As mais de 53 mil vidas brasileiras perdidas por causa da Covid-19 até 25 de junho foram homenageadas na sessão do Núcleo de Estudos Avançados do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) realizada na última quinta-feira (25/06). Com o tema ‘Em defesa da vida’, o evento ressaltou o valor intrínseco da vida humana e alertou para o risco da banalização morte e da invisibilidade, que, no contexto da pandemia, atinge especialmente grupos vulneráveis, como os povos indígenas.
O encontro contou com a participação do filósofo João Carlos Salles, reitor da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e presidente da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes); do escritor Marco Lucchesi, presidente da Academia Brasileira de Letras (ABL), e do líder indígena e ambientalista Ailton Krenak. Seguindo as recomendações de distanciamento físico para conter a disseminação do novo coronavírus, o debate online foi transmitido pelo canal do IOC no Youtube.
Na abertura da sessão, o coordenador do Núcleo, Renato Cordeiro, lamentou as mortes registradas no Brasil e destacou a relevância do Sistema Único de Saúde (SUS) para evitar um cenário mais dramático. “O ser humano, sua saúde, seus meios de sobrevivência e espaços de vida e habitação precisam ser valorizados pelas autoridades e pelos governos”, afirmou o pesquisador emérito, apontando múltiplas questões em que a defesa da vida se faz necessária atualmente, incluindo a miséria, o racismo, o genocídio de povos indígenas, os assassinatos de pessoas LGBTs, a violência contra mulheres, as mortes por ações policiais, a destruição ambiental, as reformas que retiram direitos da população e os cortes de verbas que atingem a ciência e a cultura no país.
A presidente da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Nísia Trindade Lima, ressaltou que a instituição está dedicada ao enfrentamento da Covid-19 e enfatizou o compromisso com os povos indígenas. “A pandemia vem causando sofrimento a todos, mas sobretudo àqueles grupos vulnerabilizados a partir de visões, omissões e ausência de trabalhos que precisam ser feitos. Quero declarar aqui não só a solidariedade, mas o compromisso da nossa instituição”, disse Nísia.
Diante da escalada diária de mortes por Covid-19, o filósofo João Carlos Salles alertou para o risco de perdemos a sensibilidade para o valor da vida. “Hoje deveríamos estar de luto, não só pelas vítimas da pandemia, mas por ações que trarão novas vítimas”, afirmou, referindo-se à proposta de privatização prevista no novo marco legal do saneamento, aprovado em 24 de junho. “Pelos nossos mortos presentes e futuros e pelos marcadores sociais que fazem com que a distribuição da morte se dê desigualmente”, completou.
Para João Carlos Salles, a vida 'é algo que nos irmana mais fundamentalmente do que sequer pode ser dito'. Foto: Josué DamacenaO reitor enfatizou que, na dimensão filosófica, a vida não está no mesmo patamar de outros objetos da ciência pois é, ao mesmo tempo, um fato e um valor. Lembrando a abordagem de Wittgenstein, para quem a noção da vida está além das proposições possíveis da ciência, Salles disse que, ainda que possa ser analisada como fenômeno biológico, sociológico ou em curvas de pandemia, “a vida tem algo que nos escapa; é um valor que não se restringe a fatos concretos”.
“Esse objeto que hoje é passível de cálculo, ao ser deslocado para o cálculo, denuncia, pela sua fragilidade e força, a degradação moral em que vivemos. A defesa da vida não é como a defesa de um forte, é a defesa de algo que nos irmana mais fundamentalmente do que sequer pode ser dito”, declarou.
O poema “Silêncios”, de Mario Quintana, que aborda “o silêncio de uma lápide que ninguém lê”, foi recitado pelo reitor no encerramento da palestra. “Vivemos hoje este último silêncio, de uma forma pavorosa, que nos ameaça como sociedade e civilização”, concluiu.
O escritor Marco Lucchesi, presidente da Academia Brasileira de Letras (ABL), ressaltou como a pandemia mudou a rotina de rituais fúnebres. "Talvez seja uma das dores mais difíceis, aquela de não podermos compartilhar a dor, não apenas a presença da despedida propriamente dita, mas a concelebração de uma memória presente, inegociável. É parte do nosso rito de passagem – até essa cerimônia de adeus nos foi sequestrada", destacou.
Marco Lucchesi classificou como incompreensíveis os ataques à ciência e ressaltou papel de universidade e centros de pesquisa no país. Foto: Josué DamacenaCom essa introdução, Lucchesi chamou atenção para o que definiu como "desagregação do tecido social da memória brasileira" que, segundo ele, demonstra de maneira drástica a invisibilidade social. "O que me espanta de forma continuada é a defesa da morte. Pessoas que se põem contrárias ao aborto, e não abrem mão disso, no entanto não se preocupam com o possível genocídio que acontece hoje nas prisões brasileiras", acrescentou. O aumento de casos de Covid-19 nos presídios do país foi denunciado à Organização das Nações Unidas (ONU) e à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) por mais de 200 entidades.
Segundo o escritor, a manutenção e ampliação da participação do Estado é essencial no gerenciamento da crise da pandemia. "Se não fosse o SUS, o colapso e o drama, que já não são pequenos, alcançariam proporções inimagináveis", salientou. O presidente da ABL classificou como incompreensíveis os ataques à ciência no país e ressaltou o papel de universidades e instituições de pesquisa na construção da democracia. "A própria Fiocruz produziu, ao longo de 120 anos, não apenas médicos sanitaristas, mas pensadores da defesa da vida", concluiu.
O líder indígena e ambientalista Ailton Krenak destacou que a pandemia tem afetado principalmente os idosos indígenas. Ele lembrou as mortes recentes dos líderes indígenas Mário Puyanawa, de 77 anos, e Higino Tuyuka, de 65 anos, ambos vítimas da Covid-19. Dados da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) contabilizam 383 mortes e mais de 9 mil casos de infecção até o dia 29 de junho.
Ailton Krenak disse que escassez de atendimento e despreparo dos profissionais prejudicam a assistência aos indígenas. Foto: Josué Damacena"Nós estamos sofrendo mais uma grave tentativa de genocídio. Não podemos tratar esse momento como se fosse só um descuido ou falta de capacidade da economia do nosso país de estender a todos os brasileiros os serviços essenciais para a saúde, para a segurança alimentar, para uma vida que seja só o previsível. Temos milhares de pessoas que estão fora de qualquer arranjo que possa nos integrar à sociedade brasileira", afirmou.
Krenak ressaltou que além da escassez no atendimento, há despreparo dos profissionais de saúde para o tratamento da população indígena. "Famílias indígenas inteiras foram infectadas e passaram toda a aflição do contágio sem nenhuma assistência. Tivemos também casos de comunidades indígenas em que os agentes de saúde foram os vetores do contágio, denunciando uma falta de cuidado e desorientação no serviço do sistema da saúde que alcança as aldeias", pontuou.
Para Krenak, a pandemia é uma oportunidade para discutir a relação dos povos indígenas com o sistema de saúde. "Como a saúde no Brasil aborda esses corpos que não são urbanos, que vivem no mato ou na floresta? De que forma eles são convocados para esse sistema da saúde? E que respeito existe ou que resguardo é dado às práticas tradicionais da saúde indígena que possibilitam que, num momento desse, recorra-se a outras terapêuticas?", questionou.
Na abertura do debate, o coordenador do Núcleo, Renato Cordeiro, lembrou que os saberes indígenas sobre as propriedades medicinais de plantas estão na base de muitas pesquisas da farmacologia e ponderou sobre a possibilidade de perda desses conhecimentos entre as novas gerações. O diretor do IOC, José Paulo Gagliardi Leite, comentou a atuação do Instituto em pesquisas e na formação de recursos humanos na Região Norte. Citando viagens recentes à região, apontou desafios para a saúde indígena, como a necessidade de grandes deslocamentos para atendimentos em centros urbanos.
Debate online teve interação com público e perguntas enviadas por chat. Em sentido horário: Renato Cordeiro, João Carlos Salles, Maria de Lourdes Aguiar Oliveira, Marco Luchesi e José Paulo Gagliardi Leite. Foto: Josué DamacenaAilton Krenak ressaltou que o cenário atual dos povos indígenas é resultado de processos históricos. Ele defendeu a relevância das conquistas da Constituição Federal de 1988, mas pontuou que o modelo estabelecido para a saúde indígena é insuficiente. “Ele tira os índios do seu território para serem atendidos em Casais [Casas de Apoio à Saúde Indígena], onde podem pegar contágio de outras doenças. Depois, se pioram, são removidos para hospitais. Tinha que rever isso. Deveria ter mais atenção para o contágio e o fato de os indígenas sofrerem erosão cultural e perda das suas próprias práticas de cuidado”, declarou. O líder indígena e ambientalista também afirmou que o Estado brasileiro nega a diferença e as políticas públicas não contemplam os povos originais, sendo influenciadas principalmente por setores econômicos com interesse na exploração das terras indígenas para mineração e agricultura.
Durante a interação com os espectadores da transmissão, o pesquisador do Instituto Carlos Chagas (Fiocruz-Paraná) Samuel Goldenberg expressou preocupação sobre a banalização da morte e questionou os palestrantes sobre os possíveis cenários pós-pandemia. O reitor da UFBA considerou que a Covid-19 pode reforçar a exclusão social no Brasil. “Algumas pessoas imaginam que a pandemia, como uma confissão de pecados, viria redimir nossa sociedade. Lamento achar o contrário. Penso que esse legado de autoritarismo e morte pode reforçar traços estruturais da nossa sociedade de exclusão, como o desprezo pela cultura indígena”, disse João Carlos Salles. O presidente da ABL defendeu que será preciso honrar os mortos da pandemia. “Esse será o sinal mínimo de civilidade, onde as grandes concepções teológicas façam a defesa da vida e da dignidade da vida e dos corpos. [Para as vítimas enterradas em valas comuns] deverá ser recuperado nome a nome, com todo o respeito, não será um favor”, afirmou Marco Luchesi.
A coordenadora do Núcleo, Maria de Lourdes Aguiar Oliveira, apresentou ainda as perguntas enviadas através do chat durante o evento, como o questionamento sobre as práticas de saúde indígenas para tratamento de quadros respiratórios. Krenak esclareceu que, na cultura indígena, as doenças não se limitam a problemas no funcionamento do organismo, mas podem estar ligadas a questões espirituais. Ele citou diferentes abordagens que podem ir de rituais a tratamentos com óleos e gorduras animais, dependendo do caso. “Infelizmente, não temos uma cura para Covid-19 e espero que a vacina chegue logo. Mas acredito que o organismo da terra e nosso organismo precisam ser compatibilizados. A Covid-19 é uma crise ecológica e planetária. A gente desafinou com o organismo ecológico da terra”, pontuou.
As mais de 53 mil vidas brasileiras perdidas por causa da Covid-19 até 25 de junho foram homenageadas na sessão do Núcleo de Estudos Avançados do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) realizada na última quinta-feira (25/06). Com o tema ‘Em defesa da vida’, o evento ressaltou o valor intrínseco da vida humana e alertou para o risco da banalização morte e da invisibilidade, que, no contexto da pandemia, atinge especialmente grupos vulneráveis, como os povos indígenas.
O encontro contou com a participação do filósofo João Carlos Salles, reitor da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e presidente da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes); do escritor Marco Lucchesi, presidente da Academia Brasileira de Letras (ABL), e do líder indígena e ambientalista Ailton Krenak. Seguindo as recomendações de distanciamento físico para conter a disseminação do novo coronavírus, o debate online foi transmitido pelo canal do IOC no Youtube.
Na abertura da sessão, o coordenador do Núcleo, Renato Cordeiro, lamentou as mortes registradas no Brasil e destacou a relevância do Sistema Único de Saúde (SUS) para evitar um cenário mais dramático. “O ser humano, sua saúde, seus meios de sobrevivência e espaços de vida e habitação precisam ser valorizados pelas autoridades e pelos governos”, afirmou o pesquisador emérito, apontando múltiplas questões em que a defesa da vida se faz necessária atualmente, incluindo a miséria, o racismo, o genocídio de povos indígenas, os assassinatos de pessoas LGBTs, a violência contra mulheres, as mortes por ações policiais, a destruição ambiental, as reformas que retiram direitos da população e os cortes de verbas que atingem a ciência e a cultura no país.
A presidente da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Nísia Trindade Lima, ressaltou que a instituição está dedicada ao enfrentamento da Covid-19 e enfatizou o compromisso com os povos indígenas. “A pandemia vem causando sofrimento a todos, mas sobretudo àqueles grupos vulnerabilizados a partir de visões, omissões e ausência de trabalhos que precisam ser feitos. Quero declarar aqui não só a solidariedade, mas o compromisso da nossa instituição”, disse Nísia.
Diante da escalada diária de mortes por Covid-19, o filósofo João Carlos Salles alertou para o risco de perdemos a sensibilidade para o valor da vida. “Hoje deveríamos estar de luto, não só pelas vítimas da pandemia, mas por ações que trarão novas vítimas”, afirmou, referindo-se à proposta de privatização prevista no novo marco legal do saneamento, aprovado em 24 de junho. “Pelos nossos mortos presentes e futuros e pelos marcadores sociais que fazem com que a distribuição da morte se dê desigualmente”, completou.
Para João Carlos Salles, a vida 'é algo que nos irmana mais fundamentalmente do que sequer pode ser dito'. Foto: Josué DamacenaO reitor enfatizou que, na dimensão filosófica, a vida não está no mesmo patamar de outros objetos da ciência pois é, ao mesmo tempo, um fato e um valor. Lembrando a abordagem de Wittgenstein, para quem a noção da vida está além das proposições possíveis da ciência, Salles disse que, ainda que possa ser analisada como fenômeno biológico, sociológico ou em curvas de pandemia, “a vida tem algo que nos escapa; é um valor que não se restringe a fatos concretos”.
“Esse objeto que hoje é passível de cálculo, ao ser deslocado para o cálculo, denuncia, pela sua fragilidade e força, a degradação moral em que vivemos. A defesa da vida não é como a defesa de um forte, é a defesa de algo que nos irmana mais fundamentalmente do que sequer pode ser dito”, declarou.
O poema “Silêncios”, de Mario Quintana, que aborda “o silêncio de uma lápide que ninguém lê”, foi recitado pelo reitor no encerramento da palestra. “Vivemos hoje este último silêncio, de uma forma pavorosa, que nos ameaça como sociedade e civilização”, concluiu.
O escritor Marco Lucchesi, presidente da Academia Brasileira de Letras (ABL), ressaltou como a pandemia mudou a rotina de rituais fúnebres. "Talvez seja uma das dores mais difíceis, aquela de não podermos compartilhar a dor, não apenas a presença da despedida propriamente dita, mas a concelebração de uma memória presente, inegociável. É parte do nosso rito de passagem – até essa cerimônia de adeus nos foi sequestrada", destacou.
Marco Lucchesi classificou como incompreensíveis os ataques à ciência e ressaltou papel de universidade e centros de pesquisa no país. Foto: Josué DamacenaCom essa introdução, Lucchesi chamou atenção para o que definiu como "desagregação do tecido social da memória brasileira" que, segundo ele, demonstra de maneira drástica a invisibilidade social. "O que me espanta de forma continuada é a defesa da morte. Pessoas que se põem contrárias ao aborto, e não abrem mão disso, no entanto não se preocupam com o possível genocídio que acontece hoje nas prisões brasileiras", acrescentou. O aumento de casos de Covid-19 nos presídios do país foi denunciado à Organização das Nações Unidas (ONU) e à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) por mais de 200 entidades.
Segundo o escritor, a manutenção e ampliação da participação do Estado é essencial no gerenciamento da crise da pandemia. "Se não fosse o SUS, o colapso e o drama, que já não são pequenos, alcançariam proporções inimagináveis", salientou. O presidente da ABL classificou como incompreensíveis os ataques à ciência no país e ressaltou o papel de universidades e instituições de pesquisa na construção da democracia. "A própria Fiocruz produziu, ao longo de 120 anos, não apenas médicos sanitaristas, mas pensadores da defesa da vida", concluiu.
O líder indígena e ambientalista Ailton Krenak destacou que a pandemia tem afetado principalmente os idosos indígenas. Ele lembrou as mortes recentes dos líderes indígenas Mário Puyanawa, de 77 anos, e Higino Tuyuka, de 65 anos, ambos vítimas da Covid-19. Dados da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) contabilizam 383 mortes e mais de 9 mil casos de infecção até o dia 29 de junho.
Ailton Krenak disse que escassez de atendimento e despreparo dos profissionais prejudicam a assistência aos indígenas. Foto: Josué Damacena"Nós estamos sofrendo mais uma grave tentativa de genocídio. Não podemos tratar esse momento como se fosse só um descuido ou falta de capacidade da economia do nosso país de estender a todos os brasileiros os serviços essenciais para a saúde, para a segurança alimentar, para uma vida que seja só o previsível. Temos milhares de pessoas que estão fora de qualquer arranjo que possa nos integrar à sociedade brasileira", afirmou.
Krenak ressaltou que além da escassez no atendimento, há despreparo dos profissionais de saúde para o tratamento da população indígena. "Famílias indígenas inteiras foram infectadas e passaram toda a aflição do contágio sem nenhuma assistência. Tivemos também casos de comunidades indígenas em que os agentes de saúde foram os vetores do contágio, denunciando uma falta de cuidado e desorientação no serviço do sistema da saúde que alcança as aldeias", pontuou.
Para Krenak, a pandemia é uma oportunidade para discutir a relação dos povos indígenas com o sistema de saúde. "Como a saúde no Brasil aborda esses corpos que não são urbanos, que vivem no mato ou na floresta? De que forma eles são convocados para esse sistema da saúde? E que respeito existe ou que resguardo é dado às práticas tradicionais da saúde indígena que possibilitam que, num momento desse, recorra-se a outras terapêuticas?", questionou.
Na abertura do debate, o coordenador do Núcleo, Renato Cordeiro, lembrou que os saberes indígenas sobre as propriedades medicinais de plantas estão na base de muitas pesquisas da farmacologia e ponderou sobre a possibilidade de perda desses conhecimentos entre as novas gerações. O diretor do IOC, José Paulo Gagliardi Leite, comentou a atuação do Instituto em pesquisas e na formação de recursos humanos na Região Norte. Citando viagens recentes à região, apontou desafios para a saúde indígena, como a necessidade de grandes deslocamentos para atendimentos em centros urbanos.
Debate online teve interação com público e perguntas enviadas por chat. Em sentido horário: Renato Cordeiro, João Carlos Salles, Maria de Lourdes Aguiar Oliveira, Marco Luchesi e José Paulo Gagliardi Leite. Foto: Josué DamacenaAilton Krenak ressaltou que o cenário atual dos povos indígenas é resultado de processos históricos. Ele defendeu a relevância das conquistas da Constituição Federal de 1988, mas pontuou que o modelo estabelecido para a saúde indígena é insuficiente. “Ele tira os índios do seu território para serem atendidos em Casais [Casas de Apoio à Saúde Indígena], onde podem pegar contágio de outras doenças. Depois, se pioram, são removidos para hospitais. Tinha que rever isso. Deveria ter mais atenção para o contágio e o fato de os indígenas sofrerem erosão cultural e perda das suas próprias práticas de cuidado”, declarou. O líder indígena e ambientalista também afirmou que o Estado brasileiro nega a diferença e as políticas públicas não contemplam os povos originais, sendo influenciadas principalmente por setores econômicos com interesse na exploração das terras indígenas para mineração e agricultura.
Durante a interação com os espectadores da transmissão, o pesquisador do Instituto Carlos Chagas (Fiocruz-Paraná) Samuel Goldenberg expressou preocupação sobre a banalização da morte e questionou os palestrantes sobre os possíveis cenários pós-pandemia. O reitor da UFBA considerou que a Covid-19 pode reforçar a exclusão social no Brasil. “Algumas pessoas imaginam que a pandemia, como uma confissão de pecados, viria redimir nossa sociedade. Lamento achar o contrário. Penso que esse legado de autoritarismo e morte pode reforçar traços estruturais da nossa sociedade de exclusão, como o desprezo pela cultura indígena”, disse João Carlos Salles. O presidente da ABL defendeu que será preciso honrar os mortos da pandemia. “Esse será o sinal mínimo de civilidade, onde as grandes concepções teológicas façam a defesa da vida e da dignidade da vida e dos corpos. [Para as vítimas enterradas em valas comuns] deverá ser recuperado nome a nome, com todo o respeito, não será um favor”, afirmou Marco Luchesi.
A coordenadora do Núcleo, Maria de Lourdes Aguiar Oliveira, apresentou ainda as perguntas enviadas através do chat durante o evento, como o questionamento sobre as práticas de saúde indígenas para tratamento de quadros respiratórios. Krenak esclareceu que, na cultura indígena, as doenças não se limitam a problemas no funcionamento do organismo, mas podem estar ligadas a questões espirituais. Ele citou diferentes abordagens que podem ir de rituais a tratamentos com óleos e gorduras animais, dependendo do caso. “Infelizmente, não temos uma cura para Covid-19 e espero que a vacina chegue logo. Mas acredito que o organismo da terra e nosso organismo precisam ser compatibilizados. A Covid-19 é uma crise ecológica e planetária. A gente desafinou com o organismo ecológico da terra”, pontuou.
Permitida a reprodução sem fins lucrativos do texto desde que citada a fonte (Comunicação / Instituto Oswaldo Cruz)