Alerta sobre o uso indiscriminado de antibióticos é consenso em simpósio

Mudar o olhar em relação ao uso indiscriminado de antibióticos e ampliar o olhar em relação ao quadro clínico a ser apresentado pela classe médica – esta foi uma das conclusões centrais dos debates realizados nesta quarta-feira (25/10) pela manhã, durante o segundo dia do III Simpósio de Resistência aos Antimicrobianos e do I Simpósio de Resistência a Drogas Quimioterápicas, organizado pelo Instituto Oswaldo Cruz (IOC). O evento reúne especialistas nacionais e estrangeiros no Hotel Glória (Rio de Janeiro), de 24 a 27 de outubro.

A perda de sensibilidade a antibióticos em enterobactérias foi o tema da pesquisadora da UNIFESP Ana Cristina Gales, que apresentou a palestra Mecanismos de resistência a beta-lactâmicos em enterobactérias . As enterobactérias habitam principalmente os intestinos do homem e dos animais, seja como membros da flora normal ou como agentes de infecção. Cristina procurou mostrar os estudos acerca dos mecanismos de mobilização e a disseminação de genes de resistência no caso estudado. Segundo a pesquisadora, a diminuição de sensibilidade a alguns antimicrobianos beta-lactâmicos é um forte indício da produção das Betalactamases de espectro ampliado (ESBL) – enzimas mediadas por plasmídios que conferem resistência às cefalsporinas de amplo espectro e monobactans (aztreonam) – mesmo que o patógeno ainda seja categorizado como sensível a esses antimicrobianos pelos testes tradicionais.

Elizabeth Marques, pesquisadora do Laboratório de Bacteriologia do Hospital Universitário Pedro Ernesto, da UERJ, fez coro com a necessidade de desenvolver novos estudos sobre o tema. Ela citou o conceito de Biofilme , caracterizado como um conjunto de bactérias aderidas em superfícies e cobertas com uma substância extracelular polimérica tipo slime. A pesquisadora destacou que células em biofilme são muito mais resistentes às defesas do hospedeiro, bem como à ação dos antibióticos. Elizabeth questionou ainda quais seriam as melhores ferramentas para determinar a eficácia antimicrobiana contra bactérias como a Pseudomonas aeruginosa .

Hanseníase em questão

O terceiro palestrante da manhã foi Philip Suffys , do Laboratório de Biologia Molecular Aplicada em Micobactérias do IOC. Philip discutiu o tema Aspectos moleculares na resistência em hanseníase – segundo ele uma das mais importantes doenças causadas por micobactérias, juntamente com a tuberculose. Além de fornecer características sobre o agente etiológico, o pesquisador lembrou que o Brasil é o segundo país do mundo em número de casos, atrás apenas da Índia. A Hanseníase é uma doença crônica, associada à bactéria Mycobacterium leprae , que ataca células da pele e dos nervos periféricos, passando à sobrevivência intra-celular. O Laboratório de Hanseníase do Departamento de Micobacterioses do IOC atua como centro de referência nacional para os programas de eliminação e controle da Hanseníase e da Tuberculose. Para Philip, a resistência a antibióticos tem relação com a grande variabilidade genética da bactéria.

O pesquisador mapeou a hanseníase no país, lembrando que a doença ocorre principalmente em lugares de baixo poder aquisitivo. Philip ressaltou que o mapeamento da bactéria é importante, pois os microrganismos associados à Hanseníase variam muito em cada país e mesmo nos diferentes Estados brasileiros. “Até agora se sabe relativamente pouco sobre a transmissão da doença”, afirma. Ele destacou que existem projetos em andamento no país sobre a multiresistência a drogas.

Dália Rodrigues, coordenadora do Departamento de Bacteriologia do Instituto Oswaldo Cruz, fechou o segundo dia do Simpósio com uma palestra sobre enteropatógenos bacterianos. Ela explicou o funcionamento de redes como a de laboratórios centrais de saúde pública (LACEN), ligados à Coordenação Geral de Laboratórios (CGLAB) e o Departamento de Vigilância Epidemiológica (DEVEP), todos vinculados à Secretaria de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde. Esta rede integra diferentes programas, entre os quais o monitoramento da resistência de enteropatógenos circulantes no Brasil. A pesquisadora esclareceu também o papel dos laboratórios de referência nacional em funcionamento no Instituto, cujos objetivos principais são atuar no diagnóstico e rastreamento epidemiológico dos microrganismos de interesse para a a saúde pública, apontando o aumento da incidência e da multiresistência a drogas de última geração em enteropatógenos e suas conseqüências em nosso meio.

Pesquisador relata experiências do Canadá

Traçando um panorama sobre a resistência antimicrobiana em seu país, Michael Mulvey, da Agência de Saúde Pública do Canadá, foi o último a falar na primeira mesa de debates desta quarta-feira. Mulvey abordou de quê formas seu país realizou o controle de infecções bacterianas e apontou dificuldades relacionadas ao tema. Uma das experiências demonstradas por Mulvey foi realizada pelo programa de vigilância em infecção hospitalar canadense, o CNISP (do inglês Canadian Nosocomial Infection Surveillance Program ), que reuniu 41 hospitais de 9 províncias.

O programa realizou estudos nos anos de 2004 e 2005 no Canadá sobre a incidência de Clostridium difficile-associated diarrhea (CDAD), uma infecção hospitalar que segundo os pesquisadores do CNISP alcançou 14% de óbitos dos pacientes infectados – um total de 271 pacientes entre os 1.874 pesquisados. O estudo identificou as características fenotípicas e genotípicas dos pacientes e o número de óbitos associados diretamente ou indiretamente à CDAD.

Mulvey, que também abriu os trabalhos da tarde com a palestra ESBL detection and current situation in Canada , abordou os novos mecanismos de resistência antimicrobiana e as principais características dos surtos epidêmicos relacionados à Betalactamases de espectro ampliado (ESBL). Ele citou como um caso de sucesso o programa Canadian Integrated Program for Antimicrobial Resistance Surveillance (CIPARS), ou Programa Canadense Integrado para a Vigilância em Resistência Antimicrobiana.

É comum, segundo Mulvey, a transmissão se dar por meio de comunidades aborígenes (atualmente vivem no Canadá cerca de 790 mil aborígenes), de prisioneiros, usuários de drogas, pessoas sem teto, militares e até mesmo esportistas. Mulvey explica que o contato próximo ao qual estes grupos estão submetidos é um dos fatores que explica o alto índice de infecção. Além do CIPARS e do CNISP, Mulvey sugeriu aos participantes do simpósio que conhecessem a Aliança Canadense de Resistência Antimicrobiana ( www.can-r.ca ), um portal de informações que busca convergir todas as informações sobre o tema em um só lugar. “A idéia deste portal é ser uma referência na Internet onde as pessoas possam buscar informações corretas sobre o tema no Canadá”, concluiu.

 

Resistência antimicrobiana aumentou no Canadá

A Dra. Lai King Ng, também da Agência de Saúde Pública do Canadá, apresentou a palestra Discussion on bacterial STD antimicrobial resistance concerns , em que pontuou ações nacionais e locais canadenses para o controle de doenças. Ela descreveu questões geográficas, métodos atualmente utilizados, impactos das mudanças nas políticas públicas e de que forma os pesquisadores podem descobrir de maneira eficaz onde se encontra a resistência antimicrobiana. “Alguns médicos parecem preocupados com a incidência [da resistência antimicrobiana], que vem aumentando”, ressalta.

Lai King Ng também descreveu de que forma é possível identificar tendências em relação ao tema. “Precisamos de informações históricas para identificar as tendências, um banco de dados para manter estas informações e amostras adequadas”, resume. E o futuro? “Temos de optar por um sistema de vigilância que identifique os clones circulantes, a prevalência de doenças em áreas específicas e a população envolvida”, afirmou.

Segundo Lai King, são elementos importantes a disponibilidade de recursos advinda da vontade política dos governantes, a utilização de novas tecnologias e a evolução dos métodos laboratoriais.

Pesquisadora da UFRJ faz alerta

Aspectos atuais da resistência antimicrobiana em Enterococcus de origem humana foi o tema abordado por Lucia Teixeira, pesquisadora do Instituto de Microbiologia Prof. Paulo de Góes (IMPPG) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Enterococcus é um gênero de bactérias que vivem no intestino humano. As mais comuns são Enterococcus faecium e Enterococcus faecalis . Com grande versatilidade de aquisição de resistência a antimicrobianos, o Enterococcus tornou-se um patógeno oportunista.

O bacilo causa infecções de trato urinário, infecções de feridas, bacteremias, endocardites e infecções pélvicas intra-abdominais. “Há uma emergência por novos perfis e mecanismos de resistência a antibióticos”, alertou Lucia. A pesquisadora descreveu a evolução da resistência adquirida em Enterococcus . Segundo Lucia , já há Enterococcus dependentes de Vancomicina, um antibiótico glicopéptidico usado no tratamento das infecções bacterianas.

Ao final da palestra, Lucia ressaltou a importância de redes de informações sobre o tema, como a Rede Nacional de Monitoramento da Resistência Microbiana em Serviços de Saúde (Rede RM), promovida pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) com o apoio da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas).

Difteria em países emergentes preocupa

A difteria, doença infecto-contagiosa causada pela toxina do bacilo Corynebacterium diphteriae e que provoca inflamação da mucosa da garganta, do nariz e, às vezes, da traquéia e dos brônquios, atualmente é sub-diagnosticada no Brasil e na América Latina. A suspeita é da pesquisadora do CNPq e da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Ana Luiza de Mattos Guaraldi.

Após caracterizar a doença e explicar sintomas e complicações para os seres humanos – antes principalmente em crianças de 1 a 4 anos de idade, mas que agora se estende a adultos e idosos –, Luiza explicou que a percentagem de óbitos em relações aos casos de difteria tendem a se manter estáveis, entre 5 e 15%. Após o Brasil ter controlado a doença, afirma, acabou por relaxar, e o problema voltou com força nos anos 80. A pesquisadora do CNPq afirmou que o surto ou agregação de casos ou de óbitos pode se dar pelos casos de difteria diagnosticados ou pelo que chamou de “agravos inusitados” – doenças desconhecidas ou mudanças na epidemiologia de doenças conhecidas.

Nos últimos seis anos ( 2000 a 2005), Luiza destacou que o Ministério da Saúde contabilizou 230 casos de difteria e 28 óbitos. Neste contexto, destacou a questão da sub-notificação de casos da doença. Segundo Luiza, em geral os médicos em geral não querem aplicar o tratamento com soro antidiftérico, exatamente por desconhecerem os casos de difteria. “Em geral, preferem enviar amostras para um laboratório e esperar. Enquanto isso, o paciente morre”, alerta. “Temos que acabar com essa imagem de que a difteria não acontece mais ou que é esporádica. É preciso incluir a difteria nos diagnósticos”, completa. A doença já atingiu mais de 157 mil pessoas na década de 90.

Apesar de todos os alertas, Luiza acredita que o nó crítico do problema da difteria no Brasil está na vacina, que não age sobre a bactéria, e sim sobre a toxina. Ela reafirmou ser notório que todos os microorganismos sofrem mutações. “Talvez por isso no mundo inteiro ainda tenhamos casos de difteria. É por isso que pesquisamos outros fatores de virulência para além da toxina, de forma a se obter uma vacina bacteriana”. Luiza também identificou um aumento da resistência à penicilina.

A difteria pode ser transmitida pelo contato direto do doente, ou portadores, com pessoa suscetível. O contágio ocorre por meio da saliva ou outras secreções eliminadas por tosse, espirro ou ao falar. Raramente ocorre transmissão por objetos recentemente contaminados pela secreção. Segundo Luiza, também é possível a contaminação por meio de animais domésticos.

Rosangela Maria Magalhães Ribeiro, da Unidade de Laboratório (ULAB) do Programa Nacional de DST e Aids, ligado ao Ministério da Saúde, relatou experiências de redes que tratam da temática e que são referência internacional. Rosangela citou como exemplos a Rede Nacional de Laboratórios de CD4 e Carga Viral para o HIV, o Sistema de Controle de Exames Laboratoriais de CD4/CD8 e Carga Viral (SISCEL) e a Rede Nacional de Laboratórios de Genotipagem.

Esta última, formada por 21 laboratórios de genotipagem em todas as regiões do país, tem como objetivo detectar a ocorrência de resistência genotípica (mutações do HIV) em pacientes em uso de terapia anti-retroviral (ARV), como forma de reorientar o tratamento e seleção de uma terapia de resgate.


Gustavo Barreto
27/10/2006

 

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