15 / 06/ 2005
Os perigos dos medicamentos étnicos
Enquanto a globalização encurta distâncias entre países, contribuindo inclusive para aumentar a miscigenação dos povos, a Agência Americana de Controle da Venda de Remédios e Alimentos (FDA) estuda aprovar o primeiro medicamento étnico, exclusivo para afro-descendentes.
A informação é do chefe da Divisão de Farmacologia do INCA, Guilherme Kurtz, um dos especialistas preocupados com o problema que ameaça abrir precedentes na Farmacogenética. Kurtz falou no primeiro Centro de Estudos do IOC, de junho, sobre "Farmacogenômica em populações miscigenadas".
O alcance da miscigenação. Dependendo de até onde se estenda o conceito de miscigenação, segundo Kurtz, todos os povos são miscigenados, inclusive os europeus. Por isso, enfatizou, o conceito de raça tem que ser excluído da Farmacogenética, não usado para discriminar etnias.
No Brasil, a auto-definição das raças gera inúmeras classificações e algumas confusões. Mesmo os que se classificam como brancos, ressaltou, têm contribuições genéticas de ameríndios, europeus e africanos.
Assim como os brancos brasileiros não são uma raça geneticamente pura, não existe um bloco homogêneo de afro-descendentes, e nem as diferenças genéticas entre os indivíduos de origem negra são consideradas nos estudos clínicos para se chegar ao medicamento étnico, afiançou.
Lucro e dominação. Os benefícios que levam ao desenvolvimento de um medicamento deste tipo, segundo Kurtz, servem aos altos lucros auferidos pela indústria farmacêutica. Indústria que trabalha com blocos de populações de modo a não fracionar o mercado com tratamento mais individual.
Se aprovada a decisão da FDA, iremos ver o maior revés no curso da Farmacogenética, disse ele, para quem até recentemente a Farmacogenética vinha caminhando para a individualização: "agora corre o risco de caminhar para a racificação", alertou.
Mais que uma questão científica, o medicamento étnico é uma nova demonstração da preponderância dos desenvolvidos: "Eles transferem os medicamentos que não deram certo com suas populações para os países em desenvolvimento. E garantem o retorno dos investimentos", arguiu.
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