Estudo iniciado em 1969 traça panorama da listeriose no Brasil
Durante três décadas, um estudo do Instituto Oswaldo Cruz (IOC) analisou a ocorrência de Listeria monocytogenes , bactéria causadora da listeriose, em várias fontes de infecção e vias de transmissão provenientes de diversas regiões do país. O resultado revela um panorama da doença bacteriana de origem alimentar que por muito tempo permaneceu pouco estudada. A listeriose tem início com um quadro febril comum a diversas viroses e bacterioses. Nos casos mais graves, a listeriose pode causar meningite e provocar aborto espontâneo nos primeiros meses da gravidez.
A listeriose tornou-se uma preocupação no Brasil e no mundo a partir da década de 80, quando ocorreram surtos sobretudo na América do Norte. “O levantamento que realizamos é importante porque só a partir dos surtos ocorridos há 30 anos na América do Norte a saúde pública passou a dedicar uma atenção especial sobre a prevalência da bactéria nos vários veículos de transmissão, em particular os alimentos”, explica o pesquisador Ernesto Hofer, do Laboratório de Zoonoses Bacterianas do IOC, que coordenou o estudo. A eclosão destes surtos, que chamaram atenção para a necessidade de estudo da doença, está relacionada a mudanças de hábitos alimentares, como a maior ingestão de alimentos industrializados.
As análises observaram a distribuição geográfica de espécies e sorotipos de Listeria , isoladas a partir de diferentes espécimes, sobretudo sangue, fezes, secreção vaginal e líquido cefalorraquidiano. O resultado são números inéditos sobre a realidade da presença da bactéria no país. O trabalho confirmou a presença dos mesmos tipos sorológicos (sorovares) já identificados em outras partes do mundo e a predominância do quadro de meningite nas formas mais graves.
Laboratório de Zoonoses Bacterianas/IOC |
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Imagem microscópica da bactéria Listeria monocytogenes |
Foram analisadas 266 amostras de material clínico humano, coletadas entre 1969 e 2000 em Pernambuco, Bahia, Goiás, Distrito Federal, Minas Gerais, São Paulo, Rio de Janeiro, Paraná e Rio Grande do Sul. Estas amostras tinham diagnóstico presuntivo para a presença de Listeria , gênero ao qual pertence a espécie Listeria monocytogenes , agente da listeriose humana e animal. Nas 255 amostras analisadas como pertencentes ao gênero Listeria , 245 foram identificadas como L. monocytogenes, predominando os isolamentos em indivíduos com meningite purulenta e, em segundo plano, pacientes com bacteriemias ou septicemia (presença na corrente circulatória). O estudo foi publicado em artigo na Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical, na edição de janeiro/fevereiro de 2006.
Presente em todos os animais e também encontrada no solo ou na vegetação, a Listeria pode contaminar saladas, pratos prontos para consumo e até alimentos refrigerados, pois suporta bem as temperaturas baixas, como aquelas dos refrigeradores caseiros. A bactéria atinge principalmente pessoas com o sistema imunológico comprometido ou ainda em desenvolvimento, como recém-nascidos, idosos, pessoas com câncer, diabetes ou doenças crônico-degenerativas, portadores do vírus da AIDS e principalmente gestantes.
No início da infecção, a listeriose pode se assemelhar a qualquer estado febril, comum nas viroses e bacterioses. Quando atinge o sistema nervoso central, podem ocorrer dores de cabeça, confusão mental, perda do equilíbrio e convulsões. Na sua forma mais grave pode causar meningite purulenta, falência múltipla de órgãos e abortos durante os primeiros seis meses de gravidez.
Dentro do grupo de risco, as gestantes são o principal motivo de preocupação. A listeriose pode ser transmitida ao feto através da placenta, mesmo que a mãe não apresente sintomas. A listeriose pode levar a parto prematuro, aborto espontâneo, nascimento de natimorto ou conduzir a graves problemas para os recém-nascidos (septicemia e meninginte). De acordo com o Centro para Controle de Doenças norte-americano, as mulheres grávidas são cerca de 20 vezes mais suscetíveis a contrair a doença do que os adultos saudáveis.
Cozinhar bem os alimentos, lavar os vegetais e separar carnes cruas dos alimentos já cozidos durante o preparo são algumas das medidas que devem ser adotadas para prevenir a doença. “Gestantes e pessoas com o sistema imunológico comprometido devem evitar o consumo de alguns alimentos, como queijos de textura mole e charcutarias ”, Ernesto alerta. O pesquisador destaca, ainda, que nos países desenvolvidos a listeriose é uma doença com maior ocorrência entre as populações sócio-econômicas mais privilegiadas, em decorrência do maior consumo desses alimentos. “Talvez isto também ocorra em nosso meio”, finaliza.
Os grandes surtos que eclodiram no mundo entre 1980 e 1990
Vários surtos de larga escala foram constatados neste período, todos em conseqüência da transmissão por alimentos. Em 1981, no Canadá um surto foi atribuído ao consumo de uma salada industrializada de repolho cru. Em 1983, houve um surto provocado pela ingestão de leite em Boston, nos Estados Unidos. Dois anos mais tarde, um grande surto ocorreu na Califórnia, tendo como origem o consumo de queijo mexicano. Também causados por queijos contaminados, casos foram registrados na Suíça entre 1983 e 1987. Na Inglaterra, um surto foi registrado entre 1989 e 1990, causado por patê contaminado. Os surtos diminuíram graças às precauções sanitárias e higiênicas instituídas nas indústrias alimentícias com o objetivo de prevenir a contaminação nos processos de produção e armazenamento. “Paralelamente, um intenso sistema de educação sanitária vem sendo ofertado à população”, Hofer comemora. No Brasil, não existem registros de surtos desta natureza.
Por Renata Fontoura
20/03/2006
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