Portuguese English Spanish
Interface
Adjust the interface to make it easier to use for different conditions.
This renders the document in high contrast mode.
This renders the document as white on black
This can help those with trouble processing rapid screen movements.
This loads a font easier to read for people with dyslexia.

vw_cabecalho_novo

Busca Avançada
Você está aqui: Notícias » Estudo amplia conhecimento da dispersão do vírus da hepatite B nas Américas

Estudo amplia conhecimento da dispersão do vírus da hepatite B nas Américas

Análise relaciona introdução do genótipo D do microrganismo no continente a grandes migrações ocorridas entre os séculos XIX e XX
Por Lucas Rocha29/08/2019 - Atualizado em 30/06/2022

Pesquisadores do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) traçaram a evolução e dispersão de um dos perfis genéticos do vírus da hepatite B nas Américas, responsável por casos de desenvolvimento de câncer de fígado. Conhecido como genótipo D, este perfil também está relacionado a baixas respostas ao tratamento pelo interferon, um dos principais medicamentos usados no combate à infecção. Segundo estimativas da Organização Mundial da Saúde (OMS), há, ao menos, 257 milhões de portadores crônicos da hepatite B em todo o mundo.

“Amplamente distribuído no planeta, o vírus da hepatite B é dividido em pelo menos dez genótipos, que são identificados por letras de A a J. Com distribuição geográfica distinta, esses perfis genéticos apresentam diferenças significativas na progressão da doença, resposta à terapia antiviral e desfechos clínicos”, explicou Natalia Motta de Araujo, pesquisadora do Laboratório de Virologia Molecular do IOC e coordenadora do estudo.

Após análise de dados do sequenciamento completo do genoma do vírus, realizado pelo grupo a partir de amostras brasileiras, e de sequências genéticas de países do continente americano disponíveis em um banco de dados internacional, os cientistas apontam que as principais rotas de introdução do genótipo D na região estão relacionadas a movimentos de migração em massa, entre os séculos XIX e XX, com origem principalmente na Síria, Líbano, Índia e em países da Europa Central e Oriental. 

“Conhecer as atividades humanas relacionadas à dispersão de um genótipo é importante para a vigilância em saúde, com definições, por exemplo, de estratégias de prevenção. Ampliar o conhecimento dos genótipos que circulam numa região contribui para o desenvolvimento de estudos acerca de diferenças clínicas e de respostas terapêuticas que podem ocorrer devido à genética do vírus”, destacou a pesquisadora.

Os pesquisadores realizaram o sequenciamento completo do genoma de 39 amostras, das cinco regiões do Brasil, de pacientes infectados com o genótipo D do vírus da hepatite B. Somaram-se à análise 1.135 sequências (209 completas e 926 parciais) isoladas no Brasil, Argentina, Canadá, Chile, Colômbia, Cuba, Haiti, Martinica, México, Estados Unidos e Venezuela.

Panorama genético

Com base em análises filogenéticas – uma espécie de árvore genealógica, só que do vírus -, os pesquisadores estabeleceram um panorama ainda mais detalhado considerando os subgenótipos que circulam no Brasil e nas Américas. Eles descobriram que, dos dez subgenótipos (do genótipo D) existentes, pelo menos cinco circulam no continente americano (D1, D2, D3, D4 e D7). Destes, apenas o D7 não foi identificado como circulante no Brasil. O subgenótipo D1 foi o mais prevalente na Argentina e Canadá, assim como o D2 nos Estados Unidos, o D3 no Brasil, e o D4 em Cuba e no Haiti. O que diferencia os subgenótipos são características bem específicas.


O sequenciamento de 39 amostras brasileiras, realizado no estudo, equivale a 19% dos genomas completos do genótipo D disponíveis para consulta no continente americano (Foto: Gutemberg Brito/IOC)

Para estimar a origem e data de introdução dos subgenótipos circulantes nas Américas, os pesquisadores analisaram as sequências genéticas com o uso de ferramentas de bioinformática que consideram principalmente o local de origem e a data de coleta das amostras. A reconstrução espaço-temporal mostrou que o subgenótipo D1 possivelmente tenha origem na Síria, de onde chegou ao Brasil, Cuba e Argentina em ocasiões diferentes. 

Já a análise filogeográfica do subgenótipo D2 sugeriu que o mais provável epicentro tenha sido a Europa Central e Oriental, com destaque para a Rússia, incluindo países como Estônia, Polônia e Sérvia. As sequências genéticas dos Estados Unidos, quando agrupadas com as indianas, apontaram que pelo menos duas introduções diferentes deste subgenótipo ocorreram no país norte-americano a partir da Índia. O principal período de introdução foi estimado entre 1966 e 1978. 

O subgenótipo D3 apresentou vias de dispersão complexas, incluindo diferentes regiões geográficas e múltiplas introduções. As análises destacaram que o D3 tenha como origem provável o Sul da Europa (Itália e Espanha) e o Brasil como fonte de dispersão para o continente. O subgenótipo D3 foi encontrado em todas as regiões do Brasil, com as mais altas taxas na Região Sul, que recebeu um fluxo intenso de imigrantes europeus. 

A investigação do D4 demonstrou uma maior prevalência desse subgenótipo em países americanos onde a população majoritária é de descendentes de africanos. Entretanto, os resultados sobre o local de origem do D4 foram inconclusivos. “Somente não foi possível desenhar a árvore filogenética do subgenótipo D7, devido à sua natureza recombinante e ao número limitado de sequências disponíveis”, ponderou a especialista.

Os pesquisadores destacaram que, de forma majoritária, os achados foram compatíveis com dados históricos e epidemiológicos, demonstrando assim a utilidade das ferramentas de bioinformática em estudos evolutivos. A migração europeia em massa para as Américas ocorreu do início do século XIX até meados do século XX, especialmente para os Estados Unidos, Argentina, Canadá, Brasil, Cuba e Uruguai. Em período semelhante, milhares de pessoas, principalmente da Síria, Líbano, Palestina, Turquia e Egito migraram para Cuba. Em relação ao Brasil, o movimento migratório de árabes, em especial de países como Síria e Líbano, também é documentado a partir da segunda metade do século XIX. Já nos Estados Unidos, um dos maiores grupos de imigrantes tem como origem a Índia.

O estudo foi realizado como parte do projeto de doutorado da estudante Natália Spitz Toledo Dias, do Programa de Pós-graduação Stricto sensu em Biologia Parasitária do IOC. “As análises também permitiram conhecer melhor a velocidade com que o vírus evolui e a forma como ele vai se modificando ao longo do tempo”, frisou. “Determinadas mutações são importantes do ponto de vista clínico, uma vez que podem gerar resistência a um medicamento antiviral, falha na resposta à vacina ou fazer com que o microrganismo não seja reconhecido nos kits de diagnóstico, por exemplo”, completou. 

A pesquisa, publicada no periódico científico Plos One, também contou com a contribuição dos pesquisadores do IOC Gonzalo Bello, do Laboratório de Aids e Imunologia Molecular; Selma Gomes, do Laboratório de Virologia Molecular; Francisco Mello, do Laboratório de Hepatites Virais, e Aline Moreira, do Laboratório de Genômica Funcional e Bioinformática. Participaram, ainda, especialistas da Universidade Federal de Goiás (UFG) e da Fundação Estadual de Produção e Pesquisa em Saúde (FEPPS), do Rio Grande do Sul.

Análise relaciona introdução do genótipo D do microrganismo no continente a grandes migrações ocorridas entre os séculos XIX e XX
Por: 
lucas

Pesquisadores do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) traçaram a evolução e dispersão de um dos perfis genéticos do vírus da hepatite B nas Américas, responsável por casos de desenvolvimento de câncer de fígado. Conhecido como genótipo D, este perfil também está relacionado a baixas respostas ao tratamento pelo interferon, um dos principais medicamentos usados no combate à infecção. Segundo estimativas da Organização Mundial da Saúde (OMS), há, ao menos, 257 milhões de portadores crônicos da hepatite B em todo o mundo.

“Amplamente distribuído no planeta, o vírus da hepatite B é dividido em pelo menos dez genótipos, que são identificados por letras de A a J. Com distribuição geográfica distinta, esses perfis genéticos apresentam diferenças significativas na progressão da doença, resposta à terapia antiviral e desfechos clínicos”, explicou Natalia Motta de Araujo, pesquisadora do Laboratório de Virologia Molecular do IOC e coordenadora do estudo.

Após análise de dados do sequenciamento completo do genoma do vírus, realizado pelo grupo a partir de amostras brasileiras, e de sequências genéticas de países do continente americano disponíveis em um banco de dados internacional, os cientistas apontam que as principais rotas de introdução do genótipo D na região estão relacionadas a movimentos de migração em massa, entre os séculos XIX e XX, com origem principalmente na Síria, Líbano, Índia e em países da Europa Central e Oriental. 

“Conhecer as atividades humanas relacionadas à dispersão de um genótipo é importante para a vigilância em saúde, com definições, por exemplo, de estratégias de prevenção. Ampliar o conhecimento dos genótipos que circulam numa região contribui para o desenvolvimento de estudos acerca de diferenças clínicas e de respostas terapêuticas que podem ocorrer devido à genética do vírus”, destacou a pesquisadora.

Os pesquisadores realizaram o sequenciamento completo do genoma de 39 amostras, das cinco regiões do Brasil, de pacientes infectados com o genótipo D do vírus da hepatite B. Somaram-se à análise 1.135 sequências (209 completas e 926 parciais) isoladas no Brasil, Argentina, Canadá, Chile, Colômbia, Cuba, Haiti, Martinica, México, Estados Unidos e Venezuela.

Panorama genético

Com base em análises filogenéticas – uma espécie de árvore genealógica, só que do vírus -, os pesquisadores estabeleceram um panorama ainda mais detalhado considerando os subgenótipos que circulam no Brasil e nas Américas. Eles descobriram que, dos dez subgenótipos (do genótipo D) existentes, pelo menos cinco circulam no continente americano (D1, D2, D3, D4 e D7). Destes, apenas o D7 não foi identificado como circulante no Brasil. O subgenótipo D1 foi o mais prevalente na Argentina e Canadá, assim como o D2 nos Estados Unidos, o D3 no Brasil, e o D4 em Cuba e no Haiti. O que diferencia os subgenótipos são características bem específicas.


O sequenciamento de 39 amostras brasileiras, realizado no estudo, equivale a 19% dos genomas completos do genótipo D disponíveis para consulta no continente americano (Foto: Gutemberg Brito/IOC)

Para estimar a origem e data de introdução dos subgenótipos circulantes nas Américas, os pesquisadores analisaram as sequências genéticas com o uso de ferramentas de bioinformática que consideram principalmente o local de origem e a data de coleta das amostras. A reconstrução espaço-temporal mostrou que o subgenótipo D1 possivelmente tenha origem na Síria, de onde chegou ao Brasil, Cuba e Argentina em ocasiões diferentes. 

Já a análise filogeográfica do subgenótipo D2 sugeriu que o mais provável epicentro tenha sido a Europa Central e Oriental, com destaque para a Rússia, incluindo países como Estônia, Polônia e Sérvia. As sequências genéticas dos Estados Unidos, quando agrupadas com as indianas, apontaram que pelo menos duas introduções diferentes deste subgenótipo ocorreram no país norte-americano a partir da Índia. O principal período de introdução foi estimado entre 1966 e 1978. 

O subgenótipo D3 apresentou vias de dispersão complexas, incluindo diferentes regiões geográficas e múltiplas introduções. As análises destacaram que o D3 tenha como origem provável o Sul da Europa (Itália e Espanha) e o Brasil como fonte de dispersão para o continente. O subgenótipo D3 foi encontrado em todas as regiões do Brasil, com as mais altas taxas na Região Sul, que recebeu um fluxo intenso de imigrantes europeus. 

A investigação do D4 demonstrou uma maior prevalência desse subgenótipo em países americanos onde a população majoritária é de descendentes de africanos. Entretanto, os resultados sobre o local de origem do D4 foram inconclusivos. “Somente não foi possível desenhar a árvore filogenética do subgenótipo D7, devido à sua natureza recombinante e ao número limitado de sequências disponíveis”, ponderou a especialista.

Os pesquisadores destacaram que, de forma majoritária, os achados foram compatíveis com dados históricos e epidemiológicos, demonstrando assim a utilidade das ferramentas de bioinformática em estudos evolutivos. A migração europeia em massa para as Américas ocorreu do início do século XIX até meados do século XX, especialmente para os Estados Unidos, Argentina, Canadá, Brasil, Cuba e Uruguai. Em período semelhante, milhares de pessoas, principalmente da Síria, Líbano, Palestina, Turquia e Egito migraram para Cuba. Em relação ao Brasil, o movimento migratório de árabes, em especial de países como Síria e Líbano, também é documentado a partir da segunda metade do século XIX. Já nos Estados Unidos, um dos maiores grupos de imigrantes tem como origem a Índia.

O estudo foi realizado como parte do projeto de doutorado da estudante Natália Spitz Toledo Dias, do Programa de Pós-graduação Stricto sensu em Biologia Parasitária do IOC. “As análises também permitiram conhecer melhor a velocidade com que o vírus evolui e a forma como ele vai se modificando ao longo do tempo”, frisou. “Determinadas mutações são importantes do ponto de vista clínico, uma vez que podem gerar resistência a um medicamento antiviral, falha na resposta à vacina ou fazer com que o microrganismo não seja reconhecido nos kits de diagnóstico, por exemplo”, completou. 

A pesquisa, publicada no periódico científico Plos One, também contou com a contribuição dos pesquisadores do IOC Gonzalo Bello, do Laboratório de Aids e Imunologia Molecular; Selma Gomes, do Laboratório de Virologia Molecular; Francisco Mello, do Laboratório de Hepatites Virais, e Aline Moreira, do Laboratório de Genômica Funcional e Bioinformática. Participaram, ainda, especialistas da Universidade Federal de Goiás (UFG) e da Fundação Estadual de Produção e Pesquisa em Saúde (FEPPS), do Rio Grande do Sul.

Edição: 
Vinicius Ferreira

Permitida a reprodução sem fins lucrativos do texto desde que citada a fonte (Comunicação / Instituto Oswaldo Cruz)