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Identificados genes de impermeabilização de ovos do vetor da malária

Descoberta revela detalhes que podem ser importantes no desenvolvimento de estratégias de controle para este e outros vetores, como o Aedes aegypti
Por Jornalismo IOC14/09/2010 - Atualizado em 10/12/2019

O que está por trás da construção da casca impermeável dos ovos de mosquitos? Essa questão orientou o estudo realizado pelo pesquisador Gustavo Rezende, do Laboratório de Fisiologia e Controle de Artrópodes Vetores do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz). O biomédico identificou um conjunto de genes associados à impermeabilização dos ovos do mosquito Anopheles gambiae, principal vetor de malária na África. Essa análise pode servir de base para novos estudos e estratégias de combate à dengue e à malária.

Reproduzido de Developmental Biology, Vol 330, edição 2, páginas 462-470. Copyright © 2009, com a permissão de Elsevier Inc.

O pesquisador analisou a embriogênese do Anófeles e identificou mecanismos que podem estar relacionados à impermeabilidade dos ovos de mosquitos. , que registra o processo de embriogênese estudado

O estudo foi realizado no IOC e na Universidade de Califórnia, Berkeley, EUA, onde Rezende desenvolveu parte de seu doutorado. A equipe de pesquisadores utilizou um procedimento que “fixa” o embrião do Anopheles gambiae, ou seja, mata o embrião preservando todas as suas estruturas morfológicas e seu material genético. Foram utilizados ovos no momento em que ocorre a formação de uma estrutura conhecida como cutícula serosa, provavelmente responsável por impermeabilizá-los e permitir que continuem viáveis mesmo após permanecerem no seco por muitas horas – ou até dias, dependendo da espécie.

Os pesquisadores separaram a casca e o embrião de cada um dos ovos. Em seguida, aplicaram na casca um marcador para núcleos celulares e outro para a presença do gene relacionado à produção de quitina (quitina sintase), um açúcar muito presente na estrutura da cutícula serosa. “Os testes identificaram uma camada de células junto à casca e a presença do gene de quitina sintase, evidenciando a existência de uma estrutura celular denominada serosa, colada à casca, e o início do processo de produção da cutícula serosa”, explica Gustavo.

No passo seguinte, os pesquisadores aplicaram uma técnica de biologia molecular denominada microarranjo, que permitiu comparar quais genes, dentre todo o genoma do mosquito, estavam sendo expressos na serosa e no embrião no momento em que foi realizada a fixação. “Como esperávamos, encontramos na serosa, junto à casca, a expressão de muitos genes relacionados à síntese de quitina, evidenciando o processo de formação da cutícula em andamento”, conta Gustavo. “Ao todo, identificamos cerca de 360 genes muito mais expressos na serosa do que no restante do embrião no momento da formação da cutícula serosa, alguns com expressão 20 vezes maior. Esses genes estão relacionados com mecanismos de síntese de quitina, além de algumas outras biomoléculas.”

Reproduzido de Developmental Biology, Vol 330, edição 2, páginas 462-470. Copyright © 2009, com a permissão de Elsevier Inc.

Imagens detalham a formação da cutícula serosa junto à casca do ovo do anófeles. O estudo identificou conjunto de genes que podem estar relacionados à formação desta estrutura, responsável por impermeabilizar ovos de mosquito

Para confirmar a descoberta, os pesquisadores aplicaram outra técnica molecular, denominada hibridização in situ, para análise dos ovos. O experimento permitiu que, ao longo da fase inicial da embriogênese, determinassem em quais regiões alguns dos 360 genes estavam sendo expressos. “Observamos que, nesta fase, esses genes foram expressos basicamente na serosa e não no embrião”, afirma. “O resultado parece confirmar a hipótese de eles estão ligados a processos desenvolvidos apenas na serosa, mais uma pista de sua ligação com a formação da cutícula serosa.”

Anófeles, moscas e dengue

Entre os 360 genes identificados como específicos da serosa, os pesquisadores observaram a presença de aproximadamente 200 genes ortólogos (similares entre duas espécies) na mosca da fruta, a Drosophila melanogaster. “Os ovos das moscas, diferentemente da maioria dos insetos, não formam nenhum tipo de cutícula capaz de impermeabilizá-los, mas as duas centenas de genes que identificamos no A. gambiae correspondem a genes de drosófila muito importantes nas etapas finais da embriogênese, na formação da cutícula da larva da mosca, que também tem características impermeáveis”, esclarece.
 
Paralelamente, os pesquisadores analisaram o ciclo de expressão desses 200 genes durante todo o processo de embriogênese do A. gambiae e compararam o resultado obtido para a mosca. “Na drosófila, o pico de expressão desses genes só acontece no final da embriogênese, quando é produzida a cutícula da larva, que é o seu exoesqueleto”, declara o pesquisador. “Nosso estudo mostrou que, na embriogênese do Anopheles, ocorrem dois momentos de grande expressão desses genes, um com cerca de 10 horas, quando a cutícula serosa está sendo sintetizada, e outro no fim do processo. A idéia é que esse grupo de genes é utilizado duas vezes na embriogênese de mosquitos, para a síntese da cutícula serosa, no início, e da cutícula larvar, no final. Como os ovos da mosca não possuem cutícula serosa, ela utiliza esses genes apenas uma vez, no final da embriogênese para formar a cutícula larvar.”

O resultado, segundo Gustavo, reforça a idéia de que esses genes estão ligados tanto à formação da cutícula serosa quanto do exoesqueleto de estágios imaturos (larva e pupa) e adulto dos insetos. “Essa descoberta é mais um forte indício da importância desses genes na impermeabilização dos ovos de mosquitos como o Anopheles gambiae e o Aedes aegypti.”, avalia Gustavo.

Gutemberg Brito

Gustavo explica que identificar os principais genes relacionados à impermeabilização dos ovos e, provavelmente, também à produção do exoesqueleto dos insetos, pode ser fundamental nos esforços de controle de populações de vetores de doenças como dengue e malária

Outra pista importante para determinação da função desses genes é que muitos deles estão relacionados à produção de substâncias como quitina – importante componente do exoesqueleto de todos os insetos – e lipídios, muito associados à impermeabilização natural de superfícies, presente nas folhas de plantas, no exoesqueleto dos insetos e até na pele dos mamíferos. “Essas observações estão de acordo com nossos estudos anteriores, quando determinamos que a cutícula serosa do A. aegypti é composta por quitina e, provavelmente, lipídios, o que explica suas propriedades impermeabilizantes (link)”, lembra Gustavo. “Todos esses indícios reforçam a idéia de que o conjunto de genes que identificamos como ‘específicos’ da serosa estão realmente relacionados à produção da cutícula impermeável dos ovos e à própria estrutura do inseto adulto.”

Combate à dengue e à malária

Apesar das descobertas terem sido realizadas em um estudo com A. gambiae, os resultados podem ser importantes no combate tanto da malária quanto da dengue. “O processo de formação da cutícula serosa é bastante semelhante entre os dois mosquitos, mas a embriogênese do Aedes aegypti é mais difícil de ser observada, pois seus ovos são mais rígidos e difíceis de serem analisados”, explica Gustavo. “É bom lembrar, no entanto, que os ovos do anófeles não são tão resistentes à dessecação como os do A. aegypti, o que deve ser explicado por algum mecanismo ainda desconhecido que os diferencie. De qualquer forma, identificar os principais genes relacionados à impermeabilização dos ovos e, provavelmente, também à produção do exoesqueleto dos insetos, pode ser fundamental nos esforços de controle de populações de vetores”, acredita Gustavo. “Hoje já existem inseticidas capazes de inibir a síntese de quitina do A. aegypti. Porém, nossas descobertas podem servir de base para conhecer melhor os processos de produção dessa e de outras moléculas importantes para os insetos, como os lipídios, por exemplo.”

Vídeo registra embriogênese e formação da cutícula serosa

. Utilizando um procedimento que impede o escurecimento do ovo, os pesquisadores observaram a embriogênese e identificaram que, com cerca de 8 horas de desenvolvimento, um grupo de células desgruda do embrião e migra em direção à casca. Trata-se da serosa, que produzirá a cutícula impermeável chamada de cutícula serosa, conferindo impermeabilidade ao ovo. 

O estudo, as imagens e o vídeo foram publicado na revista Developmental Biology.  

Marcelo Garcia

14/09/2010

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Descoberta revela detalhes que podem ser importantes no desenvolvimento de estratégias de controle para este e outros vetores, como o Aedes aegypti
Por: 
jornalismo

O que está por trás da construção da casca impermeável dos ovos de mosquitos? Essa questão orientou o estudo realizado pelo pesquisador Gustavo Rezende, do Laboratório de Fisiologia e Controle de Artrópodes Vetores do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz). O biomédico identificou um conjunto de genes associados à impermeabilização dos ovos do mosquito Anopheles gambiae, principal vetor de malária na África. Essa análise pode servir de base para novos estudos e estratégias de combate à dengue e à malária.

Reproduzido de Developmental Biology, Vol 330, edição 2, páginas 462-470. Copyright © 2009, com a permissão de Elsevier Inc.

O pesquisador analisou a embriogênese do Anófeles e identificou mecanismos que podem estar relacionados à impermeabilidade dos ovos de mosquitos. , que registra o processo de embriogênese estudado

O estudo foi realizado no IOC e na Universidade de Califórnia, Berkeley, EUA, onde Rezende desenvolveu parte de seu doutorado. A equipe de pesquisadores utilizou um procedimento que “fixa” o embrião do Anopheles gambiae, ou seja, mata o embrião preservando todas as suas estruturas morfológicas e seu material genético. Foram utilizados ovos no momento em que ocorre a formação de uma estrutura conhecida como cutícula serosa, provavelmente responsável por impermeabilizá-los e permitir que continuem viáveis mesmo após permanecerem no seco por muitas horas – ou até dias, dependendo da espécie.

Os pesquisadores separaram a casca e o embrião de cada um dos ovos. Em seguida, aplicaram na casca um marcador para núcleos celulares e outro para a presença do gene relacionado à produção de quitina (quitina sintase), um açúcar muito presente na estrutura da cutícula serosa. “Os testes identificaram uma camada de células junto à casca e a presença do gene de quitina sintase, evidenciando a existência de uma estrutura celular denominada serosa, colada à casca, e o início do processo de produção da cutícula serosa”, explica Gustavo.

No passo seguinte, os pesquisadores aplicaram uma técnica de biologia molecular denominada microarranjo, que permitiu comparar quais genes, dentre todo o genoma do mosquito, estavam sendo expressos na serosa e no embrião no momento em que foi realizada a fixação. “Como esperávamos, encontramos na serosa, junto à casca, a expressão de muitos genes relacionados à síntese de quitina, evidenciando o processo de formação da cutícula em andamento”, conta Gustavo. “Ao todo, identificamos cerca de 360 genes muito mais expressos na serosa do que no restante do embrião no momento da formação da cutícula serosa, alguns com expressão 20 vezes maior. Esses genes estão relacionados com mecanismos de síntese de quitina, além de algumas outras biomoléculas.”

Reproduzido de Developmental Biology, Vol 330, edição 2, páginas 462-470. Copyright © 2009, com a permissão de Elsevier Inc.

Imagens detalham a formação da cutícula serosa junto à casca do ovo do anófeles. O estudo identificou conjunto de genes que podem estar relacionados à formação desta estrutura, responsável por impermeabilizar ovos de mosquito

Para confirmar a descoberta, os pesquisadores aplicaram outra técnica molecular, denominada hibridização in situ, para análise dos ovos. O experimento permitiu que, ao longo da fase inicial da embriogênese, determinassem em quais regiões alguns dos 360 genes estavam sendo expressos. “Observamos que, nesta fase, esses genes foram expressos basicamente na serosa e não no embrião”, afirma. “O resultado parece confirmar a hipótese de eles estão ligados a processos desenvolvidos apenas na serosa, mais uma pista de sua ligação com a formação da cutícula serosa.”

Anófeles, moscas e dengue

Entre os 360 genes identificados como específicos da serosa, os pesquisadores observaram a presença de aproximadamente 200 genes ortólogos (similares entre duas espécies) na mosca da fruta, a Drosophila melanogaster. “Os ovos das moscas, diferentemente da maioria dos insetos, não formam nenhum tipo de cutícula capaz de impermeabilizá-los, mas as duas centenas de genes que identificamos no A. gambiae correspondem a genes de drosófila muito importantes nas etapas finais da embriogênese, na formação da cutícula da larva da mosca, que também tem características impermeáveis”, esclarece.

 

Paralelamente, os pesquisadores analisaram o ciclo de expressão desses 200 genes durante todo o processo de embriogênese do A. gambiae e compararam o resultado obtido para a mosca. “Na drosófila, o pico de expressão desses genes só acontece no final da embriogênese, quando é produzida a cutícula da larva, que é o seu exoesqueleto”, declara o pesquisador. “Nosso estudo mostrou que, na embriogênese do Anopheles, ocorrem dois momentos de grande expressão desses genes, um com cerca de 10 horas, quando a cutícula serosa está sendo sintetizada, e outro no fim do processo. A idéia é que esse grupo de genes é utilizado duas vezes na embriogênese de mosquitos, para a síntese da cutícula serosa, no início, e da cutícula larvar, no final. Como os ovos da mosca não possuem cutícula serosa, ela utiliza esses genes apenas uma vez, no final da embriogênese para formar a cutícula larvar.”

O resultado, segundo Gustavo, reforça a idéia de que esses genes estão ligados tanto à formação da cutícula serosa quanto do exoesqueleto de estágios imaturos (larva e pupa) e adulto dos insetos. “Essa descoberta é mais um forte indício da importância desses genes na impermeabilização dos ovos de mosquitos como o Anopheles gambiae e o Aedes aegypti.”, avalia Gustavo.

Gutemberg Brito

Gustavo explica que identificar os principais genes relacionados à impermeabilização dos ovos e, provavelmente, também à produção do exoesqueleto dos insetos, pode ser fundamental nos esforços de controle de populações de vetores de doenças como dengue e malária

Outra pista importante para determinação da função desses genes é que muitos deles estão relacionados à produção de substâncias como quitina – importante componente do exoesqueleto de todos os insetos – e lipídios, muito associados à impermeabilização natural de superfícies, presente nas folhas de plantas, no exoesqueleto dos insetos e até na pele dos mamíferos. “Essas observações estão de acordo com nossos estudos anteriores, quando determinamos que a cutícula serosa do A. aegypti é composta por quitina e, provavelmente, lipídios, o que explica suas propriedades impermeabilizantes (link)”, lembra Gustavo. “Todos esses indícios reforçam a idéia de que o conjunto de genes que identificamos como ‘específicos’ da serosa estão realmente relacionados à produção da cutícula impermeável dos ovos e à própria estrutura do inseto adulto.”

Combate à dengue e à malária

Apesar das descobertas terem sido realizadas em um estudo com A. gambiae, os resultados podem ser importantes no combate tanto da malária quanto da dengue. “O processo de formação da cutícula serosa é bastante semelhante entre os dois mosquitos, mas a embriogênese do Aedes aegypti é mais difícil de ser observada, pois seus ovos são mais rígidos e difíceis de serem analisados”, explica Gustavo. “É bom lembrar, no entanto, que os ovos do anófeles não são tão resistentes à dessecação como os do A. aegypti, o que deve ser explicado por algum mecanismo ainda desconhecido que os diferencie. De qualquer forma, identificar os principais genes relacionados à impermeabilização dos ovos e, provavelmente, também à produção do exoesqueleto dos insetos, pode ser fundamental nos esforços de controle de populações de vetores”, acredita Gustavo. “Hoje já existem inseticidas capazes de inibir a síntese de quitina do A. aegypti. Porém, nossas descobertas podem servir de base para conhecer melhor os processos de produção dessa e de outras moléculas importantes para os insetos, como os lipídios, por exemplo.”

Vídeo registra embriogênese e formação da cutícula serosa



. Utilizando um procedimento que impede o escurecimento do ovo, os pesquisadores observaram a embriogênese e identificaram que, com cerca de 8 horas de desenvolvimento, um grupo de células desgruda do embrião e migra em direção à casca. Trata-se da serosa, que produzirá a cutícula impermeável chamada de cutícula serosa, conferindo impermeabilidade ao ovo. 

O estudo, as imagens e o vídeo foram publicado na revista Developmental Biology.  

Marcelo Garcia



14/09/2010

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Permitida a reprodução sem fins lucrativos do texto desde que citada a fonte (Comunicação / Instituto Oswaldo Cruz)