Vírus da gripe aviária avança na Europa
IOC participa da Rede de Vigilância do Ministério da Saúde

O alerta sobre uma possível pandemia mobiliza cientistas e autoridades do mundo todo no combate à gripe aviária. Segundo dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), até os primeiros dias de 2006 haviam sido confirmados 146 casos de pessoas infectadas no sudeste da Ásia e Turquia. Em fevereiro, casos da doença surgiram em mais um país: o Iraque. Nos últimos três anos, 85 mortes foram registradas. Até agora, Áustria, Itália, Romênia, Grécia, Eslovênia, Bulgária, Polônia, Dinamarca, Hungria, Alemanha, Croácia e Chipre já registraram a presença do vírus entre aves migratórias. O Instituto Oswaldo Cruz (IOC) participa da rede de vigilância montada pelo Ministério da Saúde para prevenir a entrada do vírus no Brasil através do Laboratório de Vírus Respiratório e Sarampo, que trabalha para identificar e traçar o perfil evolutivo do vírus.

Não é a primeira vez que um vírus do tipo influenza , causador das gripes de forma geral, é motivo de preocupação. No século 20, ocorreram grandes epidemias nos anos de 1918, 57 e 68. A primeira e mais devastadora, que ficou conhecida como Gripe Espanhola, matou cerca de 40 milhões de pessoas. Os vírus influenza são de 3 tipos: A, B e C. O H5N1, vírus causador da gripe aviária em humanos, é uma variação do tipo A.


Tela de René Magritte (1898/1967)

“As epidemias de gripe são eventos que se repetem historicamente, já que isso faz parte do processo evolutivo do vírus”, explica Fernando Motta, pesquisador integrante da equipe do Laboratório de Vírus Respiratório e Sarampo do IOC, liderada por Marilda Siqueira. “Este processo envolve mutações devido à baixa fidelidade de replicação do vírus influenza e o aporte de informação genética de outros subtipos. Este último evento, mais raro que o primeiro, ocorre com o tipo A do influenza e possibilitaria o estabelecimento de amostras aviárias em humanos”, elucida.

A possível pandemia seria causada pelo tipo A do vírus influenza, cujos subtipos são determinados pela composição de glicoproteínas virais hemaglutininas (H) e neuraminidases (N) – o que explica a nomenclatura H5N1 dada ao vírus causador da gripe aviária. “Já foram descritos 16 tipos de hemaglutininas e nove de neuraminidases, agrupados em diferentes arranjos, gerando distintos subtipos. Isso somado ao fato de que a transmissão é feita pelo ar, acaba causando um temor muito grande”, Motta esclarece. Entre as aves, a transmissão ocorre tanto através do ar – a exemplo de uma gripe comum –, como através da ingestão de fezes frescas ou particuladas, principalmente na forma de aerossol. “Nas aves, o vírus se replica normalmente no trato gastrintestinal”, o pesquisador alerta. No homem e nos mamíferos em geral, o vírus se replica no trato respiratório superior e, nos casos graves, no trato respiratório inferior.

Os primeiros sintomas nos pacientes infectados são parecidos com os de uma gripe comum: febre acompanhada de dores na cabeça e no corpo, que depois evoluem para dificuldade de respiração e outras complicações mais severas. Assim que entra no corpo humano, o H5N1 se aloja no pulmão e rapidamente afeta os rins e fígado, podendo levar a óbito por pneumonia viral, hepatite ou falência múltipla dos órgãos.

“Para que o paciente seja considerado um caso suspeito ele tem que, além de apresentar a sintomatologia clínica, ser oriundo de um local onde existe a transmissão ou ter tido contato direto com aves”, o pesquisador resume. O principal temor é que a evolução do vírus abra caminho para que ele passe a ser transmitido entre humanos.

Drogas antivirais que diminuem as chances da doença se espalhar no organismo tornaram-se uma opção de tratamento. “Os estudos sobre estas drogas ainda são muito incipientes. Seus fabricantes afirmam que a duração dos sintomas diminuem em torno de 20 a 36 horas. É uma opção com custo muito alto e ainda produzida em escala reduzida”, Motta pondera, ressaltando que uma vacina seria o método mais eficaz contra a doença. “Porém, os estudos para uma vacina são sempre direcionados para uma amostra estabelecida. Como no caso do influenza diferentes variantes podem surgir do mesmo subtipo, o desafio está em identificar uma cepa capaz de gerar imunidade ao vírus pandêmico. Mas qual seria esta variante?”, dispara.

O sacrifício em massa de aves foi uma das primeiras medidas adotadas para impedir uma pandemia. Hoje, estudos para o desenvolvimento de uma vacina e o monitoramento dos padrões de imigração das aves silvestres, vetores naturais do vírus, pretendem ajudar a impedir que a doença se espalhe.

No Brasil, a preocupação é redobrada. No país, maior exportador de frango do mundo, a chegada do vírus poderia causar um desastre também econômico. Entre as mais importantes medidas preventivas que serão implementadas está o aumento da rigidez na vigilância em aeroportos e alfândegas. “Isso faz todo sentido pelo fato de estarmos localizados em um continente que está fora da rota das principias aves, que obedece a orientação norte-sul. Conseqüentemente, a maior probabilidade é de que o vírus seja trazido por pessoas infectadas oriundas das áreas com maior contaminação”, conclui o especialista.

O fato da produção brasileira de aves ter aumentado muito nos últimos anos também conta a favor. “A maior parte da produção brasileira é industrializada, utiliza alta tecnologia e, por isso, tem rígidas condições de higiene e controle”, finaliza, chamando atenção para o fato de que foram suprimidos neste tipo de atividade os lagos a céu aberto para convívio dos animais, já que nestes ambientes existe a possibilidade de contato com aves migratórias que podem estar infectadas. Além disso, o pesquisador destaca que a maioria dos casos registrados em humanos até o momento ocorreram em pequenas criações, onde os produtores têm contato direto com as fezes de aves contaminadas.

Por Renata Fontoura
16/02/06

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