SBPC DENUNCIA RETROCESSO NA ÁREA CIENTÍFICA
07/09/2003

Contingenciamento de recursos é o maior alvo das críticas, que encontram eco em outras entidades do setor

A mais importante entidade científica do país, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), criticou duramente a política de ciência e tecnologia do atual governo. Segundo o presidente da entidade, o físico Ennio Candotti, o Ministério de Ciência e Tecnologia está dando continuidade ao retrocesso que já vinha sendo imposto à área e promovendo o desmonte de diversos programas.

— É legítimo que o ministério queira dar novas diretrizes às políticas, mas deveria fazer isso sem prejuízo do que vem sendo construído há anos. Nesse sentido, está havendo um desmonte de programas amadurecidos e pensados durante muito tempo — afirmou Candotti.

Nas palavras do presidente da SBPC, o ministro de Ciência e Tecnologia, Roberto Amaral, “confunde continuidade com continuísmo”. Candotti disse ainda que a expectativa era de que o novo governo desse mais prioridade à área.

— No governo anterior estávamos em retrocesso (com recursos reduzidos, bloqueados e com a falta de repasse) e o que estamos vendo é que o retrocesso continua.

Contingenciamento de fundos é criticado

Candotti citou como exemplo do desmonte de programas a área de informática, que tinha uma secretaria própria na gestão passada, mas que, no atual governo, acabou fundida à área de inovação. Ele citou também o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), criado para capacitar os centros de pesquisa dos estados, que recebeu “a dotação simbólica de R$ 15 milhões”.

A gestão dos fundos setoriais é outro grande alvo de crítica. Criados na gestão passada, de Ronaldo Sardenberg, os 14 fundos recebem recursos das indústrias de petróleo, energia e mineração, entre outras, para fomentar a pesquisa em suas áreas de atuação. Foram criados com o objetivo de contornar a crônica falta de recursos orçamentários da pasta e fomentar a inovação tecnológica nas empresas. Desde o governo passado, entretanto, parte das verbas dos fundos vem sendo contingenciada. No atual governo, a prática ganhou o nome de reserva de contingência.

— Este ano, a arrecadação dos fundos foi de R$ 1,3 bilhão, mas, desse total, apenas R$ 600 milhões foram orçados — afirmou José Monserrat Filho, editor do “Jornal da Ciência” da SBPC. — Se o ministro tivesse brigado por esses recursos, acho que teria se legitimado junto à comunidade.

As críticas encontraram eco em outras entidades ligadas à área. Na análise do físico Roberto Nicolsky, diretor-geral da Sociedade Brasileira Pró-Inovação Tecnológica (Protec), as empresas estão, na verdade, pagando um novo tributo.

— Esses recursos são retirados das empresas a título de investimento em tecnologia, mas as empresas não podem investir porque o dinheiro desapareceu, está financiando o superávit primário — afirmou. — Estão aumentando a carga tributária das empresas.

Em entrevista por e-mail, o ministro rechaçou as críticas: “As indústrias não estão pagando mais uma taxa nem mais um imposto.” Amaral lembrou ainda que está “ trabalhando para obtenção de recursos adicionais que se encontram na reserva de contingenciamento.” O orçamento para este ano é de R$ 3,3 bilhões, incluindo pessoal, dívidas e reserva de contingência.

Outro alvo de críticas é a descentralização do Programa de Apoio a Núcleos de Excelência (Pronex), que deixou de ser financiado apenas pelo governo federal e passou a ser uma parceria com as fundações de amparo à pesquisa dos estados. Os recursos do programa são destinados a melhorias na infra-estrutura de centros de excelência na área.

— Até concordo com a crítica segundo a qual o Pronex estava muito centralizado — afirmou Ingrid Sarti, especialista em ciência política da UFRJ e representante da SBPC no Congresso Nacional. — Mas passar a coordenação para as fundações não resolve o problema. Nem todas estão estruturadas: muitas funcionam mal, outras nem funcionam.

Reforma tributária pode reduzir ainda mais recursos

Há ainda o temor de que a atual reforma tributária abra uma brecha para desobrigar os estados a repassarem um percentual de sua arrecadação para o fomento à ciência e à tecnologia, como apontou Monserrat.

— Se isso for aprovado será um tremendo retrocesso e lamento profundamente — afirmou Linaldo Cavalcanti de Albuquerque, presidente da Associação das Instituições de Pesquisa Tecnológica.

O deputado petista Jorge Bittar, membro da Comissão de Ciência e Tecnologia da Câmara, disse que a política do governo de descentralizar recursos está desagradando a grupos que sempre foram beneficiados pelo ministério:

— Não podemos ter um sistema que trabalhe sempre com o mesmo grupo restrito de cientistas, que sempre foi beneficiado pelos recursos do ministério. O Brasil forma seis mil doutores por ano; não vamos virar as costas para os que já estão aí, mas não podemos fechar as portas para os que estão ingressando.



 


 

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