Publicação do Instituto Oswaldo Cruz/Fiocruz - 05/06/2006

 

Regulamentação e controle são palavras-chave no uso de animais, diz coordenador do Comitê de Ética em Uso de Animais da Fiocruz

A Comissão de Ética em Uso de Animais (CEUA) é o órgão responsável pela aprovação e licenciamento de projetos de pesquisa envolvendo o uso de animais na Fiocruz. Coordenador da CEUA e pesquisador do Laboratório de Imunofarmacologia do Instituto Oswaldo Cruz (IOC), Hugo Caire Castro Faria Neto comenta em entrevista as dificuldades da lacuna de legislação específica sobre o tema, como funciona o licenciamento de projetos e as conseqüências da recente polêmica envolvendo experimentação animal.

Quais as conseqüências da ausência de legislação específica no país para o uso de animais em experimentação?

A ausência de uma regulamentação específica para o assunto, e que tenha sido discutida amplamente com os segmentos pertinentes da sociedade, é um grande atraso para a pesquisa no país e dá margem a uma série de problemas, como o recente projeto de lei proposto na Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro.

Existem leis específicas em outros países?

Principalmente na Europa, a questão da ética em experimentação animal é muito debatida. Vários países têm leis específicas, em alguns deles são normas mais rígidas, em outros são mais flexíveis.

Na ausência de legislação específica sobre o uso de experimentação animal, vige a lei de crimes ambientais (Lei 9.605, de 1998)?

Na verdade essa lei não trata especificamente do assunto da experimentação animal, ela é voltada para a questão ambiental.

Apenas um parágrafo do decreto que regulamenta a lei dispõe sobre o tema, nos seguintes termos: “Incorre nas mesmas multas, quem realiza experiência dolorosa ou cruel em animal vivo, ainda que para fins didáticos ou científicos, quando existirem recursos alternativos.” Esta delimitação seria suficiente?

Esta definição não é específica, pode dar margem a inúmeras interpretações. O que falta é uma lei específica que regulamente e descreva os procedimentos, a questão de criação de comitê de ética, da regulação, do controle.

A criação de comitês de ética é obrigatória?

Não existe uma lei que obrigue a criação dos comitês de ética, mas existe um consenso geral de todas as instituições que esta instância é fundamental. Além disso, é uma recomendação do Colégio Brasileiro de Experimentação Animal (COBEA). Por isso ele existe na Fiocruz e em diversas outras instituições de pesquisa.

Como não existem leis específicas, a saída seria a construção de regulamentos próprios, a exemplo da iniciativa do Comitê de Ética em Uso de Animais da Fiocruz?

É isso o que acontece hoje no Brasil. Os diversos comitês de ética que existem funcionam com base nos mesmos princípios gerais da ética, mas cada um funciona de uma forma muito distinta – o que é um reflexo de não existir uma lei única, que dite quais os parâmetros ou a forma de funcionamento adequada. Por isso existe uma diversidade entre os processos de funcionamento, obviamente obedecendo aos mesmos princípios éticos básicos: minimizar o sofrimento, reduzir o número de animais, usar métodos alternativos sempre que possível.

Seria a obediência aos chamados 3Rs da literatura internacional: redução, refinamento e substituição (reduction, refinement e replacement, na sigla em inglês)?

Sim. Mas esta é uma diretriz muito macro, que dá uma idéia da direção a seguir, mas que não especifica detalhes. Por isso a legislação específica é importante.

Quantos projetos de pesquisa com uso de experimentação animal são desenvolvidos hoje na Fiocruz?

São 296 projetos. As licenças são válidas por quatro anos.

Como é o procedimento para aprovação de um projeto de pesquisa pela CEUA?

Antes de iniciar uma pesquisa que envolva o uso de animais, o pesquisador deve submeter o projeto à aprovação da CEUA. A Comissão é formada por 16 pessoas, incluindo um médico veterinário e um representante da sociedade civil. 75% dos membros são do quadro da Fiocruz e 25% são externos. Os projetos são analisados um a um por especialistas da área, que preparam um parecer. Vota-se, então, por maioria simples, pela aprovação ou não do projeto. Quando o tema é muito específico ou quando existe discordância entre os membros do Comitê, acionamos um consultor ad hoc para fazer uma nova análise.

Um projeto só é aprovado pela CEUA se não houver métodos alternativos?

Ou se houver uma justificativa no caso do método alternativo não se aplicar naquela questão, ou se algum fator colocar em dúvida a validade do método alternativo numa determinada situação.

Colocar sob os holofotes o uso de animais em pesquisas científicas obscurece uma série de questões que envolvem a crueldade com animais, como o comércio de peles e a biopirataria. Quem perde com isso?

A grande perda é para a própria sociedade. Estão sendo criados obstáculos, empecilhos e confusão na esfera que, na verdade, está trabalhando para o benefício geral da sociedade. Quando a pesquisa fica sob os holofotes, está sendo criado um problema grave, que vai refletir obviamente na nossa capacidade de acompanhar o desenvolvimento tecnológico no mundo. E nós vamos pagar as conseqüências com o atraso. O que precisa haver é regulamentação, ética e controle.

Por Raquel Aguiar

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