Os caminhos de Oswaldo Cruz e de Manguinhos se cruzaram em 1899. A peste bubônica havia chegado também ao Rio de Janeiro. Por ordem do prefeito Cesario Alvim, o Instituto Vacínico Municipal passou a produzir o soro e a vacina para a doença. As atividades estavam sob liderança do barão de Pedro Affonso, um cirurgião reconhecido na então capital do país que havia sido diretor do Hospital Geral da Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro.
Pouco depois, a prefeitura, alegando não poder arcar com os custos, transferiu a tarefa da produção para a esfera federal. A atividade seria realizada no novo Instituto Soroterápico Federal, oficialmente criado em maio de 1900 de forma subordinada à Diretoria Geral de Saúde Pública, no âmbito do Ministério da Justiça e Negócios Interiores. O nome de Oswaldo Cruz já constava no primeiro quadro de pessoal. Sua escolha foi motivada pelo sucesso no diagnóstico bacteriológico da peste bubônica em Santos e também pela indicação do diretor do Instituto Pasteur, Émile Roux. Quando consultado sobre a indicação de um profissional para a tarefa, o cientista respondeu: “ninguém possui maior competência do que o Dr. Oswaldo Cruz, cuja capacidade e idoneidade científicas pessoalmente conheci, durante o tempo que lidou no nosso instituto”.
Em 1900, Oswaldo assume a direção técnica do recém-criado Instituto Soroterápico Federal. Ao mesmo tempo, passa a chefiar o serviço do laboratório de anatomia, patologia, química, biologia e bacteriologia da Policlínica Geral do Rio de Janeiro e participa da instalação da Policlínica de Botafogo – onde, em 1901, funcionaria um posto municipal de vacinação antipestosa, por demanda da prefeitura do Distrito Federal.
Em 1902, o barão de Pedro Affonso solicita exoneração e Oswaldo assume a direção geral do Instituto Soroterápico Federal. Em 1903, também seria nomeado diretor geral de Saúde Pública. Em seu discurso de posse, resumiu seu programa administrativo em duas palavras: “trabalho e justiça”. Sua dupla jornada, em Manguinhos e na Diretoria Geral de Saúde Pública, demonstrava a capacidade de “realisar humanamente o dom da ubiquidade”, como Ezequiel Dias comenta. Se a jornada era dupla, o desafio era triplo: varíola, peste bubônica e febre amarela eram sérios problemas de saúde a serem solucionados pelo novo diretor.
À frente da Diretoria Geral de Saúde Pública, no governo do presidente Rodrigues Alves, Oswaldo Cruz se comprometeu a erradicar a febre amarela da capital do país num prazo de três anos. Para isso, o controle do mosquito transmissor era fundamental. A peste bubônica era um problema sanitário especialmente preocupante em navios e portos. Para combater a doença, soro e vacina estavam disponíveis, além da profilaxia baseada no controle de roedores. O combate à varíola, doença que teve importante crescimento em 1904, também era pautado na vacinação. No mesmo ano, a instituição da vacinação obrigatória – depois revogada – motivou a Revolta da Vacina.
Rapidamente, Oswaldo se preocupou em promover uma mudança nas atribuições dos serviços da Saúde Pública. Dividiu a cidade em distritos sanitários, a serem acompanhados por profissionais dedicados às ações. Foi criado o Serviço de Profilaxia Específica da Febre Amarela. Teve início a produção de folhetos educativos e, nos jornais, a publicação dos “Conselhos ao Povo”.
O contexto era de remodelação urbana da capital federal, empreendida pelo prefeito Pereira Passos, com leis que previam a remoção de famílias pobres, política que ficou popularmente conhecida como “bota abaixo”. A lei de saneamento era conhecida como “Código das Torturas”. Algumas medidas autorizavam, por exemplo, a entrada forçada de agentes conhecidos como mata-mosquitos em casas para esvaziar depósitos de água que serviam de criadouro para mosquitos transmissores da febre amarela. Outras ações incluíam a intimação para impermeabilização de solos de residências para evitar a propagação de ratos e pulgas, como parte das ações contra a peste bubônica. Alimentos eram fiscalizados e foi instituída a notificação compulsória de casos das doenças. A figura de Oswaldo Cruz sintetizava um acúmulo de insatisfações sobre o conjunto de mudanças que aconteciam na época, sendo alvo de reações populares, na imprensa e no Congresso.
Durante a gestão à frente da Diretoria Geral de Saúde Pública, Oswaldo Cruz realizou extensa viagem aos portos, no ano de 1905, percorrendo 30 portos em 110 dias. O objetivo era identificar problemas de saúde e propor medidas para estes locais estratégicos para os fluxos comerciais do país.
O resultado do desafio triplo assumido por Oswaldo Cruz foi o controle da peste bubônica, varíola e febre amarela no Rio de Janeiro. Esse seria um dos êxitos levados a um importante congresso em Berlim, na Alemanha, em 1907, o que se tornaria um emblema de sua conversão de alvo de críticas a herói.
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