Quando se fala em vírus Influenza, uma das principais preocupações dos cientistas é a possibilidade de surgimento de novos vírus, capazes de provocar pandemias a nível global. Apesar do monitoramento constante realizado por uma rede global de vigilância, prever quando haverá uma nova pandemia de impacto mundial e deter essa onda de circulação permanece um desafio. Pesquisadores do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) esclarecem as condições que podem levar a um novo episódio pandêmico, abordam medidas que podem minimizar os impactos de um vírus com esse perfil e destacam os avanços alcançados pelos países.
No dia 11 de junho de 2009, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou situação de pandemia de influenza devido ao impacto em grande escala causado por uma cepa do vírus A(H1N1). O episódio que, à época, ficou conhecido como ‘gripe suína’, levou à morte entre 151 e 575 mil pessoas em todo o mundo, de acordo com um estudo publicado por pesquisadores dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC, na sigla em inglês), dos Estados Unidos, no periódico científico The Lancet Infectious Diseases, em 2012. Referência nacional em diagnóstico laboratorial do vírus Influenza junto ao Ministério da Saúde, o Laboratório de Vírus Respiratório e do Sarampo do IOC integra o Sistema Global de Vigilância e Resposta à Influenza da OMS.
Para entender como surgem as pandemias de gripe, o ponto de partida é a constatação de que o vírus Influenza sofre mutações frequentes. Com isso, existe um repertório de variações do vírus da gripe que já estão em circulação. A dinâmica envolvendo esses vírus é bastante previsível: por espirros, tossidas e contaminação de mãos e superfícies, eles seguem adiante. Estão em circulação constante, com ondas que ganham fôlego a cada inverno, e podem provocar manifestações de menor ou maior gravidade.
A virologista Marilda Siqueira, chefe do Laboratório de Vírus Respiratório e do Sarampo do IOC, conta que as pandemias de influenza acontecem quando uma nova cepa viral surge a partir de rearranjos no genoma do vírus. “Frente a esta nova variação do vírus, o conjunto de anticorpos das pessoas que já tiveram contato com os outros vírus Influenza que existiam antes é ineficaz. Como resultado da combinação entre a característica de ausência de imunidade das pessoas à rota de transmissão respiratória da gripe, que torna o ritmo do seu espalhamento muito acelerado e dificilmente controlável, as novas variações genéticas do Influenza têm potencial de se espalhar pelo mundo”, explica.
Segundo Siqueira, as vigilâncias epidemiológica e laboratorial são fundamentais para a captação de vírus Influenza de potencial pandêmico. Foto: Josué Damacena/IOC/FiocruzO novo microrganismo pode levar a um número expressivo de infecções, cuja intensidade pode variar, entre grave e branda, de uma pandemia para outra. Os fatores que influenciam esse impacto ainda permanecem desconhecidos. Pandemia de maior impacto dos últimos tempos, a ‘gripe espanhola’, que completou um século em 2018, causou entre 20 e 40 milhões de mortes em todo o mundo, segundo a OMS [leia mais sobre o assunto].
Surpreendentemente, o surgimento de uma pandemia de proporções globais depende de estruturas microscópicas da estrutura do vírus Influenza. Durante a infecção, o sistema imunológico é afetado por duas proteínas presentes na superfície do vírus Influenza A, chamadas hemaglutinina e neuraminidase. Guarde essas letras: essas proteínas são tão importantes para a capacidade de infecção do Influenza que as iniciais H e N são a chave para estabelecer o nome com que cada variedade genética do vírus é nomeada. Existem pelo menos 18 subtipos de hemaglutininas e 11 subtipos de neuraminidases descritos. O vírus A(H3N2), por exemplo, contém hemaglutinina subtipo 3 e neuraminidase subtipo 2.
As pandemias surgem na medida em que a composição genética do vírus sofre alterações. O esperado é que, no processo de multiplicação, o vírus produza cópias idênticas de si mesmo. É esse batalhão de cópias, produzidas dentro das células, que garante a um vírus prosperar e passar adiante. Os rearranjos genéticos acontecem quando duas (ou mais) variações do vírus Influenza infectam e se multiplicam dentro de uma mesma célula de um hospedeiro. Com dois (ou mais) protagonistas simultâneos no processo de produção de cópias, um rearranjo entre os genomas pode originar uma nova variedade genética. Basta olhar o caso da pandemia mais recente de Influenza, em 2009: no trabalho de recompor o percurso de nascimento do vírus, a aposta dos cientistas é de que o vírus A(H1N1) surgiu a partir de um rearranjo do genoma de dois vírus que infectaram porcos de forma simultânea. Essas mutações teriam resultado em uma variedade capaz de infectar pessoas.
Reprodução do vírus Influenza. Foto: Medical Graphics“A complexidade que envolve o mecanismo de rearranjo genético torna praticamente impossível prever o surgimento de uma próxima pandemia. Por isso, é fundamental que haja um sistema constante de vigilância epidemiológica e laboratorial, para a captação dos primeiros casos de forma precoce, a disponibilização do tratamento clínico e uma rede hospitalar eficiente”, destaca Siqueira. Diante deste cenário, os países contam com planos nacionais para o enfrentamento de uma possível pandemia de influenza. No caso do Brasil, a estratégia contempla diretrizes gerais essenciais à ação dos serviços de saúde e apresenta orientações necessárias face a uma situação de emergência. O plano tem por objetivo reduzir o impacto em termos de morbidade e mortalidade, otimizar os recursos existentes por meio de planejamento (o que envolve diagnóstico laboratorial e estoques de medicamentos, para citar alguns aspectos), reduzir os impactos socioeconômicos e a manutenção do funcionamento dos serviços essenciais do país.
“O plano de preparação para uma pandemia contempla diversos cenários que envolvem variáveis no que diz respeito à apresentação clínica, ao impacto da infecção, entre outros parâmetros que são analisados e definem ações, como o fechamento de escolas e aeroportos e o cancelamento de eventos públicos, por exemplo”, pontua Siqueira. A especialista, que participou da construção do plano brasileiro, acrescenta que a velocidade no compartilhamento de dados científicos é fundamental para garantir uma resposta de saúde pública adequada. “A disponibilização dos dados genéticos que caracterizam a variedade do vírus com potencial pandêmico, tão logo tenha sido detectado, é crucial para que o plano seja colocado em ação de forma eficaz. Da parte da população, cabe seguir a estratégia preconizada pelo Ministério da Saúde”, resume.
Desde 2009, a OMS, junto aos países que integram o Sistema Global de Vigilância e Resposta à Influenza, empenha uma série de medidas que visam o aperfeiçoamento das estratégias para um novo evento pandêmico. “Há um movimento a nível global em termos da organização de grupos de trabalho, realização de reuniões científicas e no assessoramento aos países. O vírus Influenza é contemplado em vários tratados internacionais, devido ao potencial nocivo de uma próxima pandemia, tanto em relação à saúde, como os impactos econômicos e sociais”, afirma Siqueira.
Em maio de 2019, em um esforço conjunto para fortalecer a vigilância do vírus influenza, o IOC sediou um curso internacional dedicado a técnicas de sequenciamento genético. A iniciativa é um trabalho conjunto entre o Instituto, a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) e o CDC, com impacto direto na formulação das vacinas usadas no combate à gripe. Especialistas de dez países das Américas participaram do treinamento no campus da Fiocruz, no Rio de Janeiro.
Em 2016, o IOC foi anfitrião do curso ‘Vigilância laboratorial: seleção, processamento e envio de amostras para diagnósticos de influenza e outros vírus respiratórios’, promovido junto à Opas, com apoio do Ministério da Saúde. No ano seguinte, a Opas trouxe ao país cerca de 25 especialistas das Américas, incluindo Bolívia, Costa Rica, Guatemala, Haiti e República Dominicana, para um curso internacional sobre diagnóstico molecular do vírus Influenza. A capacitação realizada no Laboratório de Vírus Respiratório e do Sarampo do IOC foi resultado de uma parceria entre o Instituto e o CDC.
Siqueira destaca que o Ministério da Saúde tem investido intensamente na melhoria do controle de influenza no Brasil. “Houve um aumento no número de unidades sentinelas que, desde 2009, passaram a considerar a Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG), que são os casos de pacientes hospitalizados ou em UTI, além da Síndrome Gripal (SG), que é a forma branda da doença”, diz. A rede de unidades sentinelas, distribuídas em serviços de saúde de todos os estados, aliada a uma rede de laboratórios de referência, dentre eles, o Laboratório de Vírus Respiratório e do Sarampo do IOC, permite o acompanhamento da circulação do vírus Influenza no país pela pasta. O aperfeiçoamento dos sistemas de controle de influenza foi percebido de forma homogênea nas Américas, avalia Siqueira. Ela aponta que há uma forte percepção, por parte dos governos, da importância de uma vigilância bem estruturada, e que os países têm aderido aos protocolos propostos pela Opas.
Em 1918, uma das maiores pandemias de influenza dos últimos tempos assolou a Europa e chegou a atingir diversos países, incluindo o Brasil. A gripe espanhola, como ficou conhecida, dizimou entre 20 e 40 milhões de pessoas, segundo estimativas da OMS. Outras pandemias surgiram no mundo, com menor gravidade, dentre elas a gripe asiática (1957), causada pelo vírus Influenza A (H2N2), e a gripe de Hong Kong (1968), ocasionada pela cepa Influenza A (H3N2).
Desde a detecção dos primeiros casos e o alerta global pela OMS, o IOC se mobilizou para o recebimento de amostras. As ações do Laboratório de Vírus Respiratório e do Sarampo focaram no diagnóstico laboratorial de casos suspeitos e na capacitação de profissionais de saúde para a realização dos procedimentos. Os pesquisadores do IOC foram os responsáveis pelas primeiras sequências genéticas do vírus Influenza A (H1N1) pandêmico mapeadas no Brasil. O estudo foi conduzido a partir de amostras de três pacientes, dois do Rio de Janeiro e um de Minas Gerais, todos diagnosticados no Laboratório. As informações foram depositadas no banco de informações genéticas do National Center for Biotechnology Information (NCBI), baseado no National Institute of Health (NIH), dos Estados Unidos, em maio de 2009.
“O sequenciamento genético é fundamental para o acompanhamento da evolução do vírus e uma ferramenta importante para o desenvolvimento de protocolos de diagnóstico. O estudo contribuiu para fortalecer a colaboração com a comunidade científica internacional, que se fazia imprescindível para o enfrentamento da pandemia”, esclarece Fernando Motta, pesquisador do Laboratório, que participou das investigações.
O virologista Fernando Motta, do Laboratório de Vírus Respiratório e do Sarampo do IOC, participou da mobilização voltada para o diagnóstico de amostras durante a pandemia de 2009. Foto: Gutemberg Brito/IOC/FiocruzO pesquisador lembra que, por conta do número expressivo de amostras recebidas, a equipe trabalhou de forma contínua para a realização dos diagnósticos, incluindo feriados e finais de semana. Para garantir a continuidade do serviço, o Laboratório do IOC ofereceu capacitação para que técnicos de Laboratórios Centrais de Saúde Pública (LACENs) pudessem realizar o diagnóstico em seus respectivos estados de origem.
“A capacitação para a técnica de RT PCR em tempo real, metodologia considerada padrão ouro de detecção, permitiu alcançarmos, em tempo recorde, a descentralização do protocolo para o diagnóstico de influenza entre os estados que fazem parte da nossa rede. Isso só foi possível devido ao esforço necessário para a resposta à pandemia”, enfatiza. Em 2009, o Laboratório realizou cerca de 17 mil diagnósticos de amostras pela técnica de PCR em tempo real. Segundo Fernando, após a pandemia, o protocolo utilizado para a detecção do vírus pandêmico foi adaptado para a identificação de outras cepas, incluindo o H3N2 e o Influenza B.
Atualmente, o Laboratório de Vírus Respiratório e do Sarampo do IOC recebe amostras de diversas unidades sentinelas vinculadas ao Ministério da Saúde para a realização de análises que contribuem para o monitoramento e vigilância de influenza no país. Entre os estudos desenvolvidos estão as análises filogenéticas, que permitem avaliar a relação evolutiva entre distintos grupos de influenza, a identificação de cepas variantes dos vírus que circulam durante as epidemias sazonais, a avaliação dos níveis de resistência ao antiviral oseltamivir, a reposta à vacinação e vigilância ao possível aparecimento de novos agentes de infecções respiratórias.
Quando se fala em vírus Influenza, uma das principais preocupações dos cientistas é a possibilidade de surgimento de novos vírus, capazes de provocar pandemias a nível global. Apesar do monitoramento constante realizado por uma rede global de vigilância, prever quando haverá uma nova pandemia de impacto mundial e deter essa onda de circulação permanece um desafio. Pesquisadores do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) esclarecem as condições que podem levar a um novo episódio pandêmico, abordam medidas que podem minimizar os impactos de um vírus com esse perfil e destacam os avanços alcançados pelos países.
No dia 11 de junho de 2009, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou situação de pandemia de influenza devido ao impacto em grande escala causado por uma cepa do vírus A(H1N1). O episódio que, à época, ficou conhecido como ‘gripe suína’, levou à morte entre 151 e 575 mil pessoas em todo o mundo, de acordo com um estudo publicado por pesquisadores dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC, na sigla em inglês), dos Estados Unidos, no periódico científico The Lancet Infectious Diseases, em 2012. Referência nacional em diagnóstico laboratorial do vírus Influenza junto ao Ministério da Saúde, o Laboratório de Vírus Respiratório e do Sarampo do IOC integra o Sistema Global de Vigilância e Resposta à Influenza da OMS.
Para entender como surgem as pandemias de gripe, o ponto de partida é a constatação de que o vírus Influenza sofre mutações frequentes. Com isso, existe um repertório de variações do vírus da gripe que já estão em circulação. A dinâmica envolvendo esses vírus é bastante previsível: por espirros, tossidas e contaminação de mãos e superfícies, eles seguem adiante. Estão em circulação constante, com ondas que ganham fôlego a cada inverno, e podem provocar manifestações de menor ou maior gravidade.
A virologista Marilda Siqueira, chefe do Laboratório de Vírus Respiratório e do Sarampo do IOC, conta que as pandemias de influenza acontecem quando uma nova cepa viral surge a partir de rearranjos no genoma do vírus. “Frente a esta nova variação do vírus, o conjunto de anticorpos das pessoas que já tiveram contato com os outros vírus Influenza que existiam antes é ineficaz. Como resultado da combinação entre a característica de ausência de imunidade das pessoas à rota de transmissão respiratória da gripe, que torna o ritmo do seu espalhamento muito acelerado e dificilmente controlável, as novas variações genéticas do Influenza têm potencial de se espalhar pelo mundo”, explica.
Segundo Siqueira, as vigilâncias epidemiológica e laboratorial são fundamentais para a captação de vírus Influenza de potencial pandêmico. Foto: Josué Damacena/IOC/FiocruzO novo microrganismo pode levar a um número expressivo de infecções, cuja intensidade pode variar, entre grave e branda, de uma pandemia para outra. Os fatores que influenciam esse impacto ainda permanecem desconhecidos. Pandemia de maior impacto dos últimos tempos, a ‘gripe espanhola’, que completou um século em 2018, causou entre 20 e 40 milhões de mortes em todo o mundo, segundo a OMS [leia mais sobre o assunto].
Surpreendentemente, o surgimento de uma pandemia de proporções globais depende de estruturas microscópicas da estrutura do vírus Influenza. Durante a infecção, o sistema imunológico é afetado por duas proteínas presentes na superfície do vírus Influenza A, chamadas hemaglutinina e neuraminidase. Guarde essas letras: essas proteínas são tão importantes para a capacidade de infecção do Influenza que as iniciais H e N são a chave para estabelecer o nome com que cada variedade genética do vírus é nomeada. Existem pelo menos 18 subtipos de hemaglutininas e 11 subtipos de neuraminidases descritos. O vírus A(H3N2), por exemplo, contém hemaglutinina subtipo 3 e neuraminidase subtipo 2.
As pandemias surgem na medida em que a composição genética do vírus sofre alterações. O esperado é que, no processo de multiplicação, o vírus produza cópias idênticas de si mesmo. É esse batalhão de cópias, produzidas dentro das células, que garante a um vírus prosperar e passar adiante. Os rearranjos genéticos acontecem quando duas (ou mais) variações do vírus Influenza infectam e se multiplicam dentro de uma mesma célula de um hospedeiro. Com dois (ou mais) protagonistas simultâneos no processo de produção de cópias, um rearranjo entre os genomas pode originar uma nova variedade genética. Basta olhar o caso da pandemia mais recente de Influenza, em 2009: no trabalho de recompor o percurso de nascimento do vírus, a aposta dos cientistas é de que o vírus A(H1N1) surgiu a partir de um rearranjo do genoma de dois vírus que infectaram porcos de forma simultânea. Essas mutações teriam resultado em uma variedade capaz de infectar pessoas.
Reprodução do vírus Influenza. Foto: Medical Graphics“A complexidade que envolve o mecanismo de rearranjo genético torna praticamente impossível prever o surgimento de uma próxima pandemia. Por isso, é fundamental que haja um sistema constante de vigilância epidemiológica e laboratorial, para a captação dos primeiros casos de forma precoce, a disponibilização do tratamento clínico e uma rede hospitalar eficiente”, destaca Siqueira. Diante deste cenário, os países contam com planos nacionais para o enfrentamento de uma possível pandemia de influenza. No caso do Brasil, a estratégia contempla diretrizes gerais essenciais à ação dos serviços de saúde e apresenta orientações necessárias face a uma situação de emergência. O plano tem por objetivo reduzir o impacto em termos de morbidade e mortalidade, otimizar os recursos existentes por meio de planejamento (o que envolve diagnóstico laboratorial e estoques de medicamentos, para citar alguns aspectos), reduzir os impactos socioeconômicos e a manutenção do funcionamento dos serviços essenciais do país.
“O plano de preparação para uma pandemia contempla diversos cenários que envolvem variáveis no que diz respeito à apresentação clínica, ao impacto da infecção, entre outros parâmetros que são analisados e definem ações, como o fechamento de escolas e aeroportos e o cancelamento de eventos públicos, por exemplo”, pontua Siqueira. A especialista, que participou da construção do plano brasileiro, acrescenta que a velocidade no compartilhamento de dados científicos é fundamental para garantir uma resposta de saúde pública adequada. “A disponibilização dos dados genéticos que caracterizam a variedade do vírus com potencial pandêmico, tão logo tenha sido detectado, é crucial para que o plano seja colocado em ação de forma eficaz. Da parte da população, cabe seguir a estratégia preconizada pelo Ministério da Saúde”, resume.
Desde 2009, a OMS, junto aos países que integram o Sistema Global de Vigilância e Resposta à Influenza, empenha uma série de medidas que visam o aperfeiçoamento das estratégias para um novo evento pandêmico. “Há um movimento a nível global em termos da organização de grupos de trabalho, realização de reuniões científicas e no assessoramento aos países. O vírus Influenza é contemplado em vários tratados internacionais, devido ao potencial nocivo de uma próxima pandemia, tanto em relação à saúde, como os impactos econômicos e sociais”, afirma Siqueira.
Em maio de 2019, em um esforço conjunto para fortalecer a vigilância do vírus influenza, o IOC sediou um curso internacional dedicado a técnicas de sequenciamento genético. A iniciativa é um trabalho conjunto entre o Instituto, a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) e o CDC, com impacto direto na formulação das vacinas usadas no combate à gripe. Especialistas de dez países das Américas participaram do treinamento no campus da Fiocruz, no Rio de Janeiro.
Em 2016, o IOC foi anfitrião do curso ‘Vigilância laboratorial: seleção, processamento e envio de amostras para diagnósticos de influenza e outros vírus respiratórios’, promovido junto à Opas, com apoio do Ministério da Saúde. No ano seguinte, a Opas trouxe ao país cerca de 25 especialistas das Américas, incluindo Bolívia, Costa Rica, Guatemala, Haiti e República Dominicana, para um curso internacional sobre diagnóstico molecular do vírus Influenza. A capacitação realizada no Laboratório de Vírus Respiratório e do Sarampo do IOC foi resultado de uma parceria entre o Instituto e o CDC.
Siqueira destaca que o Ministério da Saúde tem investido intensamente na melhoria do controle de influenza no Brasil. “Houve um aumento no número de unidades sentinelas que, desde 2009, passaram a considerar a Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG), que são os casos de pacientes hospitalizados ou em UTI, além da Síndrome Gripal (SG), que é a forma branda da doença”, diz. A rede de unidades sentinelas, distribuídas em serviços de saúde de todos os estados, aliada a uma rede de laboratórios de referência, dentre eles, o Laboratório de Vírus Respiratório e do Sarampo do IOC, permite o acompanhamento da circulação do vírus Influenza no país pela pasta. O aperfeiçoamento dos sistemas de controle de influenza foi percebido de forma homogênea nas Américas, avalia Siqueira. Ela aponta que há uma forte percepção, por parte dos governos, da importância de uma vigilância bem estruturada, e que os países têm aderido aos protocolos propostos pela Opas.
Em 1918, uma das maiores pandemias de influenza dos últimos tempos assolou a Europa e chegou a atingir diversos países, incluindo o Brasil. A gripe espanhola, como ficou conhecida, dizimou entre 20 e 40 milhões de pessoas, segundo estimativas da OMS. Outras pandemias surgiram no mundo, com menor gravidade, dentre elas a gripe asiática (1957), causada pelo vírus Influenza A (H2N2), e a gripe de Hong Kong (1968), ocasionada pela cepa Influenza A (H3N2).
Desde a detecção dos primeiros casos e o alerta global pela OMS, o IOC se mobilizou para o recebimento de amostras. As ações do Laboratório de Vírus Respiratório e do Sarampo focaram no diagnóstico laboratorial de casos suspeitos e na capacitação de profissionais de saúde para a realização dos procedimentos. Os pesquisadores do IOC foram os responsáveis pelas primeiras sequências genéticas do vírus Influenza A (H1N1) pandêmico mapeadas no Brasil. O estudo foi conduzido a partir de amostras de três pacientes, dois do Rio de Janeiro e um de Minas Gerais, todos diagnosticados no Laboratório. As informações foram depositadas no banco de informações genéticas do National Center for Biotechnology Information (NCBI), baseado no National Institute of Health (NIH), dos Estados Unidos, em maio de 2009.
“O sequenciamento genético é fundamental para o acompanhamento da evolução do vírus e uma ferramenta importante para o desenvolvimento de protocolos de diagnóstico. O estudo contribuiu para fortalecer a colaboração com a comunidade científica internacional, que se fazia imprescindível para o enfrentamento da pandemia”, esclarece Fernando Motta, pesquisador do Laboratório, que participou das investigações.
O virologista Fernando Motta, do Laboratório de Vírus Respiratório e do Sarampo do IOC, participou da mobilização voltada para o diagnóstico de amostras durante a pandemia de 2009. Foto: Gutemberg Brito/IOC/FiocruzO pesquisador lembra que, por conta do número expressivo de amostras recebidas, a equipe trabalhou de forma contínua para a realização dos diagnósticos, incluindo feriados e finais de semana. Para garantir a continuidade do serviço, o Laboratório do IOC ofereceu capacitação para que técnicos de Laboratórios Centrais de Saúde Pública (LACENs) pudessem realizar o diagnóstico em seus respectivos estados de origem.
“A capacitação para a técnica de RT PCR em tempo real, metodologia considerada padrão ouro de detecção, permitiu alcançarmos, em tempo recorde, a descentralização do protocolo para o diagnóstico de influenza entre os estados que fazem parte da nossa rede. Isso só foi possível devido ao esforço necessário para a resposta à pandemia”, enfatiza. Em 2009, o Laboratório realizou cerca de 17 mil diagnósticos de amostras pela técnica de PCR em tempo real. Segundo Fernando, após a pandemia, o protocolo utilizado para a detecção do vírus pandêmico foi adaptado para a identificação de outras cepas, incluindo o H3N2 e o Influenza B.
Atualmente, o Laboratório de Vírus Respiratório e do Sarampo do IOC recebe amostras de diversas unidades sentinelas vinculadas ao Ministério da Saúde para a realização de análises que contribuem para o monitoramento e vigilância de influenza no país. Entre os estudos desenvolvidos estão as análises filogenéticas, que permitem avaliar a relação evolutiva entre distintos grupos de influenza, a identificação de cepas variantes dos vírus que circulam durante as epidemias sazonais, a avaliação dos níveis de resistência ao antiviral oseltamivir, a reposta à vacinação e vigilância ao possível aparecimento de novos agentes de infecções respiratórias.
Permitida a reprodução sem fins lucrativos do texto desde que citada a fonte (Comunicação / Instituto Oswaldo Cruz)