos espaço para a soja transgênica.

O Globo - Houve uma decisão da Justiça favorável ao plantio da soja transgênica.
- A juíza que autorizou a questão da soja para a Monsanto cometeu um erro histórico. Ela não sabe nada de previsão de impacto ou de geopolítica internacional. É uma coisa que influi na história política e econômica do Brasil. E tem muita gente não querendo perceber a guerra que está acontecendo e que só vai favorecer quem tem mais força.

O Globo - Alguns especialistas alegam que os transgênicos poderiam solucionar o problema da fome. O senhor concorda?
- A soja não é um produto que usamos costumeiramente em nossa alimentação, a não ser no óleo. Num país onde se come carne de bode, não há espaço para alimentação à base de soja.

O Globo - O senhor seria a favor de que outros produtos fossem modificados geneticamente no país?
- Sim, mas todos os produtos que são transgênicos devem ser muito bem estudados para saber se têm ou não conseqüências negativas. Acredito que o Brasil poderia ter diversos transgênicos, mas apenas quando o produto interessa ao país.

O Globo - O governo está fazendo vista grossa para essa questão?
- Este ano, o lucro da produção geral brasileira foi um dos mais favoráveis com a soja natural. Mas a idiotização e a politização errada das pessoas fazem com que não olhem o próprio país em primeiro lugar. A questão de soberania não é de ministro nem de autoridade alguma, mas do presidente da República. Ao liberar a soja transgênica, comete-se uma indignidade.

O Globo - Mas não é possível que o Brasil consiga abrir mercado internacional para a soja transgênica, assim como fez com o similar natural?
- Eu fico muito triste, porque a pobre da Argentina, que mudou para a soja transgênica, o máximo que conseguiu foi projetar sua produção para o Rio Grande do Sul (as sementes foram contrabandeadas do país vizinho pelos fazendeiros gaúchos), que é um estado fundamental no processo da produção da soja natural.

O Globo - Normas reguladoras não poderiam sustentar uma produção de soja transgênica no Brasil?
- Desde que o governo neutralizou a CTNBio, que estava encarregada da segurança alimentar e biológica, ficou muito difícil pensar em normas. A CTNbio estaria encarregada de desenvolver pesquisas sobre transgênicos para verificar se há fatos positivos ou negativos.

O Globo - O senhor acredita que a alternância no poder prejudicaria um eventual projeto de produção de soja transgênica?
- Essas pesquisas sobre produtos são demoradas, e os governos se sucedem de quatro em quatro anos. O perigo é duplo. Além da falta de compromisso, numa certa fase de transição haverá soja natural e transgênica em expansão e teremos misturas nos produtos. (28/9)

 

 

 

 

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