Fortalecer a autonomia e a criatividade das crianças, estimulá-las a descobrir o mundo da ciência enfrentando os problemas locais de modo consciente e em integração com sua cultura. Estes são alguns dos objetivos do projeto ABC na Educação Científica - Mão na Massa. O projeto – em francês, La Main à la Pâte (LAMAP) – é uma iniciativa internacional, fruto da cooperação entre as Academias de Ciências francesa e brasileira. No Brasil, o Instituto Oswaldo Cruz (IOC) é um importante parceiro do projeto.
“ABC designa Academia Brasileira de Ciências e, ao mesmo tempo, tem a ver com alfabetismo, um conceito diferente de alfabetização”, observa Danielle Grynszpan, pesquisadora do Setor de Alfabetismo Científico do Laboratório de Pesquisa em Auto-imunidade e Imuno-regulação do IOC e coordenadora do projeto no Estado do Rio de Janeiro. “Trata-se de um processo de alfabetização científica que, uma vez iniciado, prossegue pela vida toda e, portanto, considerado um letramento em ciência”, explica Danielle, que completa assinalando que a metodologia do projeto é inovadora, também, por associar o processo de ensino-aprendizagem em ciências com o desenvolvimento da capacidade oral e da argumentação escrita.
Novas metodologias de ensino desenvolvidas por pesquisadores do IOC em ação na creche que funciona na Fiocruz
“Não é apenas uma metodologia participativa, que incita à reflexão e à ação, mas também, e principalmente, convida à interação o tempo todo. Começa sempre com um desafio, que provoca uma maior aproximação dos educadores com os estudantes, sejam crianças ou adultos, em diversas dimensões: destes entre si, da escola com as famílias, da comunidade escolar com a sociedade de seu entorno e com o mundo. E estas múltiplas interações propiciam o desenvolvimento em vários aspectos: cognitivo, ético e afetivo”.
As atividades se concentram na renovação do ensino de ciências e na criação de estratégias que estimulem a melhoria da educação em ciência com o envolvimento de professores públicos, que se tornam multiplicadores da proposta. Alguns dos professores que participam da iniciativa no Rio de Janeiro ganham bolsas de estudo financiadas pelo governo estadual para fazerem cursos de especialização no IOC. Em contrapartida, o consulado francês tem oferecido apoio para a oferta de cursos de francês para alunos da nossa Pós-Graduação.
O projeto, realizado desde agosto de 2001 no Estado do Rio de Janeiro, já se estendeu a 35 escolas da região do Noroeste Fluminense – incluindo cidades como Pádua, Miracema, Aperibé, Itaocara, São Gonçalo e Maricá. No Estado de São Paulo, as cidades de São Paulo e São Carlos mantêm atividades do projeto, que ainda vem acontecendo em outros pólos nacionais mais recentes, como em Santa Catarina, Minas Gerais, Bahia e Pernambuco.
Ciência no cotidiano
Segundo Danielle, o trabalho realizado pelo projeto no Estado do Rio de Janeiro vem sendo desenvolvido associado à pesquisa. Exemplo desta proposta é a avaliação da implementação do projeto em quatro municípios fluminenses na tese O ABC na Educação Científica - Mão na Massa: Construindo uma proposta de avaliação educacional com base em pesquisa sobre a implementação do projeto, desenvolvida por Sandra Maria Gomes de Azevedo no Programa de Pós-Graduação em Ensino em Biociências e Saúde do IOC sob orientação de Danielle. Atualmente, Sandra coordena o projeto na região Noroeste Fluminense. Um exemplo mais recente é a ampliação do projeto à educação infantil, movimento desenvolvido no projeto de doutoramento atualmente desenvolvido por Ângela Ribeiro, uma das coordenadoras da creche Fiocruz.
“A criança é muito ligada ao mundo vivo”, Danielle destaca. “Por que o sol desaparece à noite? Para onde ele vai? São assuntos deste gênero que instigam a curiosidade das crianças. Trabalhamos a partir das observações delas, estimulando-as a assumir uma postura de questionar a própria realidade e a buscar respostas a estas questões”, resume. Os alunos atendidos pelo projeto são, em sua maioria, do Ensino Fundamental público, mas também há prioridade para a formação de professores, ligada ao Ensino Médio.
O jogo "Ciclo da Vida" é um dos produtos do projeto ABC na Educação Científica - Mão na Massa
Sandra comenta que existe insegurança dos professores do Ensino Fundamental dentro da sala de aula. “Principalmente quando precisam trabalhar as questões de ciências, justamente porque se faz uma quantidade enorme de perguntas”, pondera. “O professor de primeira a quarta série é um professor polivalente, tem que saber de tudo, não é tarefa fácil”, Danielle completa. “Além disso, ainda se trabalha com o conceito de alfabetização no sentido estrito de aprender a ler, escrever e contar. Quando falamos em alfabetismo, o que queremos é trazer uma leitura de mundo. Para isso, o ensino de ciências é muito importante. Se este fica relegado, a curiosidade das crianças também fica relegada”, resume.
Ensino transdisciplinar
Um dos princípios do projeto ABC na Educação Científica é trabalhar as ciências de maneira integrada com a linguagem. Danielle acrescenta que, muitas vezes, a família das crianças atendidas é iletrada. “Muitas crianças com as quais trabalhamos vêm de lares que não têm livro, não têm lápis. Trabalhamos, então, com as perguntas-desafio das ciências priorizando a interação com um trabalho de registro dos experimentos através da linguagem. Assim, a ciência vai se integrando cada vez mais à cultura das crianças envolvidas”, afirma.
O projeto é mais do que interdisciplinar – “é transdisciplinar”, as pesquisadoras explicam. “A realidade chega à escola trabalhada no ensino de ciências juntamente com a linguagem, e algumas vezes com a matemática, dado que esta também ajuda a compreender melhor a realidade cotidiana. Debatendo temas que interessam a elas, a interlocução entre as crianças aumenta e, desta forma, desenvolvem cada vez mais a expressão oral e escrita, que vem, ainda, acompanhada do desenvolvimento mais acentuado do pensamento crítico e criativo”.
Outra importante característica do projeto é a contextualização da ciência no universo do aluno. Prova disso é o jogo do ABC Dengue, desenvolvido durante um surto de dengue ocorrido no Rio de Janeiro. A partir do problema, os professores foram estimulados a produzir coletivamente um material sobre este tema, associado à proposta pedagógica interativa. O material foi utilizado em um workshop na Colômbia e acabou de ser encomendado pelos parceiros latino-americanos do projeto na América Central.
“O processo, que durou um ano de construção coletiva, envolvendo cientistas do IOC e professores públicos de diversos municípios do Estado, resultou em material simples que suscita inúmeras aplicações a partir de um conjunto de cartas com imagens associadas à promoção da saúde e qualidade de vida”, Danielle sintetiza. Segundo a pesquisadora, pensamento crítico e postura racional diante das questões da vida são alguns dos benefícios que as crianças do projeto ABC na Educação Científica nunca mais perderão. “Para nós, é muito mais importante enfatizar a observação e a elaboração de perguntas inovadoras sobre o cotidiano do que respostas únicas e repetidas entre as crianças e os professores envolvidos”, Danielle aponta.
Autonomia e criatividade
Fortalecer a autonomia e a criatividade das crianças e, ainda, iniciá-las no mundo da ciência são alguns dos principais diferenciais da versão brasileira do projeto. “De acordo com as questões que são colocadas em classe e com o conteúdo trabalhado, os alunos também criam experimentos. É diferente, por exemplo, do que é feito na França, onde os experimentos são criados para as crianças por profissionais”, Sandra descreve.
Danielle explica que o ensino de ciências ainda se pauta pela memorização. “Responder questionários, decorar, fazer provas. Não estamos defendendo que não se deva fazer prova. No entanto, a prova é uma medida do conhecimento em um dado momento – não uma avaliação”, ressalta. Na concepção do projeto, educação não é um conjunto de momentos, mas um processo. Neste sentido, a contribuição do trabalho de mestrado desenvolvido por Sandra é a busca de parâmetros de avaliação do processo educativo. “Seria incoerente avaliar todo um projeto educacional que pretende estimular a criatividade, o pensamento crítico, o desenvolvimento da expressão escrita e argumentação oral através, unicamente, de uma prova final”, Danielle argumenta. “O projeto não busca formar pequenos cientistas, mas dar acesso à cultura científica e, mais do que isso, estimular uma postura cidadã”, Danielle ressalta.
Saiba mais em www.ioc.fiocruz.br/abcnaciencia
Gustavo Barreto
02/08/2007
Fortalecer a autonomia e a criatividade das crianças, estimulá-las a descobrir o mundo da ciência enfrentando os problemas locais de modo consciente e em integração com sua cultura. Estes são alguns dos objetivos do projeto ABC na Educação Científica - Mão na Massa. O projeto – em francês, La Main à la Pâte (LAMAP) – é uma iniciativa internacional, fruto da cooperação entre as Academias de Ciências francesa e brasileira. No Brasil, o Instituto Oswaldo Cruz (IOC) é um importante parceiro do projeto.
“ABC designa Academia Brasileira de Ciências e, ao mesmo tempo, tem a ver com alfabetismo, um conceito diferente de alfabetização”, observa Danielle Grynszpan, pesquisadora do Setor de Alfabetismo Científico do Laboratório de Pesquisa em Auto-imunidade e Imuno-regulação do IOC e coordenadora do projeto no Estado do Rio de Janeiro. “Trata-se de um processo de alfabetização científica que, uma vez iniciado, prossegue pela vida toda e, portanto, considerado um letramento em ciência”, explica Danielle, que completa assinalando que a metodologia do projeto é inovadora, também, por associar o processo de ensino-aprendizagem em ciências com o desenvolvimento da capacidade oral e da argumentação escrita.
Novas metodologias de ensino desenvolvidas por pesquisadores do IOC em ação na creche que funciona na Fiocruz
“Não é apenas uma metodologia participativa, que incita à reflexão e à ação, mas também, e principalmente, convida à interação o tempo todo. Começa sempre com um desafio, que provoca uma maior aproximação dos educadores com os estudantes, sejam crianças ou adultos, em diversas dimensões: destes entre si, da escola com as famílias, da comunidade escolar com a sociedade de seu entorno e com o mundo. E estas múltiplas interações propiciam o desenvolvimento em vários aspectos: cognitivo, ético e afetivo”.
As atividades se concentram na renovação do ensino de ciências e na criação de estratégias que estimulem a melhoria da educação em ciência com o envolvimento de professores públicos, que se tornam multiplicadores da proposta. Alguns dos professores que participam da iniciativa no Rio de Janeiro ganham bolsas de estudo financiadas pelo governo estadual para fazerem cursos de especialização no IOC. Em contrapartida, o consulado francês tem oferecido apoio para a oferta de cursos de francês para alunos da nossa Pós-Graduação.
O projeto, realizado desde agosto de 2001 no Estado do Rio de Janeiro, já se estendeu a 35 escolas da região do Noroeste Fluminense – incluindo cidades como Pádua, Miracema, Aperibé, Itaocara, São Gonçalo e Maricá. No Estado de São Paulo, as cidades de São Paulo e São Carlos mantêm atividades do projeto, que ainda vem acontecendo em outros pólos nacionais mais recentes, como em Santa Catarina, Minas Gerais, Bahia e Pernambuco.
Ciência no cotidiano
Segundo Danielle, o trabalho realizado pelo projeto no Estado do Rio de Janeiro vem sendo desenvolvido associado à pesquisa. Exemplo desta proposta é a avaliação da implementação do projeto em quatro municípios fluminenses na tese O ABC na Educação Científica - Mão na Massa: Construindo uma proposta de avaliação educacional com base em pesquisa sobre a implementação do projeto, desenvolvida por Sandra Maria Gomes de Azevedo no Programa de Pós-Graduação em Ensino em Biociências e Saúde do IOC sob orientação de Danielle. Atualmente, Sandra coordena o projeto na região Noroeste Fluminense. Um exemplo mais recente é a ampliação do projeto à educação infantil, movimento desenvolvido no projeto de doutoramento atualmente desenvolvido por Ângela Ribeiro, uma das coordenadoras da creche Fiocruz.
“A criança é muito ligada ao mundo vivo”, Danielle destaca. “Por que o sol desaparece à noite? Para onde ele vai? São assuntos deste gênero que instigam a curiosidade das crianças. Trabalhamos a partir das observações delas, estimulando-as a assumir uma postura de questionar a própria realidade e a buscar respostas a estas questões”, resume. Os alunos atendidos pelo projeto são, em sua maioria, do Ensino Fundamental público, mas também há prioridade para a formação de professores, ligada ao Ensino Médio.
O jogo "Ciclo da Vida" é um dos produtos do projeto ABC na Educação Científica - Mão na Massa
Sandra comenta que existe insegurança dos professores do Ensino Fundamental dentro da sala de aula. “Principalmente quando precisam trabalhar as questões de ciências, justamente porque se faz uma quantidade enorme de perguntas”, pondera. “O professor de primeira a quarta série é um professor polivalente, tem que saber de tudo, não é tarefa fácil”, Danielle completa. “Além disso, ainda se trabalha com o conceito de alfabetização no sentido estrito de aprender a ler, escrever e contar. Quando falamos em alfabetismo, o que queremos é trazer uma leitura de mundo. Para isso, o ensino de ciências é muito importante. Se este fica relegado, a curiosidade das crianças também fica relegada”, resume.
Ensino transdisciplinar
Um dos princípios do projeto ABC na Educação Científica é trabalhar as ciências de maneira integrada com a linguagem. Danielle acrescenta que, muitas vezes, a família das crianças atendidas é iletrada. “Muitas crianças com as quais trabalhamos vêm de lares que não têm livro, não têm lápis. Trabalhamos, então, com as perguntas-desafio das ciências priorizando a interação com um trabalho de registro dos experimentos através da linguagem. Assim, a ciência vai se integrando cada vez mais à cultura das crianças envolvidas”, afirma.
O projeto é mais do que interdisciplinar – “é transdisciplinar”, as pesquisadoras explicam. “A realidade chega à escola trabalhada no ensino de ciências juntamente com a linguagem, e algumas vezes com a matemática, dado que esta também ajuda a compreender melhor a realidade cotidiana. Debatendo temas que interessam a elas, a interlocução entre as crianças aumenta e, desta forma, desenvolvem cada vez mais a expressão oral e escrita, que vem, ainda, acompanhada do desenvolvimento mais acentuado do pensamento crítico e criativo”.
Outra importante característica do projeto é a contextualização da ciência no universo do aluno. Prova disso é o jogo do ABC Dengue, desenvolvido durante um surto de dengue ocorrido no Rio de Janeiro. A partir do problema, os professores foram estimulados a produzir coletivamente um material sobre este tema, associado à proposta pedagógica interativa. O material foi utilizado em um workshop na Colômbia e acabou de ser encomendado pelos parceiros latino-americanos do projeto na América Central.
“O processo, que durou um ano de construção coletiva, envolvendo cientistas do IOC e professores públicos de diversos municípios do Estado, resultou em material simples que suscita inúmeras aplicações a partir de um conjunto de cartas com imagens associadas à promoção da saúde e qualidade de vida”, Danielle sintetiza. Segundo a pesquisadora, pensamento crítico e postura racional diante das questões da vida são alguns dos benefícios que as crianças do projeto ABC na Educação Científica nunca mais perderão. “Para nós, é muito mais importante enfatizar a observação e a elaboração de perguntas inovadoras sobre o cotidiano do que respostas únicas e repetidas entre as crianças e os professores envolvidos”, Danielle aponta.
Autonomia e criatividade
Fortalecer a autonomia e a criatividade das crianças e, ainda, iniciá-las no mundo da ciência são alguns dos principais diferenciais da versão brasileira do projeto. “De acordo com as questões que são colocadas em classe e com o conteúdo trabalhado, os alunos também criam experimentos. É diferente, por exemplo, do que é feito na França, onde os experimentos são criados para as crianças por profissionais”, Sandra descreve.
Danielle explica que o ensino de ciências ainda se pauta pela memorização. “Responder questionários, decorar, fazer provas. Não estamos defendendo que não se deva fazer prova. No entanto, a prova é uma medida do conhecimento em um dado momento – não uma avaliação”, ressalta. Na concepção do projeto, educação não é um conjunto de momentos, mas um processo. Neste sentido, a contribuição do trabalho de mestrado desenvolvido por Sandra é a busca de parâmetros de avaliação do processo educativo. “Seria incoerente avaliar todo um projeto educacional que pretende estimular a criatividade, o pensamento crítico, o desenvolvimento da expressão escrita e argumentação oral através, unicamente, de uma prova final”, Danielle argumenta. “O projeto não busca formar pequenos cientistas, mas dar acesso à cultura científica e, mais do que isso, estimular uma postura cidadã”, Danielle ressalta.
Saiba mais em www.ioc.fiocruz.br/abcnaciencia
Gustavo Barreto
02/08/2007
Permitida a reprodução sem fins lucrativos do texto desde que citada a fonte (Comunicação / Instituto Oswaldo Cruz)