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Fiocruz investiga a ação de medicamentos antivirais contra o novo coronavírus

Remédios utilizados para tratamento do HIV apresentam bons resultados durante estudos em laboratório
Por Jornalismo IOC06/04/2020 - Atualizado em 23/03/2021

Uma pesquisa envolvendo cientistas de diversos grupos da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) constatou que o medicamento atazanavir, utilizado no tratamento do HIV, apresenta bons resultados sobre o novo coronavírus (SARS-CoV-2).

Os dados, obtidos a partir de estudos com células em laboratório, experimentos com enzimas e análises da dinâmica molecular de interação entre vírus e medicamento, apontam que a substância foi capaz de inibir a replicação viral, além de reduzir a produção de proteínas que estão ligadas ao processo inflamatório nos pulmões e, portanto, ao agravamento do quadro clínico da doença.

Os especialistas também investigaram o uso combinado do atazanavir com o ritonavir, outro medicamento utilizado para combater o HIV. O estudo foi publicado nesta segunda-feira (06/04) na plataforma internacional BiorXiv, em formato de pré-print.

A pesquisa, coordenada pelo Centro de Desenvolvimento Tecnológico em Saúde (CDTS/Fiocruz), envolve cientistas do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) – incluindo os Laboratórios de Vírus Respiratórios e do Sarampo, de Imunofarmacologia, de Biologia Molecular e Doenças Endêmicas, e de Pesquisas sobre o Timo – e do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas (INI/Fiocruz), além do Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino e da Universidade Iguaçu.

Análises in vitro apontaram ação do atazanavir sobre o novo coronavírus causador da Covid-19. Foto: Josué Damacena

Aposta na busca acelerada por respostas

A investigação segue a abordagem de reposicionamento de medicamentos, que consiste na aplicação de remédios já aprovados e recomendados para determinadas doenças para novas aplicações, fora daquelas previstas em bula.

“A análise de fármacos já aprovados para outros usos é a estratégia mais rápida que a Ciência pode fornecer para ajudar no combate à Covid-19, juntamente com a adoção dos protocolos de distanciamento social já em curso”, aponta Thiago Moreno, pesquisador do CDTS/Fiocruz e líder do estudo. Ele destaca a colaboração como um caminho fundamental para a construção do conhecimento sobre a Covid-19.

“A mobilização da parceria científica para que este estudo pudesse ser desenvolvido foi muito acelerada e envolve especialistas de diversas áreas, o que garante um olhar abrangente sobre o tema”, avalia.

A OMS propôs quatro alternativas terapêuticas para um estudo clínico de abrangência global: a cloroquina (usada no tratamento de malária e lúpus, por exemplo), o remdesivir (destinado a MERS e ebola) e a combinação de lopinavir com ritonavir (associação comumente empregada contra o HIV no começo da década de 2000) – esta última opção combinada ou não ao Interferon-beta-1a (que já foi indicado para tratamento hepatite C no passado).

“Os medicamentos propostos pela OMS estão mais próximos de se tornarem terapias para os pacientes com Covid-19. No entanto, mais alternativas são necessárias, especialmente substâncias já em produção nacional e com por perfil de segurança superior a algumas destas moléculas inicialmente propostas pela OMS”, o pesquisador destaca.

Ao mesmo tempo, ele reforça o alerta sobre os riscos da automedicação, uma vez que cada paciente deve ser assistido por seu médico, que deverá acompanhar o tratamento, especialmente no caso de novas doenças e remédios reposicionados.

Líder do estudo, Thiago Moreno destaca a capacidade de produção nacional e o perfil de segurança como pontos positivos do atazanavir. Foto: Josué Damacena

A pesquisadora Aline Matos, do Laboratório de Vírus Respiratório e do Sarampo, reforça os benefícios de investigações dedicadas ao reposicionamento de medicamentos.

“Ao se investigar fármacos já em uso, o ponto de partida conta com dados prévios sobre mecanismo de ação, segurança e efeitos adversos mais comuns”, destaca. Estudos adicionais, incluindo pesquisas clínicas, serão necessários para avaliar e confirmar os efeitos do atazanavir em pacientes com Covid-19.

Modelagem molecular e testes com células

Considerando que trabalhos científicos anteriores já haviam apontado a protease viral ‘Mpro’ – uma enzima capaz de permitir que as proteínas do vírus sejam fabricadas corretamente – como um alvo central na busca de medicamentos para o novo coronavírus, os pesquisadores voltaram seus olhos para o potencial de uso do atazanavir. Além de possuir ação sobre a Mpro, há indícios da ação da medicação sobre o trato respiratório, o que chamou a atenção dos cientistas na fase de seleção da substância a ser investigada. Foram realizados experimentos com o uso isolado do atazanavir e em combinação com o ritonavir.

“O coronavírus utiliza a maquinaria das células dos hospedeiros para produzir proteínas que atuam na clivagem de ligações peptídicas, classificadas como proteases. Por isso, estamos avaliando medicamentos que atuam justamente na inibição de proteases”, explica Franklin Souza da Silva, pós-doutorando do CDTS/Fiocruz.

Os pesquisadores realizaram três tipos de análises: observaram a interação molecular do atazanavir com a região específica de interesse do vírus SARS-CoV-2 (a Mpro), realizaram experimentos com esta enzima e testaram o medicamento in vitro, em células infectadas. Também foram realizados experimentos comparativos com a cloroquina, que vem sendo incluída em diversos estudos clínicos mundialmente.

Do ponto de vista da dinâmica de interação do medicamento com o vírus, foi constatado que o atazanavir adere à região específica da Mpro do SARS-CoV-2. Isso acontece por meio de uma ligação mais forte e mais estável do que a observada no mecanismo de ação do lopinavir, medicamento também utilizado no combate ao HIV e um dos indicados pela OMS para testes clínicos em pacientes com Covid-19.

“Observamos que a ligação molecular entre medicamento e vírus, além de forte e estável, foi prolongada: foi mantida durante toda a interação molecular”, afirma Carlyle Ribeiro Lima, pós-doutorando no CDTS/Fiocruz.

Modelo 3D: Fintelman-Rodrigues et al. / Foto: Josué Damacena / Arte: Jefferson Mendes

Após testes bem sucedidos constatando o bloqueio da protease MPro pelo atazanavir, os cientistas isolaram a enzima de células infectadas e mostraram que o medicamento de fato inibe a proteína viral, o que interrompe o processo de infecção de novas células.

O pesquisador Carlos Roberto Alves, do Laboratório de Biologia Molecular de Doenças Endêmicas do IOC/Fiocruz participou dos ensaios de dosagem das proteases produzidas nas células infectadas pelo vírus, observando seu perfil de inibição pelo fármaco.

“Nosso Laboratório vem contribuindo no projeto com a informação de que a infecção in vitro pelo vírus Sars-Cov-2 causa um aumento do perfil de cisteína proteinases nas células, as quais são inibidas pelo atazanavir e ritonavir, e pela combinação de atazanavir e ritonavir”, sintetiza.

Em seguida, os pesquisadores avançaram para análises com células infectadas. Nesta etapa, foram utilizados três tipos de células, que permitem observar a dinâmica de infecção viral: células Vero (largamente utilizadas como modelos de pesquisas científicas), células humanas da mucosa pulmonar (escolhidas por serem fortemente afetadas nos casos graves) e monócitos humanos (células que atuam na resposta do sistema imune ao vírus).

Os resultados mostram que o atazanavir inibiu a replicação do vírus SARS-CoV-2 em 100% das células durante os experimentos. Essa ação é fundamental na medida em que a criação de cópias do próprio microrganismo constitui a base da multiplicação do patógeno.

“Tanto o atazanavir, quanto a combinação atazanavir e ritonavir ofereceram uma excelente inibição da replicação do SARS-CoV-2 in vitro”, avalia Milene, pesquisadora do Laboratório de Vírus Respiratório e do Sarampo do IOC/Fiocruz.

No caso das análises em células Vero, a combinação de atazanavir e ritonavir foi a mais potente, obtendo índices de 0,5±0,08 µM na análise de dose-resposta.

O uso isolado do atazanavir obteve a marca de 2,0±0,12 µM, enquanto a cloroquina registrou 1.0±0,07 µM, o que é consistente em relação a resultados recentes observados por outros grupos de pesquisa em relação a este medicamento. Já no que se refere à seletividade da ação das substâncias (a capacidade de agir especificamente sobre o vírus), o melhor desempenho também foi encontrado na combinação entre atazanavir e ritonavir.

Nos testes usando células da mucosa pulmonar, o atazanavir usado em combinação com o ritonavir também obteve os melhores resultados. Já nos experimentos usando monócitos humanos, o efeito da combinação de atazanavir e ritonavir foi semelhante aos resultados da cloroquina no que diz respeito à inibição da replicação viral.

As pesquisadores Aline Matos e Milene Mesquita durante ensaios com o novo coronavírus em laboratório com nível de biossegurança 3 (NB3). Foto: Foto: Josué Damacena

Além da ação de inibição da replicação do vírus, foi observado um efeito de redução na produção de citocinas celulares relacionadas à inflamação – o que está diretamente relacionado ao adoecimento, uma vez que o processo inflamatório excessivo em células epiteliais e imunes do trato respiratório compromete a função respiratória e, desta forma, leva a um pior desfecho dos casos. De forma comparativa, os resultados obtidos apenas com o atazanavir e em associação com o ritonavir foram melhores que os observados com a cloroquina.

Solidariedade como força motriz

A virologista Marilda Siqueira, chefe do Laboratório de Vírus Respiratórios e do Sarampo do IOC/Fiocruz, ressalta que o estudo representa uma contribuição relevante nas investigações sobre alternativas terapêuticas para a Covid-19.

“A busca de antivirais é de extrema importância para o controle e diminuição da mortalidade por esse vírus, o que torna ainda mais importante a ação integrada envolvendo diferentes grupos de pesquisa, com abordagens complementares. A resposta a esta pandemia, em todas as suas dimensões, virá da solidariedade. Inclusive na Ciência”, pontua.

A perspectiva é corroborada por Patrícia Bozza, chefe do Laboratório de Imunofarmacologia do IOC/Fiocruz.

“Destaco o empenho colaborativo dos pesquisadores e pós-graduandos dos diferentes laboratórios que redirecionaram suas atividades para contribuir, com suas expertises complementares, para as pesquisas sobre a Covid-19. A colaboração científica é fundamental para trazer respostas rápidas e de qualidade para a pesquisa, além de otimizar a utilização de recursos”, considera.

Sobre o atazanavir

Desde o início da pandemia, cientistas ao redor do mundo têm se debruçado sobre pesquisas que identifiquem compostos candidatos para o tratamento do novo coronavírus. Utilizando um moderno software de interação droga-alvo, pesquisadores da Coreia do Sul também apontaram o atazanavir como melhor candidato medicamentoso.

Do ponto de vista da produção nacional do medicamento, num cenário de possível adoção como estratégia clínica vale destacar que a produção nacional do insumo é realizada pelo Instituto de Tecnologia em Fármacos (FarManguinhos/Fiocruz).

Financiamento

O estudo contou com recursos financeiros da Fiocruz, Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj) e Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal (Capes). A iniciativa é realizada no âmbito do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Inovação em Doenças Negligenciadas, liderado pelo CTDS/Fiocruz e financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico.

Remédios utilizados para tratamento do HIV apresentam bons resultados durante estudos em laboratório
Por: 
jornalismo

Uma pesquisa envolvendo cientistas de diversos grupos da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) constatou que o medicamento atazanavir, utilizado no tratamento do HIV, apresenta bons resultados sobre o novo coronavírus (SARS-CoV-2).

Os dados, obtidos a partir de estudos com células em laboratório, experimentos com enzimas e análises da dinâmica molecular de interação entre vírus e medicamento, apontam que a substância foi capaz de inibir a replicação viral, além de reduzir a produção de proteínas que estão ligadas ao processo inflamatório nos pulmões e, portanto, ao agravamento do quadro clínico da doença.

Os especialistas também investigaram o uso combinado do atazanavir com o ritonavir, outro medicamento utilizado para combater o HIV. O estudo foi publicado nesta segunda-feira (06/04) na plataforma internacional BiorXiv, em formato de pré-print.

A pesquisa, coordenada pelo Centro de Desenvolvimento Tecnológico em Saúde (CDTS/Fiocruz), envolve cientistas do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) – incluindo os Laboratórios de Vírus Respiratórios e do Sarampo, de Imunofarmacologia, de Biologia Molecular e Doenças Endêmicas, e de Pesquisas sobre o Timo – e do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas (INI/Fiocruz), além do Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino e da Universidade Iguaçu.

Análises in vitro apontaram ação do atazanavir sobre o novo coronavírus causador da Covid-19. Foto: Josué Damacena

Aposta na busca acelerada por respostas

A investigação segue a abordagem de reposicionamento de medicamentos, que consiste na aplicação de remédios já aprovados e recomendados para determinadas doenças para novas aplicações, fora daquelas previstas em bula.

“A análise de fármacos já aprovados para outros usos é a estratégia mais rápida que a Ciência pode fornecer para ajudar no combate à Covid-19, juntamente com a adoção dos protocolos de distanciamento social já em curso”, aponta Thiago Moreno, pesquisador do CDTS/Fiocruz e líder do estudo. Ele destaca a colaboração como um caminho fundamental para a construção do conhecimento sobre a Covid-19.

“A mobilização da parceria científica para que este estudo pudesse ser desenvolvido foi muito acelerada e envolve especialistas de diversas áreas, o que garante um olhar abrangente sobre o tema”, avalia.

A OMS propôs quatro alternativas terapêuticas para um estudo clínico de abrangência global: a cloroquina (usada no tratamento de malária e lúpus, por exemplo), o remdesivir (destinado a MERS e ebola) e a combinação de lopinavir com ritonavir (associação comumente empregada contra o HIV no começo da década de 2000) – esta última opção combinada ou não ao Interferon-beta-1a (que já foi indicado para tratamento hepatite C no passado).

“Os medicamentos propostos pela OMS estão mais próximos de se tornarem terapias para os pacientes com Covid-19. No entanto, mais alternativas são necessárias, especialmente substâncias já em produção nacional e com por perfil de segurança superior a algumas destas moléculas inicialmente propostas pela OMS”, o pesquisador destaca.

Ao mesmo tempo, ele reforça o alerta sobre os riscos da automedicação, uma vez que cada paciente deve ser assistido por seu médico, que deverá acompanhar o tratamento, especialmente no caso de novas doenças e remédios reposicionados.

Líder do estudo, Thiago Moreno destaca a capacidade de produção nacional e o perfil de segurança como pontos positivos do atazanavir. Foto: Josué Damacena

A pesquisadora Aline Matos, do Laboratório de Vírus Respiratório e do Sarampo, reforça os benefícios de investigações dedicadas ao reposicionamento de medicamentos.

“Ao se investigar fármacos já em uso, o ponto de partida conta com dados prévios sobre mecanismo de ação, segurança e efeitos adversos mais comuns”, destaca. Estudos adicionais, incluindo pesquisas clínicas, serão necessários para avaliar e confirmar os efeitos do atazanavir em pacientes com Covid-19.

Modelagem molecular e testes com células

Considerando que trabalhos científicos anteriores já haviam apontado a protease viral ‘Mpro’ – uma enzima capaz de permitir que as proteínas do vírus sejam fabricadas corretamente – como um alvo central na busca de medicamentos para o novo coronavírus, os pesquisadores voltaram seus olhos para o potencial de uso do atazanavir. Além de possuir ação sobre a Mpro, há indícios da ação da medicação sobre o trato respiratório, o que chamou a atenção dos cientistas na fase de seleção da substância a ser investigada. Foram realizados experimentos com o uso isolado do atazanavir e em combinação com o ritonavir.

“O coronavírus utiliza a maquinaria das células dos hospedeiros para produzir proteínas que atuam na clivagem de ligações peptídicas, classificadas como proteases. Por isso, estamos avaliando medicamentos que atuam justamente na inibição de proteases”, explica Franklin Souza da Silva, pós-doutorando do CDTS/Fiocruz.

Os pesquisadores realizaram três tipos de análises: observaram a interação molecular do atazanavir com a região específica de interesse do vírus SARS-CoV-2 (a Mpro), realizaram experimentos com esta enzima e testaram o medicamento in vitro, em células infectadas. Também foram realizados experimentos comparativos com a cloroquina, que vem sendo incluída em diversos estudos clínicos mundialmente.

Do ponto de vista da dinâmica de interação do medicamento com o vírus, foi constatado que o atazanavir adere à região específica da Mpro do SARS-CoV-2. Isso acontece por meio de uma ligação mais forte e mais estável do que a observada no mecanismo de ação do lopinavir, medicamento também utilizado no combate ao HIV e um dos indicados pela OMS para testes clínicos em pacientes com Covid-19.

“Observamos que a ligação molecular entre medicamento e vírus, além de forte e estável, foi prolongada: foi mantida durante toda a interação molecular”, afirma Carlyle Ribeiro Lima, pós-doutorando no CDTS/Fiocruz.

Modelo 3D: Fintelman-Rodrigues et al. / Foto: Josué Damacena / Arte: Jefferson Mendes

Após testes bem sucedidos constatando o bloqueio da protease MPro pelo atazanavir, os cientistas isolaram a enzima de células infectadas e mostraram que o medicamento de fato inibe a proteína viral, o que interrompe o processo de infecção de novas células.

O pesquisador Carlos Roberto Alves, do Laboratório de Biologia Molecular de Doenças Endêmicas do IOC/Fiocruz participou dos ensaios de dosagem das proteases produzidas nas células infectadas pelo vírus, observando seu perfil de inibição pelo fármaco.

“Nosso Laboratório vem contribuindo no projeto com a informação de que a infecção in vitro pelo vírus Sars-Cov-2 causa um aumento do perfil de cisteína proteinases nas células, as quais são inibidas pelo atazanavir e ritonavir, e pela combinação de atazanavir e ritonavir”, sintetiza.

Em seguida, os pesquisadores avançaram para análises com células infectadas. Nesta etapa, foram utilizados três tipos de células, que permitem observar a dinâmica de infecção viral: células Vero (largamente utilizadas como modelos de pesquisas científicas), células humanas da mucosa pulmonar (escolhidas por serem fortemente afetadas nos casos graves) e monócitos humanos (células que atuam na resposta do sistema imune ao vírus).

Os resultados mostram que o atazanavir inibiu a replicação do vírus SARS-CoV-2 em 100% das células durante os experimentos. Essa ação é fundamental na medida em que a criação de cópias do próprio microrganismo constitui a base da multiplicação do patógeno.

“Tanto o atazanavir, quanto a combinação atazanavir e ritonavir ofereceram uma excelente inibição da replicação do SARS-CoV-2 in vitro”, avalia Milene, pesquisadora do Laboratório de Vírus Respiratório e do Sarampo do IOC/Fiocruz.

No caso das análises em células Vero, a combinação de atazanavir e ritonavir foi a mais potente, obtendo índices de 0,5±0,08 µM na análise de dose-resposta.

O uso isolado do atazanavir obteve a marca de 2,0±0,12 µM, enquanto a cloroquina registrou 1.0±0,07 µM, o que é consistente em relação a resultados recentes observados por outros grupos de pesquisa em relação a este medicamento. Já no que se refere à seletividade da ação das substâncias (a capacidade de agir especificamente sobre o vírus), o melhor desempenho também foi encontrado na combinação entre atazanavir e ritonavir.

Nos testes usando células da mucosa pulmonar, o atazanavir usado em combinação com o ritonavir também obteve os melhores resultados. Já nos experimentos usando monócitos humanos, o efeito da combinação de atazanavir e ritonavir foi semelhante aos resultados da cloroquina no que diz respeito à inibição da replicação viral.

As pesquisadores Aline Matos e Milene Mesquita durante ensaios com o novo coronavírus em laboratório com nível de biossegurança 3 (NB3). Foto: Foto: Josué Damacena

Além da ação de inibição da replicação do vírus, foi observado um efeito de redução na produção de citocinas celulares relacionadas à inflamação – o que está diretamente relacionado ao adoecimento, uma vez que o processo inflamatório excessivo em células epiteliais e imunes do trato respiratório compromete a função respiratória e, desta forma, leva a um pior desfecho dos casos. De forma comparativa, os resultados obtidos apenas com o atazanavir e em associação com o ritonavir foram melhores que os observados com a cloroquina.

Solidariedade como força motriz

A virologista Marilda Siqueira, chefe do Laboratório de Vírus Respiratórios e do Sarampo do IOC/Fiocruz, ressalta que o estudo representa uma contribuição relevante nas investigações sobre alternativas terapêuticas para a Covid-19.

“A busca de antivirais é de extrema importância para o controle e diminuição da mortalidade por esse vírus, o que torna ainda mais importante a ação integrada envolvendo diferentes grupos de pesquisa, com abordagens complementares. A resposta a esta pandemia, em todas as suas dimensões, virá da solidariedade. Inclusive na Ciência”, pontua.

A perspectiva é corroborada por Patrícia Bozza, chefe do Laboratório de Imunofarmacologia do IOC/Fiocruz.

“Destaco o empenho colaborativo dos pesquisadores e pós-graduandos dos diferentes laboratórios que redirecionaram suas atividades para contribuir, com suas expertises complementares, para as pesquisas sobre a Covid-19. A colaboração científica é fundamental para trazer respostas rápidas e de qualidade para a pesquisa, além de otimizar a utilização de recursos”, considera.

Sobre o atazanavir

Desde o início da pandemia, cientistas ao redor do mundo têm se debruçado sobre pesquisas que identifiquem compostos candidatos para o tratamento do novo coronavírus. Utilizando um moderno software de interação droga-alvo, pesquisadores da Coreia do Sul também apontaram o atazanavir como melhor candidato medicamentoso.

Do ponto de vista da produção nacional do medicamento, num cenário de possível adoção como estratégia clínica vale destacar que a produção nacional do insumo é realizada pelo Instituto de Tecnologia em Fármacos (FarManguinhos/Fiocruz).

Financiamento

O estudo contou com recursos financeiros da Fiocruz, Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj) e Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal (Capes). A iniciativa é realizada no âmbito do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Inovação em Doenças Negligenciadas, liderado pelo CTDS/Fiocruz e financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico.

Permitida a reprodução sem fins lucrativos do texto desde que citada a fonte (Comunicação / Instituto Oswaldo Cruz)