Sérgio Ferreira: 'Os economistas brasileiros são contra a ciência, acham que ela não vai servir para nada'O ex-presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, Sérgio Ferreira, defende a substituição do ministro da Educação, Cristovam Buarque, e diz que, caso o ministro da C&T, Roberto Amaral, não 'aceite a responsabilidade da transparência', também deve ser trocado. Em 1965, o cientista descobriu no veneno de uma cobra jararaca substâncias que permitiram grandes avanços no combate à hipertensão. Os resultados da pesquisa deram a ele notoriedade no Brasil e no exterior e o transformaram em uma das maiores autoridades da farmacologia mundial. Ferreira, em sua gestão na SBPC (1995-1999), enfatizou a divulgação científica, especialmente entre as crianças, contra o que chama de 'analfabetismo científico'. Para ele, o programa Brasil Alfabetizado, lançado pelo governo federal neste mês, não estimula a curiosidade e é um retrocesso. 'Esse projeto ensina a ler e pronto. Saber ler é saber interpretar.' Em Ribeirão Preto, onde leciona na USP, o cientista criou, com um grupo de intelectuais e personalidades de diferentes áreas, o Templo da Cidadania, espaço voltado para a divulgação e discussões de questões sociais que tem entre seus 'sócios' o ministro da Fazenda, Antonio Palocci Filho, ex-prefeito da cidade paulista. Apesar da proximidade com o ministro, Ferreira afirma que o modelo econômico atual tem aumentado as desigualdades sociais. 'A gente está pagando, está economizando, e a pobreza está aumentando. A resolução do FMI não serve para nós. A gente tem que sair desse esquema que parece inexorável.' Leia a seguir a entrevista, concedida à 'Folha de SP', durante um encontro nacional de farmacologia em Águas de Lindóia, SP: Folha - A ciência
e a pesquisa no Brasil passam por um momento de grave crise? Nós estamos fazendo de 6.000 a 10 mil doutores por ano. A grande pergunta é: onde é que eles vão parar? Por que nós estamos fazendo ciência no Brasil? Uma primeira parte é para educar a pensar cientificamente, educar a universidade a pensar. Essa primeira etapa começou realmente após a Segunda Guerra Mundial. Não foi a universidade que começou a fazer ciência no Brasil, inclusive ela sempre foi meio contra a ciência no país. Um exemplo típico foi no golpe de 1964, em que aproveitaram para mandar para o inferno quem estava fazendo boa ciência no Brasil. Ocorre, porém, que a visão do desenvolvimento tecnológico no país nunca avançou, e a culpada não é a universidade, são as indústrias, que nunca tiveram a característica de produzir seu próprio desenvolvimento. Folha - Até
que ponto o contingenciamento de verbas é prejudicial aos cientistas
e ao país? Folha - O sr. esperava
mais do atual governo? Se a gente esperava uma mudança rápida, isso não pôde ocorrer pela própria dinâmica da democracia corporativa. Essa mudança vai ocorrer no futuro? É a grande questão. Qual era o compromisso social do PT? No fundo, é quase um retorno ao nacionalismo, que há dois anos era um palavra feia. Mas sou corintiano, aprendo com as derrotas e acredito até o fim. Folha - Que nacionalismo
é esse? Alguém está fazendo algum motor novo? O que é que os cientistas estão pedindo? Primeiro, um traçado de uma política econômica que incorpore a produção da inovação. Para isso, serão necessárias medidas que vão afetar o comércio internacional. Para isso, é preciso fazer coisas para o próprio país. Folha - O sr. acha
que o governo está seguindo esse caminho? Folha - O que querem
os cientistas? Por exemplo, você pega o Pronex, que era um plano no qual você tinha alguns laboratórios associados e um investimento na associação de centros de grande atividade com centros emergentes. Ao passar o Pronex para as FAPs, imediatamente não é mais Pronex. Nós, em SP, não podemos mais comprar materiais para enviar para outros Estados. Na verdade, a Fapesp, por exemplo, deu um passa-moloque. Pegou o dinheiro do governo, mas vai colocar um dinheiro que não será um Pronex verdadeiro. Folha - O sr. é
um dos mais duros críticos do projeto Genoma, da Fapesp... O projeto do Genoma é um projeto de desenvolvimento tecnológico que poder ser feito de várias maneiras. Até que tecnicamente deu certo. Mas eu pergunto: US$ 5 milhões para publicar um 'paper' na 'Nature' sobre o amarelinho? O que é isso? Agora vai existir o projeto do proteoma. Vão comprar um monte de máquinas que vão ter que ser mantidas com projetos que não têm significado nenhum. Se nós queremos fazer desenvolvimento de medicamentos, implicaria primeiro em encontrar um alvo, o que queremos resolver. É isso que nós estamos desaprendendo. Folha - O sr. acha
que o CNPq e o governo estão corretos em estimular a participação
das FAPs? Agora, se não forem, e se esse dinheiro for para o governo ou para qualquer instituição que não tenha um feedback da comunidade científica, ele vai desaparecer e não servir para nada. Além disso, pura e simplesmente mandar o dinheiro para regiões em que não há pesquisas achando que ele por si só fará pesquisa é besteira. Pesquisa se faz com dinheiro e com gente que tem cultura. É preciso um ambiente para isso. Os reitores querem o dinheiro, mas duvido que em muitas universidades do Brasil exista ambiente para fazer cultura. O CNPq tem consciência disso. Folha - O que seria
necessário, em termos de modelo educacional, para criar esse ambiente? O problema para reeducar cientificamente um país é não permitir que a curiosidade de suas crianças e de seus jovens seja destruída. As coisas que temos hoje de educação dão quantidade e acabam com a curiosidade. Nós pegamos os indivíduos nas universidades e os transformamos em autônomos, vendedores de medicamentos e utilizadores de aparelhos que usam sem ter nem a curiosidade de como foram feitos, simplesmente querem ganhar seu dinheirinho. Folha - O sr. trabalha
em Ribeirão Preto, cidade do ministro da Fazenda... A economia é a única ciência cujos fatos não têm importância nenhuma. Portanto, eu posso ter a minha opinião: acredito que se pudesse haver outro modelo em que pudéssemos diminuir o volume de recursos destinado ao pagamento das dívidas, seria interessante. Os EUA pagaram dívidas com o Brasil, no pós-guerra, em espécie. Eu penso que, se devemos e já pagamos nossas dívidas várias vezes, deveríamos criar um empório dos nossos artigos e quem quisesse receber viesse aqui buscar. Assim poderíamos vender o nosso aço para os EUA e eles não poderiam reclamar. Folha - O sr. acha que na reforma ministerial que deverá ocorrer até o final do ano o ministro da C&T, Roberto Amaral, deveria ser trocado? - Eu acho que até agora uma das grandes mudanças deveria ser no Ministério da Educação, onde o ministro não sabe entender nem a política que ele propõe para o país, que afeta profundamente o desenvolvimento científico. Ele não entende nem o que são revistas internacionais, o que é Capes, mistura coisas na cabeça. Fez uma proposta de alfabetização que é um verdadeiro absurdo. Alfabetização não é ensinar a ler, é processo altamente complicado. Esse projeto ensina a ler e pronto. Saber ler é saber interpretar. Essa idéia de que é só ensinar a ler não passa de um marketing vagabundo de um ministério. Quanto ao MCT, estou pagando para ver. O grupo de pesquisadores que está lá é muito bom, herdaram muitas dificuldades do ponto de vista econômico. A administração dos fundos oriundos da privatização poderá ser o grande motor do desenvolvimento científico e tecnológico. O mais importante é que o ministro aceite a responsabilidade da transparência e de fazer previsões. A equipe dele pertence à Academia Brasileira de Ciências. Eu não sei quanto uma eventual mudança poderia alterar. Mas acho que a visão pode ser alterada. A sociedade quer participar e ver o que está acontecendo. Isso vale também para as FAPs e para o ministério. Agora, no caso do ministério, é necessário que eles digam qual é a política de desenvolvimento tecnológico do país. Sem isso, mudem o ministro. (28/9)
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