:: Leônidas e Maria Deane: companheiros de vida e profissão
:: Leônidas Deane: um legado de inspiração para a ciência
Um sujeito de fala doce, jeito tímido e portador de um saber profundo. Assim podemos definir a figura inesquecível de Leônidas Deane. Dono de personalidade afável e de uma simplicidade fora do comum, Deane é unanimidade entre os profissionais que tiveram a oportunidade de conviver com ele, tanto no campo profissional quanto pessoal.
O parasitologista, que no último dia 18 de março teria completado cem anos, é referência para toda a comunidade científica, por meio do seu exemplo e da paixão dedicada à pesquisa.
Nascido em 18 de março de 1914, em Belém do Pará, o interesse de Leônidas pela saúde surgiu logo aos 16 anos, quando ingressou na Faculdade de Medicina e Cirurgia do Pará. A partir do terceiro ano, começou a frequentar diariamente o Laboratório de Biologia da Santa Casa, onde teve seus primeiros contatos com todos os tipos de exames requisitados pelas enfermarias do grande hospital geral.
Sempre em busca de conhecimento, Deane aproveitava seu horário de almoço para aprender sobre mosquitos com cientistas americanos que investigavam a febre amarela na Ilha de Marajó.
A parasitologia entrou de vez na vida de Leônidas ao integrar a equipe do cientista Evandro Chagas, no ano de 1936. Em depoimento concedido à Casa de Oswaldo Cruz nos anos de 1987 e 1988, o pesquisador recordou o momento no qual foi questionado por seu pai sobre trabalhar com Evandro no interior, tendo a possibilidade de montar um laboratório na cidade, e ele simplesmente respondeu: “Mas esse tipo de trabalho deve ser muito mais interessante do que o que eu faço”.
E então participou do Serviço de Malária do Nordeste, atuando no Instituto de Patologia Experimental do Norte, atual Instituto Evandro Chagas, no Pará. A partir desse período, a carreira de Leônidas esteve atrelada à de Maria José Von Paumgartten, aquela que mais tarde viria a ser sua esposa.
O parasitologista teria completado 100 anos no dia 18 de março
A ampla experiência adquirida no campo ao lado de Evandro Chagas fez com que Leônidas fosse convocado para outra missão em 1939: o Serviço de Malária do Nordeste.
A campanha teve como objetivo o combate ao mosquito Anopheles gambiae no Nordeste do Brasil, durante aquela que foi considerada a maior epidemia de malária do país. Leônidas foi fundamental para os estudos sobre a transmissão da doença pelo mosquito e sua biologia, que culminou na erradicação do vetor durante a campanha.
Após o fim da campanha em 1942, Deane atuou no Serviço Especial de Saúde Pública (Sesp). Em 1944, foi para os Estados Unidos e cursou o mestrado em Saúde Pública, na Escola de Higiene e Saúde Pública da Universidade John Hopkins, e os cursos de Entomologia Geral e Parasitologia Humana na universidade de Michigan.
Ao retornar para o Brasil, assumiu o cargo de chefe do Laboratório de Entomologia do Instituto de Malariologia, no Rio de Janeiro, até o ano de 1953. Em seguida, foi convidado pelo parasitologista Samuel Pessoa para atuar como professor na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), onde defendeu sua tese de livre docência, em 1970.
Foi durante esse período que o pesquisador Pedro Tauil, da Universidade de Brasília, conheceu Leônidas: “Fui aluno do professor Deane na disciplina de Parasitologia na USP. Lembro que ele era muito atencioso, preciso e detalhista. Além de professor, era um entusiasta do estímulo aos alunos em conhecerem a realidade brasileira, tanto social como sanitariamente. Ele orientava os estudantes, acompanhando-os em expedições de férias ao interior da Amazônia e do Nordeste”, disse.
“O professor Deane poderia ser resumido numa frase como o mais brilhante e humilde cientista que já conheci”, disse o pesquisador.
Durante a década de 60, a carreira de Leônidas alcançou rumos internacionais: junto com Maria, sua esposa, Deane se mudou para Portugal, onde teve a oportunidade de trabalhar no Instituto de Medicina Tropical de Lisboa, em 1975.
Logo depois, transferiu-se para a Venezuela, ingressando na Universidade de Carabobo entre 1976 e 1979. Finalmente de volta ao Brasil, o pesquisador assumiu a chefia do Departamento de Entomologia do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), a convite do então vice-presidente da Fundação Oswaldo Cruz, José Rodrigues Coura.
“Convidei o Leônidas para trabalhar no IOC durante uma visita à Universidade de Carabobo. Fui lá especialmente para chamá-lo, junto à Maria, para virem chefiar respectivamente os Departamentos de Entomologia e Protozoologia que eu estava criando”, disse o atual chefe do Laboratório de Doenças Parasitárias do IOC, José Coura. “O Leônidas foi um homem modesto, culto, sábio, com uma formação diferenciada que hoje já não se tem mais. Foi um profissional diferente de todos os outros”, destacou o pesquisador.
Segundo Ricardo Lourenço, que foi orientando de Leônidas e atualmente é pesquisador Laboratório de Transmissores de Hematozoários do IOC, o parasitologista usava ilustrações para tornar as aulas mais dinâmicas e conseguia prender a atenção de todos os alunos.
“Meu primeiro contato com Deane foi em uma aula muito ilustrada e ecológica sobre reservatórios de leishmanioses que me cativou bastante. Ele era muito tímido, dava aula olhando para o chão, o que só demonstrava toda a sua humildade. Sempre foi muito gentil, dedicado aos alunos, aberto a discussões. Para mim, o Dr. Leônidas foi o maior presente que a ciência me deu”, sintetizou o pesquisador.
Já a pesquisadora do Laboratório de Imunoparasitologia do IOC, Joseli Oliveira, teve a oportunidade de ir ao seu primeiro trabalho de campo, em Rondônia, na companhia de Leônidas.
“Tive esse privilégio de acompanhá-lo e a honra de ter o Dr. Deane na banca da minha dissertação de mestrado. O convívio com ele nesta época foi fonte de inspiração e influenciou profundamente a minha vida e carreira científica. Fui testemunha de seu entusiasmo, amor e dedicação à pesquisa e de quanto eram amplos seus valiosos ensinamentos. Ele era verdadeiramente modesto, brilhante e inesquecível, e seu lema era a humildade e a paixão por tudo que fazia, contagiando a todos nós”, concluiu.
O pesquisador da Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP), Francisco Paumgartten, é sobrinho de Leônidas e afirma que a convivência com o tio influenciou na escolha da pesquisa científica.
“Através dessa vivência familiar, ele influenciou meu primeiro contato com o mundo científico. Quando eu era criança, pude acompanhá-lo em expedições na época em que ele era professor da USP, e eu adorava ir. Foram oportunidades extraordinárias e marcantes na minha vida”, disse.
O pesquisador conta ainda que, além do tempo dedicado à ciência, Deane também era um artista: Ele tinha o dom para desenhar com enorme desenvoltura. Fazia caricaturas, retratos belíssimos de família e ilustrações. Até mesmo a maneira como ele fazia ciência era diferente do modo como ela é realizada hoje. Havia uma estética e elegância em tudo que ele fazia”, afirmou Paumgartten.
Ao longo de sua vida, Deane atuou também como consultor de diferentes instituições médicas e de pesquisa científica internacionais, como a Academia Nacional de Ciências e o Conselho Nacional de Pesquisas, a Organização Pan-Americana da Saúde e Organização Mundial da Saúde. Além disso, recebeu diversos prêmios e honrarias, como ‘Prêmio Oswaldo Cruz’, ‘Medalha Carlos Chagas’, ‘Medalha Gaspar Vianna’, ‘Prêmio Moinho Santista’, dentre outras.
:: Leônidas e Maria Deane: companheiros de vida e profissão
:: Leônidas Deane: um legado de inspiração para a ciência
Um sujeito de fala doce, jeito tímido e portador de um saber profundo. Assim podemos definir a figura inesquecível de Leônidas Deane. Dono de personalidade afável e de uma simplicidade fora do comum, Deane é unanimidade entre os profissionais que tiveram a oportunidade de conviver com ele, tanto no campo profissional quanto pessoal.
O parasitologista, que no último dia 18 de março teria completado cem anos, é referência para toda a comunidade científica, por meio do seu exemplo e da paixão dedicada à pesquisa.
Nascido em 18 de março de 1914, em Belém do Pará, o interesse de Leônidas pela saúde surgiu logo aos 16 anos, quando ingressou na Faculdade de Medicina e Cirurgia do Pará. A partir do terceiro ano, começou a frequentar diariamente o Laboratório de Biologia da Santa Casa, onde teve seus primeiros contatos com todos os tipos de exames requisitados pelas enfermarias do grande hospital geral.
Sempre em busca de conhecimento, Deane aproveitava seu horário de almoço para aprender sobre mosquitos com cientistas americanos que investigavam a febre amarela na Ilha de Marajó.
A parasitologia entrou de vez na vida de Leônidas ao integrar a equipe do cientista Evandro Chagas, no ano de 1936. Em depoimento concedido à Casa de Oswaldo Cruz nos anos de 1987 e 1988, o pesquisador recordou o momento no qual foi questionado por seu pai sobre trabalhar com Evandro no interior, tendo a possibilidade de montar um laboratório na cidade, e ele simplesmente respondeu: “Mas esse tipo de trabalho deve ser muito mais interessante do que o que eu faço”.
E então participou do Serviço de Malária do Nordeste, atuando no Instituto de Patologia Experimental do Norte, atual Instituto Evandro Chagas, no Pará. A partir desse período, a carreira de Leônidas esteve atrelada à de Maria José Von Paumgartten, aquela que mais tarde viria a ser sua esposa.
O parasitologista teria completado 100 anos no dia 18 de março
A ampla experiência adquirida no campo ao lado de Evandro Chagas fez com que Leônidas fosse convocado para outra missão em 1939: o Serviço de Malária do Nordeste.
A campanha teve como objetivo o combate ao mosquito Anopheles gambiae no Nordeste do Brasil, durante aquela que foi considerada a maior epidemia de malária do país. Leônidas foi fundamental para os estudos sobre a transmissão da doença pelo mosquito e sua biologia, que culminou na erradicação do vetor durante a campanha.
Após o fim da campanha em 1942, Deane atuou no Serviço Especial de Saúde Pública (Sesp). Em 1944, foi para os Estados Unidos e cursou o mestrado em Saúde Pública, na Escola de Higiene e Saúde Pública da Universidade John Hopkins, e os cursos de Entomologia Geral e Parasitologia Humana na universidade de Michigan.
Ao retornar para o Brasil, assumiu o cargo de chefe do Laboratório de Entomologia do Instituto de Malariologia, no Rio de Janeiro, até o ano de 1953. Em seguida, foi convidado pelo parasitologista Samuel Pessoa para atuar como professor na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), onde defendeu sua tese de livre docência, em 1970.
Foi durante esse período que o pesquisador Pedro Tauil, da Universidade de Brasília, conheceu Leônidas: “Fui aluno do professor Deane na disciplina de Parasitologia na USP. Lembro que ele era muito atencioso, preciso e detalhista. Além de professor, era um entusiasta do estímulo aos alunos em conhecerem a realidade brasileira, tanto social como sanitariamente. Ele orientava os estudantes, acompanhando-os em expedições de férias ao interior da Amazônia e do Nordeste”, disse.
“O professor Deane poderia ser resumido numa frase como o mais brilhante e humilde cientista que já conheci”, disse o pesquisador.
Durante a década de 60, a carreira de Leônidas alcançou rumos internacionais: junto com Maria, sua esposa, Deane se mudou para Portugal, onde teve a oportunidade de trabalhar no Instituto de Medicina Tropical de Lisboa, em 1975.
Logo depois, transferiu-se para a Venezuela, ingressando na Universidade de Carabobo entre 1976 e 1979. Finalmente de volta ao Brasil, o pesquisador assumiu a chefia do Departamento de Entomologia do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), a convite do então vice-presidente da Fundação Oswaldo Cruz, José Rodrigues Coura.
“Convidei o Leônidas para trabalhar no IOC durante uma visita à Universidade de Carabobo. Fui lá especialmente para chamá-lo, junto à Maria, para virem chefiar respectivamente os Departamentos de Entomologia e Protozoologia que eu estava criando”, disse o atual chefe do Laboratório de Doenças Parasitárias do IOC, José Coura. “O Leônidas foi um homem modesto, culto, sábio, com uma formação diferenciada que hoje já não se tem mais. Foi um profissional diferente de todos os outros”, destacou o pesquisador.
Segundo Ricardo Lourenço, que foi orientando de Leônidas e atualmente é pesquisador Laboratório de Transmissores de Hematozoários do IOC, o parasitologista usava ilustrações para tornar as aulas mais dinâmicas e conseguia prender a atenção de todos os alunos.
“Meu primeiro contato com Deane foi em uma aula muito ilustrada e ecológica sobre reservatórios de leishmanioses que me cativou bastante. Ele era muito tímido, dava aula olhando para o chão, o que só demonstrava toda a sua humildade. Sempre foi muito gentil, dedicado aos alunos, aberto a discussões. Para mim, o Dr. Leônidas foi o maior presente que a ciência me deu”, sintetizou o pesquisador.
Já a pesquisadora do Laboratório de Imunoparasitologia do IOC, Joseli Oliveira, teve a oportunidade de ir ao seu primeiro trabalho de campo, em Rondônia, na companhia de Leônidas.
“Tive esse privilégio de acompanhá-lo e a honra de ter o Dr. Deane na banca da minha dissertação de mestrado. O convívio com ele nesta época foi fonte de inspiração e influenciou profundamente a minha vida e carreira científica. Fui testemunha de seu entusiasmo, amor e dedicação à pesquisa e de quanto eram amplos seus valiosos ensinamentos. Ele era verdadeiramente modesto, brilhante e inesquecível, e seu lema era a humildade e a paixão por tudo que fazia, contagiando a todos nós”, concluiu.
O pesquisador da Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP), Francisco Paumgartten, é sobrinho de Leônidas e afirma que a convivência com o tio influenciou na escolha da pesquisa científica.
“Através dessa vivência familiar, ele influenciou meu primeiro contato com o mundo científico. Quando eu era criança, pude acompanhá-lo em expedições na época em que ele era professor da USP, e eu adorava ir. Foram oportunidades extraordinárias e marcantes na minha vida”, disse.
O pesquisador conta ainda que, além do tempo dedicado à ciência, Deane também era um artista: Ele tinha o dom para desenhar com enorme desenvoltura. Fazia caricaturas, retratos belíssimos de família e ilustrações. Até mesmo a maneira como ele fazia ciência era diferente do modo como ela é realizada hoje. Havia uma estética e elegância em tudo que ele fazia”, afirmou Paumgartten.
Ao longo de sua vida, Deane atuou também como consultor de diferentes instituições médicas e de pesquisa científica internacionais, como a Academia Nacional de Ciências e o Conselho Nacional de Pesquisas, a Organização Pan-Americana da Saúde e Organização Mundial da Saúde. Além disso, recebeu diversos prêmios e honrarias, como ‘Prêmio Oswaldo Cruz’, ‘Medalha Carlos Chagas’, ‘Medalha Gaspar Vianna’, ‘Prêmio Moinho Santista’, dentre outras.
Permitida a reprodução sem fins lucrativos do texto desde que citada a fonte (Comunicação / Instituto Oswaldo Cruz)