A cardiopatia é a causa de mortalidade mais importante relacionada à doença de Chagas e leva à morte mais de quatro mil brasileiros por ano, segundo dados do Ministério da Saúde. Um candidato a medicamento pode impedir a degeneração do coração ligada à infecção pelo Tripanosoma cruzi.
Após o sucesso dos resultados dos testes em laboratório in vitro e com animais, o candidato a medicamento inicia a fase de clÃnicos com os primeiros pacientes voluntários.
A nova estratégia terapêutica foi desenvolvida no Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), mesma instituição onde Carlos Chagas atuou, há exato um século, quando descobriu a doença que hoje leva seu nome.
Pesquisadora do IOC, Tania Araújo-Jorge coordena pesquisa que visa potencializar tratamento de pacientes chagásicos. Foto: Gutemberg Brito
Atualmente, há somente dois medicamentos disponÃveis para o tratamento da doença de Chagas e nenhum deles atua sobre a cardiopatia. Baseado nas propriedades antioxidantes do selênio, o medicamento desenvolvido pelo IOC em parceria com o Instituto de Pesquisa ClÃnica Evandro Chagas (IPEC/Fiocruz) e outras unidades da Fiocruz, pode aumentar a expectativa e a qualidade de vida dos pacientes.
Se tiver seus efeitos comprovados, o medicamento poderá ser produzido em escala pela própria Fiocruz, para atender todo o Sistema Único de Saúde (SUS).
O novo medicamento foi desenvolvido a partir de estudos in vitro e in vivo realizados no Laboratório de Inovações em Terapias, Ensino e Bioprodutos do IOC. A pesquisadora Tania Araújo-Jorge, chefe do laboratório e atual diretora do IOC, explica que essa estratégia de tratamento tem como objetivo repor no organismo de pacientes chagásicos os nÃveis de selênio, elemento com importante papel antioxidante.
"Testes anteriores em laboratório e com modelos animais mostraram uma clara relação entre o desenvolvimento da cardiopatia chagásica e a presença de baixos nÃveis de selênio em pacientes infectados pelo T. cruzi", explica a pesquisadora.
Faltando apenas algumas licenças do Ministério da Saúde para o inÃcio dos testes clÃnicos, os pesquisadores estão otimistas. "Em laboratório, a reposição dos nÃveis de selênio obteve ótimos resultados na interrupção do processo de deterioração do coração", afirma Tania.
"Nossa previsão para o estudo clÃnico é de reduzir em até 50% as taxas de evolução da cardiopatia nos pacientes."
Para a especialista, trata-se de um passo importante no combate à doença de Chagas. "Se os testes forem bem sucedidos, poderemos diminuir muito a mortalidade e as limitações associadas à cardiopatia chagásica", destaca.
O tratamento, no entanto, ainda não representa a cura, pois não elimina o parasito do organismo do hospedeiro. "Nossos estudos anteriores mostraram que o selênio não reduz a taxa de reprodução do T. cruzi no organismo", esclarece Tania.
"O ideal seria combinar esta estratégia com outro medicamento, capaz de eliminar o parasito, criando um coquetel para o tratamento da doença de Chagas. No entanto, esses produtos ainda estão em fase de desenvolvimento, em diversas partes do mundo."
A expectativa para a possÃvel aplicação do novo medicamento no SUS é grande, mas a pesquisadora esclarece que a pesquisa ainda precisa cumprir etapas fundamentais.
"Os testes clÃnicos serão realizados nos próximos cinco anos, quando poderemos analisar a eficácia do tratamento e seus possÃveis efeitos colaterais", pondera. "Somente se apresentar bons resultados nesse perÃodo poderemos disponibilizar o selênio para os pacientes crônicos atendidos pelo SUS."
Os voluntários que participarão do estudo são pacientes portadores de doença de Chagas atendidos no IPEC/Fiocruz que já estão na fase crônica da doença, com alterações leves e moderadas da atividade cardÃaca. Eles tomarão uma dose por dia do medicamento.
A pesquisa é fruto de uma colaboração entre diversas unidades da Fiocruz: IOC, IPEC, Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP), Biomanguinhos e Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde (INCQS).
A doença de Chagas está associada, em geral, à pobreza, o que torna o desenvolvimento do novo tratamento ainda mais importante.
"O selênio é reposto no organismo por meio da alimentação, mas a maioria dos pacientes chagásicos vive em condições de pobreza e não se alimenta bem, o que tende a agravar o desenvolvimento da cardiopatia, que impede essas pessoas de trabalhar", afirma Tania.
"O medicamento atuará corrigindo esse déficit, permitindo a ação plena dos mecanismos antioxidantes do organismo, o que esperamos que impeça a degeneração do coração associada à doença."
O selênio é um elemento fundamental para a vida, por estar envolvido com diversos processos antioxidantes no organismo. Em doses maiores do que a do novo medicamento, ele já é utilizado para tratar outras doenças, como o câncer. A pesquisadora explica que a dosagem mais baixa deve-se à duração do tratamento.
"O selênio pode se tornar tóxico, mas somente em quantidades pelo menos quatro vezes maiores do que a do novo medicamento", explica Tânia.
"Optamos por uma dose mais baixa por tratar-se de um tratamento longo, uma vez que o paciente chagásico deverá continuar tomando o medicamento para impedir a possÃvel evolução da doença", esclarece.
Além de um significativo avanço no combate à doença de Chagas, o estudo é um marco importante para o desenvolvimento de pesquisas translacionais, que buscam gerar aplicações para a saúde pública a partir dos resultados observados na pesquisa básica.
"Em geral, os ensaios clÃnicos realizados no Brasil utilizam produtos de fabricação estrangeira", pondera Tania.
"Realizar um ensaio clÃnico com um produto produzido pela Fiocruz a partir de estudos básicos realizados na própria Fundação é mais um passo para o desenvolvimento da pesquisa translacional no Brasil."
O primeiro lote do medicamento que será utilizado nos testes clÃnicos já foi produzido por Biomanguinhos/Fiocruz e aguarda apenas a liberação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para o inÃcio do tratamento dos primeiros pacientes.
Para a pesquisadora, produzir o fármaco na própria Fiocruz permitirá que toda a produção seja controlada. "Não havia no mercado brasileiro nenhum produto disponÃvel na dosagem que querÃamos utilizar e com registro na Anvisa", comenta a pesquisadora.
"Ao fabricarmos o produto, podemos garantir a qualidade e a continuidade da produção, ficamos livres da dependência externa e poderemos produzi-lo em escala rápida e suficiente para abastecer o SUS, caso seja aprovado nos testes clÃnicos."
A doença de Chagas é considerada pela Organização Mundial da Saúde como uma doença negligenciada e está muito presente nos paÃses mais pobres. A entidade internacional estima que só na América Latina existam entre 12 e 14 milhões de pessoas infectadas pelo T. cruzi.
No Brasil, estima-se em dois milhões o número de pacientes crônicos – 600 mil com complicações cardÃacas ou digestivas que levam a óbito cinco mil pessoas por ano.
Em valores absolutos, o número de brasileiros que morrem por doença de Chagas é similar ao dos que morrem por tuberculose e dez vezes superior à s mortes causadas por esquistossomose, malária, hansenÃase ou leishmaniose. A doença afeta indivÃduos em sua faixa etária mais produtiva – dos 30 aos 60 anos – e tem forte impacto na capacidade de trabalho e geração de renda.
Um ciclo vicioso perverso em que a pobreza é determinante social da doença e a doença gera mais pobreza. Apenas as diarreias infecciosas e a epidemia de Aids são mais impactantes que a doença de Chagas.
A cardiopatia é a causa de mortalidade mais importante relacionada à doença de Chagas e leva à morte mais de quatro mil brasileiros por ano, segundo dados do Ministério da Saúde. Um candidato a medicamento pode impedir a degeneração do coração ligada à infecção pelo Tripanosoma cruzi.
Após o sucesso dos resultados dos testes em laboratório in vitro e com animais, o candidato a medicamento inicia a fase de clÃnicos com os primeiros pacientes voluntários.
A nova estratégia terapêutica foi desenvolvida no Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), mesma instituição onde Carlos Chagas atuou, há exato um século, quando descobriu a doença que hoje leva seu nome.
Pesquisadora do IOC, Tania Araújo-Jorge coordena pesquisa que visa potencializar tratamento de pacientes chagásicos. Foto: Gutemberg BritoÂ
Atualmente, há somente dois medicamentos disponÃveis para o tratamento da doença de Chagas e nenhum deles atua sobre a cardiopatia. Baseado nas propriedades antioxidantes do selênio, o medicamento desenvolvido pelo IOC em parceria com o Instituto de Pesquisa ClÃnica Evandro Chagas (IPEC/Fiocruz) e outras unidades da Fiocruz, pode aumentar a expectativa e a qualidade de vida dos pacientes.
Se tiver seus efeitos comprovados, o medicamento poderá ser produzido em escala pela própria Fiocruz, para atender todo o Sistema Único de Saúde (SUS).
O novo medicamento foi desenvolvido a partir de estudos in vitro e in vivo realizados no Laboratório de Inovações em Terapias, Ensino e Bioprodutos do IOC. A pesquisadora Tania Araújo-Jorge, chefe do laboratório e atual diretora do IOC, explica que essa estratégia de tratamento tem como objetivo repor no organismo de pacientes chagásicos os nÃveis de selênio, elemento com importante papel antioxidante.
"Testes anteriores em laboratório e com modelos animais mostraram uma clara relação entre o desenvolvimento da cardiopatia chagásica e a presença de baixos nÃveis de selênio em pacientes infectados pelo T. cruzi", explica a pesquisadora.
Faltando apenas algumas licenças do Ministério da Saúde para o inÃcio dos testes clÃnicos, os pesquisadores estão otimistas. "Em laboratório, a reposição dos nÃveis de selênio obteve ótimos resultados na interrupção do processo de deterioração do coração", afirma Tania.
"Nossa previsão para o estudo clÃnico é de reduzir em até 50% as taxas de evolução da cardiopatia nos pacientes."
Para a especialista, trata-se de um passo importante no combate à doença de Chagas. "Se os testes forem bem sucedidos, poderemos diminuir muito a mortalidade e as limitações associadas à cardiopatia chagásica", destaca.
O tratamento, no entanto, ainda não representa a cura, pois não elimina o parasito do organismo do hospedeiro. "Nossos estudos anteriores mostraram que o selênio não reduz a taxa de reprodução do T. cruzi no organismo", esclarece Tania.
"O ideal seria combinar esta estratégia com outro medicamento, capaz de eliminar o parasito, criando um coquetel para o tratamento da doença de Chagas. No entanto, esses produtos ainda estão em fase de desenvolvimento, em diversas partes do mundo."
A expectativa para a possÃvel aplicação do novo medicamento no SUS é grande, mas a pesquisadora esclarece que a pesquisa ainda precisa cumprir etapas fundamentais.
"Os testes clÃnicos serão realizados nos próximos cinco anos, quando poderemos analisar a eficácia do tratamento e seus possÃveis efeitos colaterais", pondera. "Somente se apresentar bons resultados nesse perÃodo poderemos disponibilizar o selênio para os pacientes crônicos atendidos pelo SUS."
Os voluntários que participarão do estudo são pacientes portadores de doença de Chagas atendidos no IPEC/Fiocruz que já estão na fase crônica da doença, com alterações leves e moderadas da atividade cardÃaca. Eles tomarão uma dose por dia do medicamento.
A pesquisa é fruto de uma colaboração entre diversas unidades da Fiocruz: IOC, IPEC, Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP), Biomanguinhos e Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde (INCQS).
A doença de Chagas está associada, em geral, à pobreza, o que torna o desenvolvimento do novo tratamento ainda mais importante.
"O selênio é reposto no organismo por meio da alimentação, mas a maioria dos pacientes chagásicos vive em condições de pobreza e não se alimenta bem, o que tende a agravar o desenvolvimento da cardiopatia, que impede essas pessoas de trabalhar", afirma Tania.
"O medicamento atuará corrigindo esse déficit, permitindo a ação plena dos mecanismos antioxidantes do organismo, o que esperamos que impeça a degeneração do coração associada à doença."
O selênio é um elemento fundamental para a vida, por estar envolvido com diversos processos antioxidantes no organismo. Em doses maiores do que a do novo medicamento, ele já é utilizado para tratar outras doenças, como o câncer. A pesquisadora explica que a dosagem mais baixa deve-se à duração do tratamento.
"O selênio pode se tornar tóxico, mas somente em quantidades pelo menos quatro vezes maiores do que a do novo medicamento", explica Tânia.
"Optamos por uma dose mais baixa por tratar-se de um tratamento longo, uma vez que o paciente chagásico deverá continuar tomando o medicamento para impedir a possÃvel evolução da doença", esclarece.
Além de um significativo avanço no combate à doença de Chagas, o estudo é um marco importante para o desenvolvimento de pesquisas translacionais, que buscam gerar aplicações para a saúde pública a partir dos resultados observados na pesquisa básica.
"Em geral, os ensaios clÃnicos realizados no Brasil utilizam produtos de fabricação estrangeira", pondera Tania.
"Realizar um ensaio clÃnico com um produto produzido pela Fiocruz a partir de estudos básicos realizados na própria Fundação é mais um passo para o desenvolvimento da pesquisa translacional no Brasil."
O primeiro lote do medicamento que será utilizado nos testes clÃnicos já foi produzido por Biomanguinhos/Fiocruz e aguarda apenas a liberação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para o inÃcio do tratamento dos primeiros pacientes.
Para a pesquisadora, produzir o fármaco na própria Fiocruz permitirá que toda a produção seja controlada. "Não havia no mercado brasileiro nenhum produto disponÃvel na dosagem que querÃamos utilizar e com registro na Anvisa", comenta a pesquisadora.
"Ao fabricarmos o produto, podemos garantir a qualidade e a continuidade da produção, ficamos livres da dependência externa e poderemos produzi-lo em escala rápida e suficiente para abastecer o SUS, caso seja aprovado nos testes clÃnicos."
A doença de Chagas é considerada pela Organização Mundial da Saúde como uma doença negligenciada e está muito presente nos paÃses mais pobres. A entidade internacional estima que só na América Latina existam entre 12 e 14 milhões de pessoas infectadas pelo T. cruzi.
No Brasil, estima-se em dois milhões o número de pacientes crônicos – 600 mil com complicações cardÃacas ou digestivas que levam a óbito cinco mil pessoas por ano.
Em valores absolutos, o número de brasileiros que morrem por doença de Chagas é similar ao dos que morrem por tuberculose e dez vezes superior à s mortes causadas por esquistossomose, malária, hansenÃase ou leishmaniose. A doença afeta indivÃduos em sua faixa etária mais produtiva – dos 30 aos 60 anos – e tem forte impacto na capacidade de trabalho e geração de renda.
Um ciclo vicioso perverso em que a pobreza é determinante social da doença e a doença gera mais pobreza. Apenas as diarreias infecciosas e a epidemia de Aids são mais impactantes que a doença de Chagas.
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Matéria de Marcelo Garcia
Permitida a reprodução sem fins lucrativos do texto desde que citada a fonte (Comunicação / Instituto Oswaldo Cruz)