Quase um século após a sua descoberta, a doença de Chagas ainda representa um desafio internacional à saúde pública: em todo o mundo, mais de 14 milhões de pessoas estão infectadas pelo parasito causador da doença. Apesar da alta endemicidade, a doença de Chagas permanece no grupo de doenças negligenciadas. Na tentativa de reverter este quadro, a Organização Mundial da Saúde (OMS) reconheceu explicitamente a importância global da enfermidade, há pouco restrita à América Latina.
A Rede Global para Eliminação da doença de Chagas (Global Network for Chagas elimination – GNChE), aprovada na primeira reunião mundial sobre a doença de Chagas, em julho de 2007, inicia suas atividades em 2008. Coordenando a equipe composta por especialistas de todo o mundo, o pesquisador do Laboratório de Doenças Parasitárias do Instituto Oswaldo Cruz (IOC), Pedro Albajar Vinas, aponta a mudança de paradigma sobre o entendimento da doença como primeiro passo para seu enfrentamento global e alerta sobre riscos como a emergência da doença também em paÃses ricos.
Gutemberg Brito
Especialista em doença de Chagas, o pesquisador do IOC Pedro Albajar Viñas coordenará iniciativa inédita da OMS para o controle da patologiaA doença de Chagas hoje é um desafio global que atinge mais de 14 milhões de pessoas em todo o mundo, inclusive em paÃses ricos, onde já foram constatados casos crônicos e agudos, importados e autóctones, por causa da mobilidade populacional, transmissão transfusional, congênita ou por transplante de órgãos. Até agora, os esforços da OMS para o enfrentamento da patologia estiveram restritos à América Latina, através da Organização Pan-Americana da Saúde, e a programas de financiamento, sobretudo de pesquisa básica, como o TDR [Programa Especial de Pesquisa e Treinamento em Doenças Tropicais] da própria OMS.
A formação da Rede Global para Eliminação da Doença de Chagas sinaliza uma mudança de paradigma sobre como a OMS entende este desafio, ao estender a responsabilidade sobre o controle da doença para todo o mundo, incluindo paÃses chamados não-endêmicos. É um passo muito importante, pois sem esta perspectiva seria impossÃvel desenvolver uma estratégia eficiente para o enfrentamento da doença de Chagas.
Quais fatores podem justificar esta nova percepção da OMS sobre a doença de Chagas?A doença de Chagas foi descoberta há quase cem anos. Muito já se avançou sobre seu conhecimento e controle na América Latina, mas a alteração de padrões epidemiológicos clássicos impõe desafios. Um caso é a mobilidade populacional, que provoca a disseminação da doença em territórios não-endêmicos, como Europa, Estados Unidos e Austrália. Outro é o estabelecimento de rotas alternativas de transmissão, como a oral, que favorecem a emergência da doença em locais onde ela ainda não havia sido identificada.
É muito importante também manter programas de controle a longo prazo, sobretudo em regiões que hoje apresentam baixa endemicidade - o chamado castigo do sucesso. Há ainda o desafio imposto pela reemergência da doença em territórios como o Grande Chaco (sul da BolÃvia, norte da Argentina e noroeste do Paraguai), que hoje apresentam vetores silvestres e até resistentes a inseticidas. E é preciso atender o grande número de pacientes infectados sem acesso a diagnóstico e tratamento.
Esta complexa transição epidemiológica sinaliza a abrangência global da doença, que exige o esforço integrado de diversos paÃses para seu enfrentamento. Por fim, um importante fator que justifica esta nova percepção é a constatação de que a meta estabelecida pela OMS para erradicação da doença de Chagas até 2010 não será cumprida.
Quais as estratégias da Rede para o enfrentamento da doença?A primeira reunião mundial sobre doença de Chagas, realizada em julho deste ano em Genebra, propôs e aprovou a criação de quatro grupos técnicos, criados para trabalhar durante cinco anos com objetivos anuais sobre quatro blocos temáticos: vigilância epidemiológica e sistemas de informação sobre pacientes, vetores e reservatórios; prevenção transfusional e de transplante de órgãos; triagem e diagnóstico laboratorial; e prevenção e manejo de casos congênitos e não congênitos.
Foram indicados coordenadores para cada um dos quatro grupos e instituições participantes de todo o mundo já se inscreveram em cada um dos grupos, de acordo com sua especialidade, interesses e área de abrangência. O mundo cientÃfico raramente tem uma visão polÃtica e de saúde pública nacionais e, sobretudo, não detém o poder governamental. Por outro lado, as autoridades governamentais raramente têm um conhecimento atualizado sobre aspectos técnicos da doença. Ambos são necessários e devem ter diferentes papéis. Os grupos de coordenadores estão convidando diferentes instituições, mas as instituições também podem manifestar o seu interesse em participar ativamente da Rede Global.
Qual o planejamento de ações da Rede?Através da Rede Global para Eliminação da Doença de Chagas, a OMS se compromete a investir, nos próximos cinco anos, em ações operacionais em prol do controle e eliminação deste problema internacional de saúde pública. Até o fim do ano, cada grupo técnico definirá objetivos, metodologia e cronograma anual.
Os itens propostos incluem metas distintas, desde a elaboração de um projeto piloto para um sistema georeferenciado de coleta e armazenamento de dados, no qual o Brasil está envolvido, até a estandardização do manejo de uma cardiopatia chagásica e a produção de um manual interativo sobre tratamento e acompanhamento de pacientes, que permitirá o levantamento de lacunas do conhecimento atual e abrirá perspectivas para novos projetos de pesquisa operacional.
Bel LevyQuase um século após a sua descoberta, a doença de Chagas ainda representa um desafio internacional à saúde pública: em todo o mundo, mais de 14 milhões de pessoas estão infectadas pelo parasito causador da doença. Apesar da alta endemicidade, a doença de Chagas permanece no grupo de doenças negligenciadas. Na tentativa de reverter este quadro, a Organização Mundial da Saúde (OMS) reconheceu explicitamente a importância global da enfermidade, há pouco restrita à América Latina.
A Rede Global para Eliminação da doença de Chagas (Global Network for Chagas elimination – GNChE), aprovada na primeira reunião mundial sobre a doença de Chagas, em julho de 2007, inicia suas atividades em 2008. Coordenando a equipe composta por especialistas de todo o mundo, o pesquisador do Laboratório de Doenças Parasitárias do Instituto Oswaldo Cruz (IOC), Pedro Albajar Vinas, aponta a mudança de paradigma sobre o entendimento da doença como primeiro passo para seu enfrentamento global e alerta sobre riscos como a emergência da doença também em paÃses ricos.
 Gutemberg Brito
Especialista em doença de Chagas, o pesquisador do IOC Pedro Albajar Viñas coordenará iniciativa inédita da OMS para o controle da patologia
Como a Rede Global para Eliminação da Doença de Chagas da OMS modificará o cenário de enfrentamento da patologia?
A doença de Chagas hoje é um desafio global que atinge mais de 14 milhões de pessoas em todo o mundo, inclusive em paÃses ricos, onde já foram constatados casos crônicos e agudos, importados e autóctones, por causa da mobilidade populacional, transmissão transfusional, congênita ou por transplante de órgãos. Até agora, os esforços da OMS para o enfrentamento da patologia estiveram restritos à América Latina, através da Organização Pan-Americana da Saúde, e a programas de financiamento, sobretudo de pesquisa básica, como o TDR [Programa Especial de Pesquisa e Treinamento em Doenças Tropicais] da própria OMS.
A formação da Rede Global para Eliminação da Doença de Chagas sinaliza uma mudança de paradigma sobre como a OMS entende este desafio, ao estender a responsabilidade sobre o controle da doença para todo o mundo, incluindo paÃses chamados não-endêmicos. É um passo muito importante, pois sem esta perspectiva seria impossÃvel desenvolver uma estratégia eficiente para o enfrentamento da doença de Chagas.
Quais fatores podem justificar esta nova percepção da OMS sobre a doença de Chagas?
A doença de Chagas foi descoberta há quase cem anos. Muito já se avançou sobre seu conhecimento e controle na América Latina, mas a alteração de padrões epidemiológicos clássicos impõe desafios. Um caso é a mobilidade populacional, que provoca a disseminação da doença em territórios não-endêmicos, como Europa, Estados Unidos e Austrália. Outro é o estabelecimento de rotas alternativas de transmissão, como a oral, que favorecem a emergência da doença em locais onde ela ainda não havia sido identificada.
É muito importante também manter programas de controle a longo prazo, sobretudo em regiões que hoje apresentam baixa endemicidade - o chamado castigo do sucesso. Há ainda o desafio imposto pela reemergência da doença em territórios como o Grande Chaco (sul da BolÃvia, norte da Argentina e noroeste do Paraguai), que hoje apresentam vetores silvestres e até resistentes a inseticidas. E é preciso atender o grande número de pacientes infectados sem acesso a diagnóstico e tratamento.
Esta complexa transição epidemiológica sinaliza a abrangência global da doença, que exige o esforço integrado de diversos paÃses para seu enfrentamento. Por fim, um importante fator que justifica esta nova percepção é a constatação de que a meta estabelecida pela OMS para erradicação da doença de Chagas até 2010 não será cumprida.
Quais as estratégias da Rede para o enfrentamento da doença?
A primeira reunião mundial sobre doença de Chagas, realizada em julho deste ano em Genebra, propôs e aprovou a criação de quatro grupos técnicos, criados para trabalhar durante cinco anos com objetivos anuais sobre quatro blocos temáticos: vigilância epidemiológica e sistemas de informação sobre pacientes, vetores e reservatórios; prevenção transfusional e de transplante de órgãos; triagem e diagnóstico laboratorial; e prevenção e manejo de casos congênitos e não congênitos.
Foram indicados coordenadores para cada um dos quatro grupos e instituições participantes de todo o mundo já se inscreveram em cada um dos grupos, de acordo com sua especialidade, interesses e área de abrangência. O mundo cientÃfico raramente tem uma visão polÃtica e de saúde pública nacionais e, sobretudo, não detém o poder governamental. Por outro lado, as autoridades governamentais raramente têm um conhecimento atualizado sobre aspectos técnicos da doença. Ambos são necessários e devem ter diferentes papéis. Os grupos de coordenadores estão convidando diferentes instituições, mas as instituições também podem manifestar o seu interesse em participar ativamente da Rede Global.Â
Qual o planejamento de ações da Rede?
Através da Rede Global para Eliminação da Doença de Chagas, a OMS se compromete a investir, nos próximos cinco anos, em ações operacionais em prol do controle e eliminação deste problema internacional de saúde pública. Até o fim do ano, cada grupo técnico definirá objetivos, metodologia e cronograma anual.
Os itens propostos incluem metas distintas, desde a elaboração de um projeto piloto para um sistema georeferenciado de coleta e armazenamento de dados, no qual o Brasil está envolvido, até a estandardização do manejo de uma cardiopatia chagásica e a produção de um manual interativo sobre tratamento e acompanhamento de pacientes, que permitirá o levantamento de lacunas do conhecimento atual e abrirá perspectivas para novos projetos de pesquisa operacional.
Bel Levy
21/02/2008
Permitida a reprodução desde que citada a fonte (Comunicação / Instituto Oswaldo Cruz)
Permitida a reprodução sem fins lucrativos do texto desde que citada a fonte (Comunicação / Instituto Oswaldo Cruz)