* Eloi S. Garcia é pesquisador do Instituto Oswaldo Cruz, ex-presidente da Fiocruz e membro da Academia Brasileira de Ciências. O artigo foi publicado pelo autor no Jornal da Ciência.
04/04/07
O saudoso professor Fernando Ubatuba, meu pai cientÃfico, uma vez me disse que o que mais o irritava eram os convites para as reuniões nas Universidades e Institutos de Pesquisa que, puramente burocráticos ou de faz de conta, não levavam à nada.
Ele sempre respondia energicamente: Estou pensando em ciência, orientando meus estudantes e realizando experiências, não tenho tempo para essas reuniões.
Se insistissem no convite ele respondia: Ainda não parei de pensar, orientar e executar meus experimentos, portanto não posso ir, agradeço o convite.
Tantos anos após estas históricas respostas, continuam os convites aos pesquisadores de infindáveis e intermináveis reuniões.
Nos dias de hoje, participar de algum projeto institucional se converteu em um sacrifÃcio enorme e em um abandono da atividade mais nobre: pensar e fazer ciência.
Não resta dúvida de que o desenvolvimento de boas hipóteses cientÃficas não se pode dispersar e requer uma dedicação quase que exclusiva.
Apesar disto, as Universidades e Institutos de Pesquisa têm uma habilidade fantástica de nos afastar do que sabemos e queremos fazer: ciência.
Desenvolver um projeto de pesquisa hoje é quase impossÃvel, tantos são os formulários que temos que preencher e reuniões que devemos participar.
Formulários do Ibama, da comissão de ética humana e animal, da comissão de radioatividade, da biossegurança, dos relatórios infinitos de produtividade institucional e tudo o mais.
Dirigir um projeto de pesquisa e participar das atividades institucionais deveria ser simples para sobrar todo o tempo possÃvel para o trabalho nobre do laboratório.
Mas, infelizmente, tem sido a coisa mais difÃcil na vida do cientista, uma grande parte de seu tempo produtivo é dedicada a isto, e o pior, isto vem a constituir uma fonte enorme de insatisfação e desprazer do pesquisador.
Esta situação se agrava por falta de pessoal de apoio direto ao laboratório de pesquisa e excesso de pessoal na burocracia oficial.
Nos laboratórios de pesquisa faltam pessoal administrativo competente, auxiliares e técnicos que possam socorrer os pesquisadores.
Os esforços feitos pelo governo em incorporar nas Universidades e Institutos de Pesquisa cientistas de qualidade ao sistema de ciência e tecnologia podem ir água a baixo se esta situação não for corrigida.
O mundo desenvolvido possui estruturas cientÃficas eficientes e os laboratórios possuem pessoal de apoio competente e técnico que auxilia os pesquisadores em suas atividades.
Assim, na lógica cientÃfica, a oferta de concursos para pesquisadores deve ser seguida de seleção de pessoal de apoio (gestão e administrativo) e técnico, e estes devem facilitar ao máximo o trabalho do cientista.
Não devemos nos surpreender com a existência de um bom número de pesquisadores excelentes em nosso paÃs, mas devemos deixá-los fazer o trabalho mais nobre: ciência.
Estamos no tempo em que se valoriza o parâmetro numérico como forma objetiva de êxito de um pesquisador ou de uma instituição cientÃfica. Cada vez mais o sucesso institucional é medido pelo número e qualidade dos artigos cientÃficos publicados.
Poucos pensam nas condições adequadas em que os cientistas brasileiros realizam seus trabalhos ou se suas idéias poderão ser executadas tendo o apoio administrativo necessário.
Torna-se imprescindÃvel que as instituições dedicadas à pesquisa se modernizem para viver neste novo mundo e que o sistema burocrático institucional funcione para quem quer fazer ciência: os cientistas.
* Eloi S. Garcia é pesquisador do Instituto Oswaldo Cruz, ex-presidente da Fiocruz e membro da Academia Brasileira de Ciências. O artigo foi publicado pelo autor no Jornal da Ciência.
04/04/07
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