Iniciativa solidária do governo brasileiro, da Fiocruz e do IOC, o Programa de pós-graduação em Ciências da Saúde, iniciado no fim de março em Moçambique, na África, foi tema do Centro de Estudos da última sexta-feira, 16 de maio. O programa tem como objetivo formar pesquisadores locais capacitados para atuar diretamente na melhoria dos sistemas de saúde dos países africanos, em atividades de pesquisa e controle das diversas epidemias que atingem a região. O intercâmbio acadêmico de alunos moçambicanos para o Brasil, a criação de novas turmas de mestrado e doutorado em 2009 e outras possibilidades para o futuro do programa também foram debatidas no evento. Em reconhecimento à sua contribuição pioneira para o relacionamento científico entre Brasil e África, o encontro comemorou, ainda, os 90 anos do pesquisador emérito da Fiocruz Luis Rey.
A oportunidade de contribuir para o desenvolvimento da Saúde Pública na África surgiu no ano de 2006, a partir de um pedido do próprio governo de moçambicano, região destruída por quase 20 anos de guerras. “O país sofre com carência de mão-de-obra qualificada, pouca confiabilidade dos diagnósticos e quadros de epidemias de diversas doenças, como Aids, tuberculose, malária, diarréias infecciosas e esquistossomose”, explica um dos convidados do evento, o coordenador do Programa de Pós-graduação em Medicina Tropical do IOC, o pesquisador Márcio Bóia. “Essa situação levou o governo moçambicano a nos procurar, para que ajudássemos a formar profissionais capazes de pensar cientificamente e de atuar em laboratórios, em diagnóstico e em pesquisa.”
A primeira turma do curso de mestrado conta com 15 estudantes, moradores de Maputo, capital de Moçambique
Foi a partir desse pedido que se desenhou o programa de mestrado em Ciências da Saúde do IOC/Fiocruz na África. “Temos como objetivo a formação de pesquisadores e docentes em Ciências da Saúde, com ênfase na biologia celular da relação hospedeiro-parasita, através da utilização de métodos laboratoriais contemporâneos”, destaca o pesquisador Wilson Savino, coordenador do curso no Brasil. A iniciativa é fruto da parceria entre os governos do Brasil e de Moçambique, IOC, Fiocruz e diversos colaboradores locais, além de ter financiamento da Agência Brasileira de Cooperação, da Capes e do CNPq.
Por orientação do governo moçambicano, os 15 alunos da primeira turma do curso foram selecionados entre profissionais de saúde pública ligados às áreas de serviço de laboratório ou de investigação científica. Todos são da capital do país, Maputo, onde também estão sendo ministradas as aulas, nas modernas instalações do Centro Regional de Desenvolvimento Sanitário. Inicialmente já foi oferecido o Primeiro Módulo do curso (Fundamentação teórica para pesquisa em saúde) constituído pelas disciplinas de metodologia científica, Introdução à Epidemiologia e bioestatística, bioética e biossegurança. Neste momento está em curso o módulo II (Métodos diagnósticos e gestão de dados laboratoriais) que será seguido pelos módulos III (Integração do conhecimento científico em ciências da Saúde – Fisiopatologia de doenças infecto-parasitárias) e IV (Vigilância em saúde), ministrados por 15 professores do IOC e sete de Moçambique. “A palavra de ordem é qualidade, por isso os alunos deverão desenvolver uma monografia, para obter o diploma de especialização em Ciências da Saúde. Só então, desenvolverão suas teses de mestrado”, assegura Savino. “Na próxima fase, estão previstos, ainda, intercâmbios de até 6 meses em laboratórios do IOC no Brasil, para o desenvolvimento de pesquisas.”
Gutemberg Brito
O pesquisador Wilson Savino relembrou um pouco da história de Moçambique e destacou a importância da iniciativa de parceira
A expectativa sobre a primeira turma é grande, admitem os organizadores do programa. “A qualificação desses pesquisadores permitirá que eles sirvam de base para laboratórios de referência nacional e continental de saúde pública e atuem na qualificação de mais profissionais de saúde na África”, acredita Bóia. Ele explica que esse é apenas o primeiro passo da parceria do IOC com Moçambique. “Essa iniciativa única é uma demonstração de solidariedade, de cidadania planetária, o primeiro passo para tentar resolver um grave problema de todo o continente”, afirma. “Por isso, devemos criar uma nova turma em 2009 e, para os próximos anos, pensamos em outros cursos de mestrado para outras áreas e, também, em cursos de doutorado”.
Para o pesquisador Pedro Cabello, do Laboratório de Genética Humana do IOC, que ministrou a primeira disciplina do novo curso (Introdução à Epidemiologia e Bioestatística), os alunos entendem bem a expectativa que existe sobre eles. “É uma responsabilidade histórica imensa, pois representam o primeiro grande passo que poderá mudar de maneira positiva a formação em ciência e saúde de Moçambique e da África”, acredita. “O reflexo disso é uma dedicação comovente, que torna ainda mais gratificante essa experiência.” Os resultados iniciais dos primeiros módulos dão aos pesquisadores a esperanças de um futuro mais saudável para a região. “Acredito, e esse também é o entendimento dos nossos colaboradores moçambicanos, que, em cerca de 10 anos, já existirá em Moçambique massa crítica suficiente para cuidar da saúde pública do país e para continuar o processo de qualificação fazendo uso de suas próprias pernas.”
Gutemberg Brito
A implementação do programa e as expectativas para os avanços que a parceria científica IOC-África podem proporcionar ao continente foram os temas da palestra do pesquisador Márcio Bóia
As pesquisadoras Vera Bongertz, do laboratório de AIDS e Imunologia Molecular, e Alda Maria da Cruz, do Laboratório de Hanseníase, também já desenvolveram disciplinas do primeiro módulo do curso. Atualmente, os pesquisadores Adeílton Brandão, do Laboratório de Epidemiologia Molecular de Doenças Infecciosas, e Milton Moraes, do Laboratório de Hanseníase estão em Maputo, ministrando outras disciplinas do curso.
Pesquisador Luis Rey é homenageado no evento
Ao apresentar as novidades sobre o programa, o Centro de Estudos também resgatou a história do relacionamento científico entre Brasil e África. Para isso, nada melhor do que homenagear aquele que é um dos pioneiros no estabelecimento desse intercâmbio, o pesquisador emérito da Fiocruz Luís Rey. “Se hoje atingimos todas essas conquistas e vislumbramos possibilidades de melhorar a saúde pública nos países africanos, muito disso devemos agradecer a ele, que iniciou esse trabalho, de forma seminal”, afirmou Tania Araújo-Jorge, diretora do Instituto Oswaldo Cruz, na abertura do evento.
Sempre comprometido com causas humanitárias, exilado na década de 1970, durante a ditadura militar, o parasitologista trabalhou na África durante muitos anos, a serviço da Organização Mundial da Saúde (OMS). Passou cerca de três anos em Moçambique, onde ajudou a criar a Revista Médica de Moçambique, que existe até hoje, e ministrou, em meio a uma guerra civil, aulas de parasitologia na universidade de Maputo, esvaziada pelo êxodo de professores brancos após a independência do país. Na Tunísia, foi encarregado pela OMS de combater a epidemia de esquistossomose, tarefa cumprida de forma irretocável.
Gutemberg Brito
O pesquisador emérito Luiz Rey compartilhou sua satisfação em ver os frutos das atividades científicas pioneiras desenvolvidas em parceria com países da África, ainda na década de 1970
Emocionado com a homenagem, o pesquisador se disse satisfeito por ver que seu trabalho está rendendo frutos. “Me deixa muito feliz ver que a Fiocruz e o IOC estão assumindo suas responsabilidades de ajudar nossos tão maltratados irmãos africanos”, comemora o parasitologita. “A África ainda depende muito da ajuda externa para resolver seus problemas, pois não possui quadros capacitados para atividades técnicas e administrativas. Por isso, nossa maior preocupação precisa ser a de capacitar profissionais locais, que possam atuar na resolução de seus próprios problemas.”
Após sua passagem pela África, o pesquisador voltou para o IOC, em 1985, e se tornou uma das figuras de maior destaque nas últimas duas décadas de pesquisa no Instituto. Além de toda sua contribuição científica, o parasitologista foi responsável pela criação do núcleo que deu origem ao atual Laboratório de Biologia e Parasitologia de Mamíferos Silvestres Reservatórios do IOC e atualmente dedica seu tempo à orientação de trabalhos e à literatura, que define como “uma agradável maneira de passar o tempo”. Entre suas obras, estão o Dicionário de Termos Técnicos de Medicina e Saúde e a auto-biografia intitulada Um Médico e Dois Exílios.
Marcelo Garcia
21/05/08
Iniciativa solidária do governo brasileiro, da Fiocruz e do IOC, o Programa de pós-graduação em Ciências da Saúde, iniciado no fim de março em Moçambique, na África, foi tema do Centro de Estudos da última sexta-feira, 16 de maio. O programa tem como objetivo formar pesquisadores locais capacitados para atuar diretamente na melhoria dos sistemas de saúde dos países africanos, em atividades de pesquisa e controle das diversas epidemias que atingem a região. O intercâmbio acadêmico de alunos moçambicanos para o Brasil, a criação de novas turmas de mestrado e doutorado em 2009 e outras possibilidades para o futuro do programa também foram debatidas no evento. Em reconhecimento à sua contribuição pioneira para o relacionamento científico entre Brasil e África, o encontro comemorou, ainda, os 90 anos do pesquisador emérito da Fiocruz Luis Rey.
A oportunidade de contribuir para o desenvolvimento da Saúde Pública na África surgiu no ano de 2006, a partir de um pedido do próprio governo de moçambicano, região destruída por quase 20 anos de guerras. “O país sofre com carência de mão-de-obra qualificada, pouca confiabilidade dos diagnósticos e quadros de epidemias de diversas doenças, como Aids, tuberculose, malária, diarréias infecciosas e esquistossomose”, explica um dos convidados do evento, o coordenador do Programa de Pós-graduação em Medicina Tropical do IOC, o pesquisador Márcio Bóia. “Essa situação levou o governo moçambicano a nos procurar, para que ajudássemos a formar profissionais capazes de pensar cientificamente e de atuar em laboratórios, em diagnóstico e em pesquisa.”
A primeira turma do curso de mestrado conta com 15 estudantes, moradores de Maputo, capital de Moçambique
Foi a partir desse pedido que se desenhou o programa de mestrado em Ciências da Saúde do IOC/Fiocruz na África. “Temos como objetivo a formação de pesquisadores e docentes em Ciências da Saúde, com ênfase na biologia celular da relação hospedeiro-parasita, através da utilização de métodos laboratoriais contemporâneos”, destaca o pesquisador Wilson Savino, coordenador do curso no Brasil. A iniciativa é fruto da parceria entre os governos do Brasil e de Moçambique, IOC, Fiocruz e diversos colaboradores locais, além de ter financiamento da Agência Brasileira de Cooperação, da Capes e do CNPq.
Por orientação do governo moçambicano, os 15 alunos da primeira turma do curso foram selecionados entre profissionais de saúde pública ligados às áreas de serviço de laboratório ou de investigação científica. Todos são da capital do país, Maputo, onde também estão sendo ministradas as aulas, nas modernas instalações do Centro Regional de Desenvolvimento Sanitário. Inicialmente já foi oferecido o Primeiro Módulo do curso (Fundamentação teórica para pesquisa em saúde) constituído pelas disciplinas de metodologia científica, Introdução à Epidemiologia e bioestatística, bioética e biossegurança. Neste momento está em curso o módulo II (Métodos diagnósticos e gestão de dados laboratoriais) que será seguido pelos módulos III (Integração do conhecimento científico em ciências da Saúde – Fisiopatologia de doenças infecto-parasitárias) e IV (Vigilância em saúde), ministrados por 15 professores do IOC e sete de Moçambique. “A palavra de ordem é qualidade, por isso os alunos deverão desenvolver uma monografia, para obter o diploma de especialização em Ciências da Saúde. Só então, desenvolverão suas teses de mestrado”, assegura Savino. “Na próxima fase, estão previstos, ainda, intercâmbios de até 6 meses em laboratórios do IOC no Brasil, para o desenvolvimento de pesquisas.”
Gutemberg Brito
O pesquisador Wilson Savino relembrou um pouco da história de Moçambique e destacou a importância da iniciativa de parceira
A expectativa sobre a primeira turma é grande, admitem os organizadores do programa. “A qualificação desses pesquisadores permitirá que eles sirvam de base para laboratórios de referência nacional e continental de saúde pública e atuem na qualificação de mais profissionais de saúde na África”, acredita Bóia. Ele explica que esse é apenas o primeiro passo da parceria do IOC com Moçambique. “Essa iniciativa única é uma demonstração de solidariedade, de cidadania planetária, o primeiro passo para tentar resolver um grave problema de todo o continente”, afirma. “Por isso, devemos criar uma nova turma em 2009 e, para os próximos anos, pensamos em outros cursos de mestrado para outras áreas e, também, em cursos de doutorado”.
Para o pesquisador Pedro Cabello, do Laboratório de Genética Humana do IOC, que ministrou a primeira disciplina do novo curso (Introdução à Epidemiologia e Bioestatística), os alunos entendem bem a expectativa que existe sobre eles. “É uma responsabilidade histórica imensa, pois representam o primeiro grande passo que poderá mudar de maneira positiva a formação em ciência e saúde de Moçambique e da África”, acredita. “O reflexo disso é uma dedicação comovente, que torna ainda mais gratificante essa experiência.” Os resultados iniciais dos primeiros módulos dão aos pesquisadores a esperanças de um futuro mais saudável para a região. “Acredito, e esse também é o entendimento dos nossos colaboradores moçambicanos, que, em cerca de 10 anos, já existirá em Moçambique massa crítica suficiente para cuidar da saúde pública do país e para continuar o processo de qualificação fazendo uso de suas próprias pernas.”
Gutemberg Brito
A implementação do programa e as expectativas para os avanços que a parceria científica IOC-África podem proporcionar ao continente foram os temas da palestra do pesquisador Márcio Bóia
As pesquisadoras Vera Bongertz, do laboratório de AIDS e Imunologia Molecular, e Alda Maria da Cruz, do Laboratório de Hanseníase, também já desenvolveram disciplinas do primeiro módulo do curso. Atualmente, os pesquisadores Adeílton Brandão, do Laboratório de Epidemiologia Molecular de Doenças Infecciosas, e Milton Moraes, do Laboratório de Hanseníase estão em Maputo, ministrando outras disciplinas do curso.
Pesquisador Luis Rey é homenageado no evento
Ao apresentar as novidades sobre o programa, o Centro de Estudos também resgatou a história do relacionamento científico entre Brasil e África. Para isso, nada melhor do que homenagear aquele que é um dos pioneiros no estabelecimento desse intercâmbio, o pesquisador emérito da Fiocruz Luís Rey. “Se hoje atingimos todas essas conquistas e vislumbramos possibilidades de melhorar a saúde pública nos países africanos, muito disso devemos agradecer a ele, que iniciou esse trabalho, de forma seminal”, afirmou Tania Araújo-Jorge, diretora do Instituto Oswaldo Cruz, na abertura do evento.
Sempre comprometido com causas humanitárias, exilado na década de 1970, durante a ditadura militar, o parasitologista trabalhou na África durante muitos anos, a serviço da Organização Mundial da Saúde (OMS). Passou cerca de três anos em Moçambique, onde ajudou a criar a Revista Médica de Moçambique, que existe até hoje, e ministrou, em meio a uma guerra civil, aulas de parasitologia na universidade de Maputo, esvaziada pelo êxodo de professores brancos após a independência do país. Na Tunísia, foi encarregado pela OMS de combater a epidemia de esquistossomose, tarefa cumprida de forma irretocável.
Gutemberg Brito
O pesquisador emérito Luiz Rey compartilhou sua satisfação em ver os frutos das atividades científicas pioneiras desenvolvidas em parceria com países da África, ainda na década de 1970
Emocionado com a homenagem, o pesquisador se disse satisfeito por ver que seu trabalho está rendendo frutos. “Me deixa muito feliz ver que a Fiocruz e o IOC estão assumindo suas responsabilidades de ajudar nossos tão maltratados irmãos africanos”, comemora o parasitologita. “A África ainda depende muito da ajuda externa para resolver seus problemas, pois não possui quadros capacitados para atividades técnicas e administrativas. Por isso, nossa maior preocupação precisa ser a de capacitar profissionais locais, que possam atuar na resolução de seus próprios problemas.”
Após sua passagem pela África, o pesquisador voltou para o IOC, em 1985, e se tornou uma das figuras de maior destaque nas últimas duas décadas de pesquisa no Instituto. Além de toda sua contribuição científica, o parasitologista foi responsável pela criação do núcleo que deu origem ao atual Laboratório de Biologia e Parasitologia de Mamíferos Silvestres Reservatórios do IOC e atualmente dedica seu tempo à orientação de trabalhos e à literatura, que define como “uma agradável maneira de passar o tempo”. Entre suas obras, estão o Dicionário de Termos Técnicos de Medicina e Saúde e a auto-biografia intitulada Um Médico e Dois Exílios.
Marcelo Garcia
21/05/08
Permitida a reprodução sem fins lucrativos do texto desde que citada a fonte (Comunicação / Instituto Oswaldo Cruz)