Oswaldo Cruz foi um filho devotado. Sobre o pai – o também médico Bento Gonçalves Cruz –, sintetiza em carta: “soube sempre se impor pelo estudo, pelo caráter, pela delicadeza e pela bondade”. Em outra correspondência ressalta seus "conselhos sabios e edificante exemplo".
Ambos morreram precocemente, da mesma doença renal: Oswaldo aos 44, Bento aos 47. Bento morreu no dia da apresentação da tese de conclusão de Oswaldo na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, em 1892. Na versão do documento que seria impressa no ano seguinte, consta uma dedicatória emocionada: "á memória do meu idolatrado pai e melhor amigo". O tratamento de amizade é o mesmo que mais tarde Oswaldo dispensaria aos filhos: “amigo certo”, escrevia antes de se despedir nas correspondências.
Passou a usar o sobrenome “Gonçalves” em honra ao pai. Em um episódio narrado por Ezequiel Dias, Oswaldo é felicitado por seu nome ter sido adotado para designar Manguinhos, que passou a ser chamado Instituto Oswaldo Cruz em 1908. Respondeu nada ter a ver com a homenagem: “esse não é o meu nome”, disse entre sério e risonho.
Assumiu as atividades do pai no atendimento médico a trabalhadores da fábrica de fiação e tecidos Corcovado. Ezequiel Dias conta que “fez questão de o succeder na clinica, labutando no mesmo bairro, atendendo aos mesmos doentes, praticando a mesma caridade”, visto que atendia sobretudo os pobres da região. Deu o nome Bento a seu primeiro filho homem e, segundo os relatos de Ezequiel Dias, Oswaldo visitava o túmulo do pai duas vezes na semana, levando flores de seu jardim. Durante sua vida pública, seguia para lá quando uma decisão importante precisava ser tomada.
Pouco depois da sua formatura e da morte do pai, em 5 de janeiro de 1893, Oswaldo casou-se com Emília da Fonseca, após um noivado que deixou em papeis floridos uma vasta coleção de cartas de amor. Miloca, como a chamava, é um capítulo à parte na história de Oswaldo. Seu “anjo”, a “mais boa das esposas” ou simplesmente “Miloquinha”. Seriam seis filhos: Bento (o Bentinho), Elisa (a Liseta), Hercília, Oswaldo (o Oswaldinho), Zahra — que faleceu aos cerca de dois anos de idade – e Walter.
A prática epistolar permaneceria por conta das numerosas viagens de Oswaldo a trabalho, permitindo entreolhar a relação nutrida no lar. Em carta enviada em 5 de janeiro de 1908, no aniversário de 15 anos de casados, Oswaldo expressa a “gratidão pela felicidade duradoura”. Dois anos depois, comentava sobre a distância: “Estou tão saudoso que nem podeis imaginar!! Como é difficil a separação após certa idade!”. A correspondência mostra uma relação de afeto e cuidado, marcada pela saudade da tribo, como chamava a família.
Em cartas direcionadas ao filho Bento, cobra o andamento dos estudos – Oswaldo, aliás, fora educado por seu pai com duas horas diárias dedicadas aos livros. Em uma das dezenas de cartas, as crianças estão incumbidas de organizar a biblioteca do pai, numerando os livros e colando-lhes o ex-libris onde se lê “fé eterna na sciencia”. Oswaldo Cruz Filho comenta sobre o pai: “As cartas, os fatos da vida diária, as punições e os estímulos, as preocupações nas suas ausências e as decisões na presença, tudo somado revisto e avaliado constituem para mim, a obra suprema de sua vida: a construção da sua família.” Como o neto Eduardo Oswaldo Cruz conta, a preocupação era tão grande com os filhos que não queria tratá-los quando adoeciam. Preferia chamar um colega médico.
Certo dia, Miloca colocou-lhe uma pulseirinha no pulso. O neto Eduardo Oswaldo Cruz conta que perguntou à sua tia Liseta, filha de Oswaldo e Miloca: “Vovô andava com uma pulseirinha? Ela me disse: Andava. Disse-me que a Miloca, um dia saindo da missa, ela arrastava o Oswaldo, saindo da missa ela pegou uma pulseirinha, botou no pulso do Oswaldo, fechou e disse, “Se você gostar de mim você nunca tira isso.”
Um amante de doces: guardava guloseimas no escritório em meio aos livros, em uma bomboniere. Estava sempre munido de sua volumosa pasta de couro preta. Não tinha um secretário. Após o jantar, ainda com a família conversando ao redor da mesa, costumava arquivar correspondências e documentos. Mais tardiamente sua filha mais velha, Elisa, se voluntariou para assumir o papel de auxiliar neste tipo de apoio, já com o avanço da doença. Para o homem que trabalhava até 14 horas diárias, os domingos eram dedicados à família. Desde 1906, passavam temporadas juntos na casa de Petrópolis, Região Serrana do Rio de Janeiro. Oswaldo morreria, cerca de uma década mais tarde, naquela mesma casa, onde gostava de cultivar hortênsias no jardim.
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