Marcel Bursztyn: 'O desafio é fazer mais com menos'

Em meio a papéis e crachás de participação em congressos, seminários e eventos diversos, o diretor do Centro de Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Brasília (UnB), Marcel Bursztyn, esperava para saber se seu nome havia sido aprovado para a presidência da Capes, conforme indicação do ministro da Educação, Cristovam Buarque. A nomeação dependia da aprovação da Casa Civil.

Marcel Bursztyn é Doutor em Desenvolvimento Econômico e Social e pós-doutor nas áreas de Análise Institucional, Estado e Governo, Desenvolvimento Sustentável e Políticas Públicas, Desenvolvimento Sustentável, Economia dos Programas de Bem-Estar Social, é diretor do Centro de Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Brasília (CDS/UnB).

Graduado em Economia, Bursztyn trabalhou como analista de desenvolvimento científico do CNPq, por 10 anos. Foi presidente da Fundação de Apoio à Pesquisa do Distrito Federal (FAP/DF) e é ex-secretário de Indústria e Comércio do DF, na gestão de Cristovam como governador.

Tem 44 artigos e 11 livros publicados, sendo seis como organizador. Participou da formulação da estratégia de planejamento do MEC, em 2003, juntamente com o ministro Cristovam Buarque e equipe, e da formulação da Agenda 21 brasileira para Ciência e Tecnologia, em 1999. Com essa bagagem, se prepara para assumir um desafio: presidir a Capes, a nomeação foi publicada no Diário Oficial em 20 de agosto.

UnB Agência - Como o senhor encara o desafio de presidir um órgão importante para a pesquisa no país como a Capes?

Marcel Bursztyn - Encaro com serenidade. A Capes é uma instituição que tem uma história longa. Sua fundação coincide com a época de criação do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), um momento em que o Brasil se lançava numa estratégia de desenvolvimento em que a pesquisa científico-tecnológica se apresentava como elemento fundamental. Na minha vida profissional, tive diversos momentos de interface com a política e gestão de ciência e tecnologia, até mesmo pela minha prática e vinculação ao CNPq por mais de uma década. Isso também é campo do meu trabalho acadêmico, estudando política e gestão. Dentro da sociologia, também abordei a questão, analisando o comportamento da comunidade científica. Nesse sentido, é um desafio sim, mas é algo que se encaixa bastante em minha prática tanto profissional quanto acadêmica.

UnB Agência - Como sua experiência na gestão da Fundação de Amparo à Pesquisa do Distrito Federal (FAP/DF), guardadas as devidas proporções, pode contribuir para essa nova etapa na Capes?

Bursztyn - Quando fui presidir a FAP, vinha com a bagagem de ter trabalhado por anos no CNPq e, nesse sentido, trabalhar na fundação foi ver a questão de uma forma mais local, porque ela é voltada apenas para o Distrito Federal e trabalha com um volume de recursos relativamente pequeno quando comparada a grandes Agências como Capes, CNPq e Finep. Foi um exercício interessante na medida em que, diante de algumas adversidades, como a dificuldade na obtenção de verbas, conseguimos fazer uma boa parceria com a comunidade científica, levantando meios alternativos, inclusive vendo formas mais criativas de fazer com que as pesquisas - que vinham de um período de penúria de recursos - pudessem se desenvolver. Cumprimos com os objetivos da instituição e viabilizar o desenvolvimento de pesquisas pela comunidade científica do DF. Essa experiência é acumulada também pelo fato de que, àquela época, tivemos interface muito positiva com outras fundações de apoio de outros estados, o que é extremamente importante para essa fase agora junto à Capes.

UnB Agência - Na opinião do senhor, quais são os maiores desafios para a Capes nos próximos anos?

Bursztyn - Para resumir em poucas palavras: o desafio é fazer mais com menos. Temos algumas limitações em termos das possibilidades de ampliação dos recursos. O ministro assegurou que não haverá redução dos recursos disponíveis para a Capes, mas, por outro lado, também há a consciência de que não haverá grande incremento, pelo menos no próximo ano (2004). A partir de 2005, começa a haver possibilidade considerável de obter um incremento nesse valor orçamentário. Mas sabemos que não vai ser possível obter todas as verbas que julgamos pertinentes e necessárias para o desenvolvimento da pesquisa científico-tecnológica e da pós-graduação no Brasil. A pós-graduação brasileira vem crescendo bastante nos últimos anos e conta hoje com aproximadamente 2,8 mil programas, sendo cerca de 50% deles de mestrado e os outros 50% de doutorado. Isso evidentemente demanda recursos, tanto para o custeio dos programas como também para a manutenção de bolsas de estudo. Nos últimos anos, a oferta de bolsas não tem crescido dentro do que se gostaria e, sobretudo, o valor das bolsas não cresceu desde o início do governo FHC, que é um pleito legítimo por parte da comunidade científica e dos bolsistas em particular. Talvez, um dos grandes desafios que vamos enfrentar é descobrir uma forma de aumentarmos a oferta de bolsas de estudo, aumentar o valor dessas bolsas e, mais do que isso, viabilizar o apoio a cursos, a programas de formação de mestrado e doutorado que estejam de forma condizente com as expectativas que o Brasil tem de conhecimento e formação de recursos humanos.

UnB Agência - Aproveitando o que o senhor falou sobre a questão das bolsas, essa é uma queixa freqüente no meio acadêmico. Qual é o caminho para mudar essa situação?

Bursztyn - Não sabemos ainda. O que sabemos é que o Brasil, nesse ano de 2003, vem passando por um desempenho econômico que não permite vislumbrar um grande aumento do orçamento governamental para o próximo ano. Por conta disso, naturalmente, a destinação de verbas para todas as demandas governamentais não deve passar por aumentos consideráveis para o próximo ano. Sabemos que, na área da pós-graduação, deve haver pequeno aumento, mas muito pequeno. Isso não permite ainda que haja elevação nos valores das bolsas de estudo. Estamos trabalhando com essa probabilidade para o ano de 2005.

UnB Agência - Atualmente, tem-se discutido muito, inclusive por iniciativa do próprio ministro da Educação, sobre a reforma das Universidades. Como a Capes pode contribuir para a formulação de um novo projeto de ensino superior para o país?

Bursztyn - A Capes lida com a formação em nível mais elevado na Universidade, com a pós-graduação e a pesquisa de alto nível. Tenho certeza que a comunidade científica e universitária brasileira saberá se acoplar e participar da forma mais produtiva e cooperativa possível na produção de idéias, com toda a criatividade que é inerente à ciência, de tal forma que possamos desenhar o que esperamos que seja a Universidade do século XXI. Esse debate já começou, o Ministério da Educação já está trabalhando e já até houve encontro com a finalidade de debater esse tema. Vamos mobilizar a comunidade que gravita em torno da Capes para que possa também se juntar a esse debate, que é mais do que nacional. É uma questão internacional.

UnB Agência - O senhor acredita que o modelo de Universidade praticado hoje não está acompanhando as necessidades da sociedade e a própria evolução do conhecimento?

Bursztyn - Temos notado que essa é uma crítica geral que se faz e isso não é só no Brasil. A Universidade, ao longo do século XX, passou por um processo de evolução, que, por um lado, é positivo, na medida em que vai se especializando cada vez mais e produzindo conhecimentos cada vez mais aprofundados em cada tema. Agora, por outro, essa mesma constatação pode levar a uma certa frustração porque quando você centra muito o foco, corre o risco de perder a visão do todo. Então, essa crítica de que a Universidade esteja perdendo a visão do todo, embora esteja se aprofundando bastante nas partes, é um elemento que faz parte da pauta atual de debates sobre o futuro da Universidade no Brasil e no mundo. Temas que são transversais, que aparecem como desafios ao governo, como o Fome Zero, devem ser amplamente debatidos. Fome não é um problema tão somente para nutricionistas. Interessa a um vasto conjunto de formações, pode e deve ser discutida em inúmeros departamentos e centros, ou unidades universitárias que devem ser criadas, se ainda não existem, onde pessoas com formações aprofundadas em vários campos do conhecimento possam ter um espaço de convivência, interface, interação para que daí surjam soluções mais adaptadas aos problemas de fato.

UnB Agência - O próprio CDS (Centro de Desenvolvimento Sustentável da UnB) é uma experiência nesse novo modelo de Universidade. Como defende o ministro da Educação, Cristovam Buarque: unir em centros grandes debates temáticos.

Bursztyn - Quando o ministro Cristovam foi reitor da UnB, ele atentou muito para essa questão. Tanto é que criou na Universidade o Centro de Estudos Avançados Multidisciplinares (Ceam). A idéia era justamente criar espaços onde as pessoas que transitam dentro de departamentos e faculdades pudessem interagir com pessoas de outros departamentos e faculdades. O surgimento do CDS, há oito anos, vai se dar justamente visando a esse tipo de enfrentamento de questões temáticas. Trabalhamos no centro com o desenvolvimento sustentável. É um espaço institucional para isso. Há outras experiências surgindo no Brasil, mesmo enfrentando todas as dificuldades que normalmente aparecem num contexto de crise de orçamento e segmentação no próprio modo de gestão das Universidades. Mas sentimos que esse é um problema que também acontece em outros países e, aos poucos, esses espaços vão sendo institucionalizados.

UnB Agência - Como a Capes pode contribuir para que a Universidade alcance a tão almejada autonomia?

Bursztyn - A idéia de autonomia da Universidade é algo já consolidado, sacramentado... um grande consenso. Lidamos com a idéia de que a Universidade tem total autonomia e, mais do que isso, que o pesquisador tem total autonomia para identificar seus temas de interesse. É assim que tem funcionado ao longo de muito tempo e é assim que tem de continuar. A Universidade tem sempre de sair na frente, principalmente, a pós-graduação. Se identificarmos que, daqui a 20 anos, o Brasil terá determinada necessidade de formação de mão-de-obra, temos de treinar os formadores que vão multiplicar esses conhecimentos e a pós-graduação tem importante papel nesse caso. O que é uma novidade no fomento à produção de pesquisa no Brasil é justamente que algumas sinalizações são dadas por núcleos de inteligência estratégica da comunidade científica e de estruturas governamentais que antevêem algumas demandas que possam vir a acontecer dentro de um horizonte de tempo maior e, assim, permitem que esse planejamento seja feito. Tem-se percebido, ao longo das duas últimas décadas, em particular no Brasil, aquilo que se chama de fomento induzido. A identificação de áreas estratégicas e prioritárias e a sinalização, por parte de Agências de fomento e governamentais, de que aquelas áreas são importantes de atraírem a adesão de grupos em diferentes Universidades. Isso não quer dizer que não haja importância nos outros segmentos que espontaneamente existam e sempre continuarão existindo. É necessário buscar convivência entre essas duas vertentes de apoio à formação de recursos humanos e ao desenvolvimento do conhecimento.

UnB Agência - Um dos problemas apontados no encontro sobre reforma da Universidade, organizado pelo MEC e pelas comissões de educação da câmara e do senado, foi a concentração dos cursos de pós-graduação na região Sudeste. Como é possível descentralizar essa produção científica?

Bursztyn - Esse é um problema crucial no Brasil. É quase a história do ovo e da galinha. As boas Universidades foram se desenvolvendo em algumas localidades muito centrais (não apenas sul e sudeste) e, por serem boas Universidade, conseguem carregar maior prestígio e, com isso, arrecadar mais recursos. Isso reproduz e faz com que, cada vez mais, aumente a distância que separa as Universidades mais notáveis e mais consagradas daquelas menos notáveis e menos consagradas. Algo parecido com o desenvolvimento em termos de situação dos países no contexto mundial. É preciso encontrar atalhos para que as Universidades menos privilegiadas com recursos e oportunidades possam ser valorizadas nas suas vocações, nas suas identidades e, sobretudo, nas suas vinculações regionais. Caso contrário teremos crescente concentração de capacidade científica em alguns pontos do território, o que não é positivo num país complexo e grande como o Brasil. Vamos ter de saber lidar com as perspectivas de valorizar centros universitários em diferentes contextos do Brasil.

UnB Agência - O senhor acredita que a parceria em cursos de pós-graduação (cursado metade em cada Universidade) possa ser um caminho para solucionar esse problema?

Bursztyn - O Brasil já tem experiência nesse sentido. Na minha geração, tínhamos muito poucos doutorados e o pessoal buscava isso no exterior. Na nova geração, já temos oferta razoavelmente grande de oportunidades de doutoramento no país. Passamos então do envio de bolsistas para o exterior para o envio em modalidades mais simplificadas e, portanto, mais baratas, como o doutorado sanduíche. Isso tende a evoluir. Nos últimos anos, tem existido internamente no país uma modalidade bastante criativa, que se desenvolveu em torno da Capes. São os mestrados interinstitucionais. É quando uma Universidade, com maior prestígio e experiência, consegue transferir o processo de formação localmente a Universidades mais distantes e menos prestigiosas de tal forma que, ao invés de se mandar mestrandos vinculados a essas Universidades e deslocá-los em sua Universidade de origem, manda-se a estrutura do curso para essas outras instituições. São parcerias interuniversitárias que permitem que, ao longo de determinado período de transição, uma boa formação numa Universidade mais consolidada possa ser passada como prática a uma Universidade mais nova.

UnB Agência - Com a mudança de direção na Capes, como fica a situação do portal de periódicos da instituição?

Bursztyn - A Capes tem um portal de periódicos que é de extrema importância para a produção de pesquisa no Brasil. São centenas de revistas internacionais de altíssimo nível, assinadas eletronicamente e estão disponíveis à comunidade brasileira de pós-graduação. Isso evidentemente tem um custo bastante elevado e esse custo é vinculado ao preço do dólar. Como houve aumento de preço da moeda americana do ano passado para este ano e o orçamento da Capes não aumentou, significa que o peso relativo desse item no contexto geral da Capes aumenta. Há uma certa apreensão por parte da comunidade quanto ao risco de que esse portal não venha a ser renovado. Mas esse risco não existe. É determinação do próprio ministro Cristovam Buarque que o portal não só seja renovado como também que se busque formas de ampliá-lo porque ainda existem campos do conhecimento que não são suficientemente beneficiados por esse portal. O que vamos buscar é uma forma de renegociar com os provedores desses meios eletrônicos uma redução, na medida que compramos por atacado essas revistas. Vamos estudar uma forma, junto com a enorme comunidade de usuários de encontrar mecanismos para reduzir os custos de forma a aumentar o acesso a esse serviço gratuito para instituições que tenham programas de pós-graduação bem avaliados pela Capes.
(25/08)


A desvalorização das bolsas de estudo e o impacto sobre os pós-graduandos, texto de Aristônio Magalhães Teles

Já são quase 9 anos sem reajustes, onde assistimos estupefatos a intensa desvalorização dos valores das bolsas, indigna-se Aristônio Magalhães Teles, coordenador regional Centro-Oeste/ANPG.

É impressionante a falta de sensibilidade dos órgãos competentes, quanto à situação pela qual vem passando os alunos de iniciação científica, pesquisadores e sobretudo estudantes de pós-graduação, que dependem de bolsas de estudos.

Já são quase 9 anos sem reajustes, onde assistimos estupefatos a intensa desvalorização dos valores das bolsas, e o sucateamento pelo qual vem passando as Universidades e instituições de pesquisas brasileiras.

Vale ressaltar, que grande parte das pesquisas ditas 'básicas', são produzidas por estudantes de pós-graduação (mestrandos e doutorandos), que com grande custo conseguem terminar as suas dissertações e teses. A desvalorização do valor das bolsas, é a desvalorização dos pós-graduandos, e da própria pesquisa brasileira.

Os 9 anos sem reajuste nos valores das bolsas, acarretou uma desvalorização de no mínimo 13%. Para se ter uma idéia, as bolsas de mestrado da Capes e do CNPq eqüivalem hoje a pouquíssimo mais que 3 salários mínimos.

Não pode-se deixar de levar em conta, que esses bolsistas (com exceção dos de iniciação científica) são profissionais, que passaram no mínimo 4 anos em uma Universidade, e que merecem no mínimo serem tratados com dignidade.

Um outro ponto, que agrava ainda mais a questão dos valores atuais das bolsas, é o fato de as mesmas serem de dedicação exclusiva. Portanto, o pós-graduando tem que sobreviver com a bolsa, ou seja, pagar aluguel, luz, água, telefone, alimentação, vestuário, livros, fotocópias, participações em eventos científicos... isso se ele for solteiro, pois pós-graduando não se pode dar o 'luxo' de constituir família, haja visto que financeiramente é impraticável.

O CNPq recentemente revalidou as taxas de bancada para os cursos de doutorado, fato extremamente louvável, no entanto, será que não seria válido, ampliar (é claro que com os necessário ajustes), esse benefício, também para os alunos dos cursos de mestrado?

Acompanhamos atentamente no início do ano, à iniciativa do órgão supra citado, de ampliação do número de bolsas para as diversas categorias, inclusive com a criação de novas modalidades, mas esse número ainda é muito baixo.

Além do CNPq, a Capes também precisa se manifestar a respeito. Esperamos que o novo presidente da Capes, o prof. Marcel Bursztyn, avalie essas questões com maior apreço.

É com essas e outras questões em pauta, que caminhamos para o XXIX Conselho Nacional de Associações de Pós-Graduandos (Conap), que será realizado entre os dias 12 e 14 de setembro do corrente ano, na cidade de Piracicaba-SP.

É de suma importância a participação do maior número possível de Associações de Pós-Graduandos (APGs), para que possamos estar discutindo essas e outras questões de forma organizada e coerente, em busca de soluções para esses problemas que tanto tem aturdido os pós-graduandos brasileiros.

Mais informações podem ser obtidas no site http://www.anpg.org.br ou pelo e-mail anpgbr@hotmail.com


 


 

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