No Dia Internacional da Biodiversidade, celebrado em 22/05, o Núcleo de Estudos Avançados do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) discutiu os impactos e conflitos envolvendo a nova Lei da Biodiversidade. Sancionada em 2015, a Lei nº 12.123 (regulamentada pelo Decreto nº 8772, de 2016) afeta diretamente as atividades voltadas à Ciência, Tecnologia e Inovação, bem como as áreas de Saúde Pública e Educação, na medida em que impacta o desenvolvimento da pesquisa científica no país. A legislação dispõe sobre o acesso ao patrimônio genético e ao conhecimento tradicional associado, no contexto da exploração da biodiversidade brasileira. O texto regulamenta, ainda, aspectos relacionados ao acesso e transferência de tecnologia, exploração econômica, repartição de benefícios, remessa de amostras biológicas para o exterior e a implementação de tratados internacionais sobre o tema. Confira a seguir o vídeo com o registro do debate:
Confira a seguir o vídeo com o registro do debate:
O debate reuniu especialistas de diversas áreas, incluindo os pesquisadores Roberto Leher, reitor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); Marcelo Morales, diretor de Ciências Agrárias, Biológicas e da Saúde do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq); Paulo Andreas Buckup, do Museu Nacional (UFRJ); Arion Tulio Aranda, do Laboratório de Simulídeos e Oncocercose do IOC; e Maria de Lourdes Aguiar Oliveira, do Laboratório de Desenvolvimento Tecnológico em Virologia do IOC. A sessão fez parte das comemorações pelos 118 anos do Instituto. “O momento é de reflexão e resistência para que consigamos reverter e modificar aspectos lesivos desta lei à ciência e garantir a prorrogação dos prazos estabelecidos para a regularização de registros, que é absolutamente inexequível. Este debate é capital para subsidiar adequações na presente legislação, imprescindíveis para evitar o retrocesso científico – que seria lamentável, inaceitável.
O irrestrito apoio institucional e a mobilização dos nossos pesquisadores para o encaminhamento dessa demanda ao Ministério do Meio Ambiente e ao parlamento brasileiro é de extrema relevância”, destacou Renato Cordeiro, coordenador da iniciativa. “Essa é uma discussão de extrema importância para toda a Fiocruz. É fundamental destacar a competência dos profissionais da Fundação, não somente sob a perspectiva científica, mas também pela dedicação na analíse de impacto da nova lei sobre as nossas atribuições institucionais, bem como o desenvolvimento de propostas de adequação”, complementou José Paulo Gagliardi Leite, diretor do IOC.
Núcleo de Estudos Avançados reuniu pesquisadores e estudantes para debater a Lei da Biodiversidade (Lei nº 13.123/2015). Foto: Gutemberg BritoAs discussões sobre normas, princípios e objetivos do uso da diversidade biológica, assim como da sua proteção, remontam à ‘Eco-92’, Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento realizada na cidade do Rio de Janeiro, em 1992. Na ocasião, foi estabelecida a Convenção Sobre Diversidade Biológica (CBD), voltada à conservação da biodiversidade e seu uso sustentável e na repartição justa e equitativa dos benefícios provenientes da utilização desses recursos.
A nova legislação suscitou questionamentos de diversos setores da comunidade científica, em virtude da excessiva burocratização das atividades relacionadas à pesquisa e desenvolvimento tecnológico. Além disso, estabelece uma série de restrições que impactam fortemente as colaborações internacionais, rotineiras e imprescindíveis nesse contexto. Segundo Marcelo Morales, do CNPq, o Sistema Nacional de Gestão do Patrimônio Genético e do Conhecimento Tradicional Associado (SisGen) – criado em 2016 como instrumento para auxiliar a atuação do Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGen) – impõe dificuldades em comparação com o Sistema de Autorização de Acesso ao Patrimônio Genético adotado pelo CNPq. “A Lei da Biodiversidade é complexa e prevê em seu texto numerosas sanções e multas excessivas para as instituições de ensino e pesquisa. Parece ter perfil controlador, fiscalizador e arrecadatório. Além disso, não contempla dispositivos para incentivar a interação entre as empresas e a academia”, opinou.
Segundo ele, a nova lei deixa de incorporar estratégias de estímulo à pesquisa e inovação. Morales sugere um modelo de cadastramento voluntário da pesquisa e a criação de um banco de dados disponível às empresas e Organizações Não-Governamentais (ONGs) interessadas em parcerias para o desenvolvimento de produtos ou financiamento de projetos de conservação, por exemplo. “A nova legislação é burocrática e não traz incentivos à pesquisa e inovação. Caminha na contramão do Marco Legal de Ciência e Tecnologia. Um descompasso com o século XXI”, ressaltou. Reitores de universidades promoveram um encontro para abordar o tema, no âmbito da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), mencionou o reitor da UFRJ, Roberto Leher.
O pesquisador destacou a importância da união de instituições de ensino e pesquisa, academia e sociedades científicas para a elaboração de propostas de aprimoramento da lei. Leher apontou, ainda, a necessidade de mecanismos que permitam a diferenciação entre as atividades de pesquisa acadêmica das ações de bioprospecção, que visam identificar componentes do patrimônio genético com potencial de uso comercial. “A comunidade acadêmica tem chamado atenção para a inviabilidade da pesquisa científica, caso haja uma interpretação literal da lei e do decreto que a regulamenta. Isso dificultaria enormemente o desenvolvimento de dissertações, teses e até mesmo publicações científicas. Tudo está vinculado à forma de registro das variedades genéticas que estão sendo trabalhadas por cada pesquisador”, ressaltou.
Roberto Leher, reitor da UFRJ (à esq.), e Marcelo Morales, diretor de Ciências Agrárias, Biológicas e da Saúde do CNPq (à dir.), discutiram impactos da Lei de Biodiversidade. Foto: Gutemberg BritoApós detalhar o processo histórico que desembocou na publicação da nova Lei, “operacionalmente inviável e equivocada em sua essência”, conforme definiu, o pesquisador Paulo Buckup, do Museu Nacional da UFRJ, destacou as multas abusivas que passam a ser impostas. “Diversas parcerias internacionais têm sido inviabilizadas, canceladas devido à excessiva burocracia”, lamentou. “Como um país que não consegue criar um sistema cadastral que funcione corretamente pode exigir que governo e empresas paguem por benefícios abstratos?”, disparou.
O especialista abordou, ainda, a demora para o estabelecimento de uma legislação sobre biodiversidade. “De 2001 até os dias atuais, já se passaram 18 anos. E, até agora, não temos um sistema de cadastro que funcione eficientemente, que traga resultados”, sentenciou. Buckup indagou se os ganhos advindos da arrecadação por repatriação de material genético, conforme previsto na nova lei, já havia superado o montante investido na construção do próprio SisGen. E foi além: “qual o custo estimado decorrente da perda de produtividade e de parcerias científicas; da migração de negócios e de expertise para outros países?”, questionou.
As Coleções Biológicas constituem preciosos acervos biológicos organizados de modo a disponibilizar informações sobre a procedência, coleta e identificação de espécimes ou amostras. Somente a Fiocruz é curadora de 35 Coleções, de inestimável importância para a saúde pública, que subsidiam atividades nacionais e internacionais de pesquisa e ensino e contribuem para a preservação do patrimônio. Essas Coleções constituem registros que contribuem para o entendimento das mudanças na nossa biodiversidade ao longo do tempo.
Curador substituto da Coleção de Simulídeos do IOC, Arion Tulio Aranda debateu os entraves impostos pela nova legislação no contexto das Coleções. Um dos primeiros obstáculos apresentados foi a diferença entre um formulário para cadastro da atividade de desmatamento e o cadastro obrigatório das atividades de acesso ao patrimônio genético previstas no SisGen. “Enquanto o primeiro possui apenas uma página, com poucos campos para o seu preenchimento, o segundo demanda páginas de intenso detalhamento”, frisou.
Arion, que também atua como chefe substituto do Laboratório de Simulídeos e Oncocercose, destacou impactos negativos da nova lei, como o retrocesso no racional diferenciado para as Coleções Biológicas, sobretudo em relação ao intercâmbio de material consignado. Citou, ainda, a perda de colaborações internacionais por aumento da burocracia, especialmente devido à exigência de documento pessoal do representante legal da instituição parceira. “Precisamos manter o diálogo aberto na instituição para identificar os problemas e propor adequações, escutar as propostas da comunidade científica e articular para a realização de mudanças necessárias na lei”, sugeriu.
Também apresentaram palestras Paulo Andreas Buckup, do Museu Nacional (UFRJ), Arion Tulio Aranda e Maria de Lourdes Oliveira, ambos do IOC. Foto: Gutemberg BritoA análise de impacto da Lei da Biodiversidade no contexto da Saúde Pública, com ênfase na Vigilância em Saúde e Laboratórios de Referência, ficou a cargo de Maria de Lourdes Oliveira, pesquisadora do Laboratório de Desenvolvimento Tecnológico em Virologia e coordenadora da Câmara Técnica de Laboratórios de Referência do IOC. “Somos cientistas e brasileiros, portanto, solidários à proteção da biodiversidade e do conhecimento tradicional associado. Entretanto, essa premissa não pode impactar negativamente outras áreas estratégicas, como Saúde; Ciência, Tecnologia e Inovação; e Educação”, ressaltou. Segundo a palestrante, a presente Lei e o decreto que a regulamenta conflitam com as competências do Sistema Unico de Saúde, estabelecidas no escopo da Constituição Federal e com as portarias do Ministério da Saúde que regulamentam a missão e as atribuições dos Laboratórios de Referência, no contexto da vigilância de doenças, agravos e eventos de notificação compulsória e interesse sanitário, bem como nas emergências em Saúde Pública.
Outro ponto destacado pela palestrante foi a burocracia excessiva, que inviabiliza ações céleres – aspecto incompatível com as necessidades da vigilância em saúde, que recobrem vigilância sanitária, epidemiológica e ambiental. “A burocracia tem enorme impacto sobre ações rotineiras dos laboratórios de referência internacionais que abrigamos, vinculados à Organização Mundial da Saúde, como o compartilhamento de informações, amostras biológicas e sequências genéticas. Esses acordos firmados com a OMS foram chancelados pelo governo brasileiro”, esclareceu Lourdes. A pesquisadora ressaltou que os Laboratórios de Referência desenvolvem pesquisas aplicadas para responder a questões importantes em Saúde Pública, muitas delas sob demanda, subsidiadas ou em parceria com o próprio Ministério da Saúde. A nova Lei impacta diretamente essas situações, uma vez que reincluiu áreas de conhecimento como epidemiologia, taxonomia, evolução e filogenia em seu escopo. “Com relação às sanções, é inadmissível que instituições públicas sejam punidas com multas vultuosas exatamente por cumprirem a sua missão, a sua atribuição legal”, reforçou.
Segundo Arion e Lourdes, dois documentos foram elaborados nas Câmaras Técnicas de Coleções Biológicas e de Laboratórios de Referência do IOC, com foco não apenas na análise da nova legislação, mas também no apontamento de propostas para adequação da Lei e do Decreto às temáticas a que as Câmars se dedicam. Dentre as propostas, está a reintegração das Resoluções CGEN nº 21 e 29 e Orientações Técnicas 9 e 10, além da solicitação da expansão do prazo final para a regularização de cadastros, na medida em que o prazo proposto é considerado inexequível.
Na discussão de encerramento, O coordenador do Núcleo de Estudos Avançados incentivou a mobilização das instituições científicas e das sociedades envolvidas no contexto a pleitear aperfeiçoamentos na nova legislação, através da elaboração de documento conjunto pelas instituições presentes, para o posterior encaminhamento ao Ministério do Meio Ambiente.
No dia 15 de junho, o Núcleo de Estudos Avançados do IOC, em edição do ciclo de ‘Fraturas Ambientais’, debaterá o tema ‘Meio Ambiente Global e Amazônia em crise: o que fazer?’. A atividade contará com a presença de Paulo Eduardo Artaxo Netto, pesquisador do Departamento de Física Aplicada do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP) e membro do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), cuja equipe recebeu o Prêmio Nobel da Paz de 2007. A atividades está prevista para as 10h, no auditório Emmanuel Dias do Pavilhão Arthur Neiva, no campus da Fiocruz em Manguinhos, no Rio de Janeiro (Av. Brasil, 4.365). A entrada é gratuita.
No Dia Internacional da Biodiversidade, celebrado em 22/05, o Núcleo de Estudos Avançados do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) discutiu os impactos e conflitos envolvendo a nova Lei da Biodiversidade. Sancionada em 2015, a Lei nº 12.123 (regulamentada pelo Decreto nº 8772, de 2016) afeta diretamente as atividades voltadas à Ciência, Tecnologia e Inovação, bem como as áreas de Saúde Pública e Educação, na medida em que impacta o desenvolvimento da pesquisa científica no país. A legislação dispõe sobre o acesso ao patrimônio genético e ao conhecimento tradicional associado, no contexto da exploração da biodiversidade brasileira. O texto regulamenta, ainda, aspectos relacionados ao acesso e transferência de tecnologia, exploração econômica, repartição de benefícios, remessa de amostras biológicas para o exterior e a implementação de tratados internacionais sobre o tema. Confira a seguir o vídeo com o registro do debate:
Confira a seguir o vídeo com o registro do debate:
O debate reuniu especialistas de diversas áreas, incluindo os pesquisadores Roberto Leher, reitor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); Marcelo Morales, diretor de Ciências Agrárias, Biológicas e da Saúde do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq); Paulo Andreas Buckup, do Museu Nacional (UFRJ); Arion Tulio Aranda, do Laboratório de Simulídeos e Oncocercose do IOC; e Maria de Lourdes Aguiar Oliveira, do Laboratório de Desenvolvimento Tecnológico em Virologia do IOC. A sessão fez parte das comemorações pelos 118 anos do Instituto. “O momento é de reflexão e resistência para que consigamos reverter e modificar aspectos lesivos desta lei à ciência e garantir a prorrogação dos prazos estabelecidos para a regularização de registros, que é absolutamente inexequível. Este debate é capital para subsidiar adequações na presente legislação, imprescindíveis para evitar o retrocesso científico – que seria lamentável, inaceitável.
O irrestrito apoio institucional e a mobilização dos nossos pesquisadores para o encaminhamento dessa demanda ao Ministério do Meio Ambiente e ao parlamento brasileiro é de extrema relevância”, destacou Renato Cordeiro, coordenador da iniciativa. “Essa é uma discussão de extrema importância para toda a Fiocruz. É fundamental destacar a competência dos profissionais da Fundação, não somente sob a perspectiva científica, mas também pela dedicação na analíse de impacto da nova lei sobre as nossas atribuições institucionais, bem como o desenvolvimento de propostas de adequação”, complementou José Paulo Gagliardi Leite, diretor do IOC.
Núcleo de Estudos Avançados reuniu pesquisadores e estudantes para debater a Lei da Biodiversidade (Lei nº 13.123/2015). Foto: Gutemberg BritoAs discussões sobre normas, princípios e objetivos do uso da diversidade biológica, assim como da sua proteção, remontam à ‘Eco-92’, Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento realizada na cidade do Rio de Janeiro, em 1992. Na ocasião, foi estabelecida a Convenção Sobre Diversidade Biológica (CBD), voltada à conservação da biodiversidade e seu uso sustentável e na repartição justa e equitativa dos benefícios provenientes da utilização desses recursos.
A nova legislação suscitou questionamentos de diversos setores da comunidade científica, em virtude da excessiva burocratização das atividades relacionadas à pesquisa e desenvolvimento tecnológico. Além disso, estabelece uma série de restrições que impactam fortemente as colaborações internacionais, rotineiras e imprescindíveis nesse contexto. Segundo Marcelo Morales, do CNPq, o Sistema Nacional de Gestão do Patrimônio Genético e do Conhecimento Tradicional Associado (SisGen) – criado em 2016 como instrumento para auxiliar a atuação do Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGen) – impõe dificuldades em comparação com o Sistema de Autorização de Acesso ao Patrimônio Genético adotado pelo CNPq. “A Lei da Biodiversidade é complexa e prevê em seu texto numerosas sanções e multas excessivas para as instituições de ensino e pesquisa. Parece ter perfil controlador, fiscalizador e arrecadatório. Além disso, não contempla dispositivos para incentivar a interação entre as empresas e a academia”, opinou.
Segundo ele, a nova lei deixa de incorporar estratégias de estímulo à pesquisa e inovação. Morales sugere um modelo de cadastramento voluntário da pesquisa e a criação de um banco de dados disponível às empresas e Organizações Não-Governamentais (ONGs) interessadas em parcerias para o desenvolvimento de produtos ou financiamento de projetos de conservação, por exemplo. “A nova legislação é burocrática e não traz incentivos à pesquisa e inovação. Caminha na contramão do Marco Legal de Ciência e Tecnologia. Um descompasso com o século XXI”, ressaltou. Reitores de universidades promoveram um encontro para abordar o tema, no âmbito da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), mencionou o reitor da UFRJ, Roberto Leher.
O pesquisador destacou a importância da união de instituições de ensino e pesquisa, academia e sociedades científicas para a elaboração de propostas de aprimoramento da lei. Leher apontou, ainda, a necessidade de mecanismos que permitam a diferenciação entre as atividades de pesquisa acadêmica das ações de bioprospecção, que visam identificar componentes do patrimônio genético com potencial de uso comercial. “A comunidade acadêmica tem chamado atenção para a inviabilidade da pesquisa científica, caso haja uma interpretação literal da lei e do decreto que a regulamenta. Isso dificultaria enormemente o desenvolvimento de dissertações, teses e até mesmo publicações científicas. Tudo está vinculado à forma de registro das variedades genéticas que estão sendo trabalhadas por cada pesquisador”, ressaltou.
Roberto Leher, reitor da UFRJ (à esq.), e Marcelo Morales, diretor de Ciências Agrárias, Biológicas e da Saúde do CNPq (à dir.), discutiram impactos da Lei de Biodiversidade. Foto: Gutemberg BritoApós detalhar o processo histórico que desembocou na publicação da nova Lei, “operacionalmente inviável e equivocada em sua essência”, conforme definiu, o pesquisador Paulo Buckup, do Museu Nacional da UFRJ, destacou as multas abusivas que passam a ser impostas. “Diversas parcerias internacionais têm sido inviabilizadas, canceladas devido à excessiva burocracia”, lamentou. “Como um país que não consegue criar um sistema cadastral que funcione corretamente pode exigir que governo e empresas paguem por benefícios abstratos?”, disparou.
O especialista abordou, ainda, a demora para o estabelecimento de uma legislação sobre biodiversidade. “De 2001 até os dias atuais, já se passaram 18 anos. E, até agora, não temos um sistema de cadastro que funcione eficientemente, que traga resultados”, sentenciou. Buckup indagou se os ganhos advindos da arrecadação por repatriação de material genético, conforme previsto na nova lei, já havia superado o montante investido na construção do próprio SisGen. E foi além: “qual o custo estimado decorrente da perda de produtividade e de parcerias científicas; da migração de negócios e de expertise para outros países?”, questionou.
As Coleções Biológicas constituem preciosos acervos biológicos organizados de modo a disponibilizar informações sobre a procedência, coleta e identificação de espécimes ou amostras. Somente a Fiocruz é curadora de 35 Coleções, de inestimável importância para a saúde pública, que subsidiam atividades nacionais e internacionais de pesquisa e ensino e contribuem para a preservação do patrimônio. Essas Coleções constituem registros que contribuem para o entendimento das mudanças na nossa biodiversidade ao longo do tempo.
Curador substituto da Coleção de Simulídeos do IOC, Arion Tulio Aranda debateu os entraves impostos pela nova legislação no contexto das Coleções. Um dos primeiros obstáculos apresentados foi a diferença entre um formulário para cadastro da atividade de desmatamento e o cadastro obrigatório das atividades de acesso ao patrimônio genético previstas no SisGen. “Enquanto o primeiro possui apenas uma página, com poucos campos para o seu preenchimento, o segundo demanda páginas de intenso detalhamento”, frisou.
Arion, que também atua como chefe substituto do Laboratório de Simulídeos e Oncocercose, destacou impactos negativos da nova lei, como o retrocesso no racional diferenciado para as Coleções Biológicas, sobretudo em relação ao intercâmbio de material consignado. Citou, ainda, a perda de colaborações internacionais por aumento da burocracia, especialmente devido à exigência de documento pessoal do representante legal da instituição parceira. “Precisamos manter o diálogo aberto na instituição para identificar os problemas e propor adequações, escutar as propostas da comunidade científica e articular para a realização de mudanças necessárias na lei”, sugeriu.
Também apresentaram palestras Paulo Andreas Buckup, do Museu Nacional (UFRJ), Arion Tulio Aranda e Maria de Lourdes Oliveira, ambos do IOC. Foto: Gutemberg BritoA análise de impacto da Lei da Biodiversidade no contexto da Saúde Pública, com ênfase na Vigilância em Saúde e Laboratórios de Referência, ficou a cargo de Maria de Lourdes Oliveira, pesquisadora do Laboratório de Desenvolvimento Tecnológico em Virologia e coordenadora da Câmara Técnica de Laboratórios de Referência do IOC. “Somos cientistas e brasileiros, portanto, solidários à proteção da biodiversidade e do conhecimento tradicional associado. Entretanto, essa premissa não pode impactar negativamente outras áreas estratégicas, como Saúde; Ciência, Tecnologia e Inovação; e Educação”, ressaltou. Segundo a palestrante, a presente Lei e o decreto que a regulamenta conflitam com as competências do Sistema Unico de Saúde, estabelecidas no escopo da Constituição Federal e com as portarias do Ministério da Saúde que regulamentam a missão e as atribuições dos Laboratórios de Referência, no contexto da vigilância de doenças, agravos e eventos de notificação compulsória e interesse sanitário, bem como nas emergências em Saúde Pública.
Outro ponto destacado pela palestrante foi a burocracia excessiva, que inviabiliza ações céleres – aspecto incompatível com as necessidades da vigilância em saúde, que recobrem vigilância sanitária, epidemiológica e ambiental. “A burocracia tem enorme impacto sobre ações rotineiras dos laboratórios de referência internacionais que abrigamos, vinculados à Organização Mundial da Saúde, como o compartilhamento de informações, amostras biológicas e sequências genéticas. Esses acordos firmados com a OMS foram chancelados pelo governo brasileiro”, esclareceu Lourdes. A pesquisadora ressaltou que os Laboratórios de Referência desenvolvem pesquisas aplicadas para responder a questões importantes em Saúde Pública, muitas delas sob demanda, subsidiadas ou em parceria com o próprio Ministério da Saúde. A nova Lei impacta diretamente essas situações, uma vez que reincluiu áreas de conhecimento como epidemiologia, taxonomia, evolução e filogenia em seu escopo. “Com relação às sanções, é inadmissível que instituições públicas sejam punidas com multas vultuosas exatamente por cumprirem a sua missão, a sua atribuição legal”, reforçou.
Segundo Arion e Lourdes, dois documentos foram elaborados nas Câmaras Técnicas de Coleções Biológicas e de Laboratórios de Referência do IOC, com foco não apenas na análise da nova legislação, mas também no apontamento de propostas para adequação da Lei e do Decreto às temáticas a que as Câmars se dedicam. Dentre as propostas, está a reintegração das Resoluções CGEN nº 21 e 29 e Orientações Técnicas 9 e 10, além da solicitação da expansão do prazo final para a regularização de cadastros, na medida em que o prazo proposto é considerado inexequível.
Na discussão de encerramento, O coordenador do Núcleo de Estudos Avançados incentivou a mobilização das instituições científicas e das sociedades envolvidas no contexto a pleitear aperfeiçoamentos na nova legislação, através da elaboração de documento conjunto pelas instituições presentes, para o posterior encaminhamento ao Ministério do Meio Ambiente.
No dia 15 de junho, o Núcleo de Estudos Avançados do IOC, em edição do ciclo de ‘Fraturas Ambientais’, debaterá o tema ‘Meio Ambiente Global e Amazônia em crise: o que fazer?’. A atividade contará com a presença de Paulo Eduardo Artaxo Netto, pesquisador do Departamento de Física Aplicada do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP) e membro do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), cuja equipe recebeu o Prêmio Nobel da Paz de 2007. A atividades está prevista para as 10h, no auditório Emmanuel Dias do Pavilhão Arthur Neiva, no campus da Fiocruz em Manguinhos, no Rio de Janeiro (Av. Brasil, 4.365). A entrada é gratuita.
Permitida a reprodução sem fins lucrativos do texto desde que citada a fonte (Comunicação / Instituto Oswaldo Cruz)