Publicação do Instituto Oswaldo Cruz/Fiocruz - 05/06/2006

 

A necessidade imprescindível da experimentação animal, uma unanimidade entre os pesquisadores

Na origem da criação do Instituto Oswaldo Cruz (IOC), o uso de animais foi uma condição fundamental. Há 106 anos, o então Instituto Soroterápico foi fundado com a missão de produzir vacinas para combater a epidemia de peste bubônica que devastava o país. À época, a tecnologia disponível para a produção de soro anti-peste, trazida da Europa, era baseada na obtenção de soro a partir do sangue de cavalos inoculados. Toda a produção de soros e vacinas até a década de 70 dependeu diretamente do uso de animais. Devemos a isso a eliminação da varíola do Brasil.

Hoje, o IOC conta com 69 laboratórios de pesquisa dedicados ao estudo das principais doenças que constituem problemas de saúde pública no país. Entre os mais de 300 pesquisadores do IOC, é consenso que o uso de animais em pesquisas científicas é imprescindível: o projeto de lei que propôs a proibição da experimentação animal poderia paralisar 126 projetos de pesquisas.

Existem diferentes modalidades de experimentação animal. As principais são as pesquisas científicas, os testes de controle de qualidade e ensaios toxicológicos de vacinas, medicamentos e hemoderivados e o estudo de animais em campo.

“As pessoas não dimensionam o impacto que uma legislação como esta teria”, avalia o pesquisador Renato Cordeiro , chefe do Departamento de Fisiologia e Farmacodinâmica do IOC. Cordeiro era vice-presidente de pesquisa quando a Comissão de Ética em Uso de Animais (CEUA) da Fiocruz foi criada, em 1999. “O cientista tem a ética e a transparência como princípios básicos. Algumas cláusulas pétreas norteiam o uso de animais. O projeto de pesquisa está condicionado à relevância científica e à adequação do método de estudo. Deve-se recorrer sempre que possível a métodos alternativos e utilizar o menor número possível de animais necessário para a obtenção de resultados válidos. A dor e o sofrimento desnecessários são inaceitáveis. Além disso, o pesquisador deve ser treinado para realizar experimentação em animais e é responsável pelo seu bom uso.”

Sobre o projeto de lei, o pesquisador destaca o desconhecimento sobre o assunto. “O esclarecimento cabe à comunidade científica, e estamos fazendo isso. É preciso informar aos legisladores e à sociedade que sempre que possível recorre-se a métodos alternativos de biologia molecular. Os periódicos de destaque só publicam artigos científicos que tenham comprovado o licenciamento ético do projeto”, resume. “A perplexidade maior em relação ao projeto de lei é que a comunidade científica não foi consultada. Justamente no Rio de Janeiro, que é um verdadeiro celeiro de instituições de pesquisa.”

“E quanto ao desafio de aproveitar os benefícios que a biodiversidade do país pode guardar para a saúde do Brasil?”, o pesquisador provoca, ressaltando que é consenso entre os cientistas a inadequação do uso de animais para fins didáticos, em aulas práticas. “Para estes fins podem ser utilizados recursos multimídia de forma plenamente satisfatória”, avalia.

Segundo o coordenador da Comissão de Ética em Uso de Animais (CEUA) da Fiocruz, Hugo Caire Castro Faria Neto, a principal preocupação é evitar o sofrimento dos animais. Sobre o uso de métodos alternativos, ressalta algumas limitações fundamentais. “O uso de cultura de células é possível em alguns casos, mas no organismo existem milhares de interações e variáveis que é impossível reproduzir em um tubo de ensaio”, afirma. Quanto à aplicabilidade dos resultados de pesquisas com animais a humanos, o pesquisador é definitivo: “A genética provou que o DNA humano é 90% igual ao DNA do camundongo. Existem diferenças, é óbvio ao primeiro olhar, mas os resultados são válidos.”

O coordenador do Centro de Experimentação Animal do IOC, Carlos Alberto Muller, ressalta que nem sempre o uso de métodos alternativos é possível. “Os modelos experimentais são diferentes porque procuram reproduzir da melhor forma a realidade do que acontece no corpo humano. Para estudar aspectos variados de uma mesma doença, por exemplo, pode ser necessário usar modelos experimentais diferentes. A verdade é que, hoje, é impossível fazer pesquisa biomédica sem experimentação animal. A instrumentação animal é necessária até para a preservação das espécies. Os métodos in vitro , como as culturas de células, são largamente utilizados, mas não são capazes de reproduzir as interações que só se pode investigar na totalidade de um organismo.”

Wilson Savino, chefe do Laboratório de Pesquisas sobre o Timo do IOC, afirma que o mundo da experimentação animal vem sendo fundamental para a evolução da qualidade de vida da humanidade. “Devemos olhar a vida – qualquer forma de vida – com o máximo respeito e a máxima ética. No entanto, as experimentações feitas em animais permitem que nós possamos avançar muito no conhecimento sobre qualquer função, disfunção ou abordagem terapêutica na espécie humana”, o pesquisador resume.

“Fundamentalmente nós temos que prezar, preservar e cultivar a ética da pesquisa, seja ela humana ou animal. Não podemos abandonar a pesquisa sob pena de estagnar o avanço da ciência, o que definitivamente não será bom para nenhuma espécie”, completa. “Vale dizer que nenhum animal de experimentação desapareceu da face do planeta, ao passo que inúmeras outras espécies que foram alvo predatório já desapareceram ou estão desaparecendo por conta da mesma humanidade.”

 

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