Portuguese English Spanish
Interface
Adjust the interface to make it easier to use for different conditions.
This renders the document in high contrast mode.
This renders the document as white on black
This can help those with trouble processing rapid screen movements.
This loads a font easier to read for people with dyslexia.

vw_cabecalho_novo

Busca Avançada
Você está aqui: Notícias » Em 25 anos de Seminário Laveran e Deane, mais de 340 trajetórias acadêmicas impactadas 

Em 25 anos de Seminário Laveran e Deane, mais de 340 trajetórias acadêmicas impactadas 

Mais importante evento em malariologia do país comemora bodas de prata com relevantes contribuições para a pesquisa e o ensino na área
Por Vinicius Ferreira04/10/2022 - Atualizado em 19/10/2022

 

O ano era 1995. Tinha início o embrião daquele que se tornaria o mais importante evento do país em formação de estudantes de pós-graduação em malariologia e um dos mais renomados do mundo. Inspirado em uma iniciativa francesa, o ‘Seminário Laveran & Deane sobre Malária’ alcançou a marca de 25 anos de contribuições ímpares para a pesquisa e o ensino na área. 

Carinhosamente chamado de Laveran, a iniciativa homenageia dois expoentes da pesquisa em malária: o cirurgião Charles Louis Alphonse Laveran, militar francês que identificou e descreveu pela primeira vez, em 1880, o parasita Plasmodium a partir de amostra de sangue de um paciente e o saudoso pesquisador brasileiro Leônidas de Mello Deane, um dos maiores parasitologistas e malariologistas do mundo. 

Primeiros participantes do Seminário, em 1995. Foto: Divulgação

Coordenador do evento, Cláudio Tadeu Daniel-Ribeiro, chefe do Laboratório de Pesquisa em Malária do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), que atua como referência para a doença nas regiões extra-amazônicas, conta que tudo teve início com um convite do pesquisador Pierre Ambroise-Thomas para que integrasse o Conselho Científico da Fundação Internacional Laveran, que se reunia na sede científica da Fundação Merieux, na França.  

“Inspirado nos seminários rotineiros realizados pela Fundação para apoiar a pós-graduação francesa em parasitologia, voltei ao Brasil decidido a criar, com Fátima Cruz, a nossa versão da iniciativa. Estudantes, preferencialmente do primeiro ano de mestrado ou do segundo de doutorado, de diferentes universidades e centros de pesquisas brasileiros têm a oportunidade de apresentar suas dissertações e teses para pesquisadores sêniores de instituições nacionais e internacionais”, observou Claudio Tadeu Daniel-Ribeiro, chefe do Laboratório de Pesquisa em Malária e coordenador da iniciativa. 

Cada discente tem dez minutos para a exposição. Em seguida, enfrentam um debate de, no mínimo, 40 minutos, no qual alunos e professores podem fazer críticas e sugestões. A discussão é depois aprofundada em três reuniões simultâneas de grupos diferentes de professores e alunos gerando três relatórios que, ao final no Seminário, são aglutinados em um só para cada aluno. O resultado é uma troca intensa, que permite o aperfeiçoamento da qualidade científica dos estudos. 

Os participantes reúnem-se durante cinco dias para apresentação e discussão dos projetos de tese e das conferências. Fotos: Zuka Lemos

“Completamos 25 anos de história em 2020, porém devido à pandemia de Covid-19, somente foi possível realizar as comemorações neste ano. Nesse tempo, o Seminário teve 345 participações de estudantes, 61 de monitores/relatores, 310 de professores, 70 de alunos ouvintes e 14 de profissionais observadores”, comemorou Maria de Fátima Ferreira da Cruz, pesquisadora do mesmo Laboratório e organizadora do ‘Laveran’ ao lado de Cláudio desde o início. 

Além da tradicional programação, realizada de 25 a 29 de setembro, que contou com a participação de 21 estudantes, sendo 6 ouvintes – de várias regiões do país, a edição 2022 foi seguida de um simpósio comemorativo que reuniu numerosos convidados, entre 29 de setembro e 1º de outubro. Ambos aconteceram na charmosa Ilha de Itacuruçá, Costa Verde do Estado do Rio de Janeiro - local que é palco das discussões do encontro desde 1997.  

Presente à ocasião, a presidente da Fiocruz, Nísia Trindade Lima, destacou a relevância da dinâmica do evento. 

Ao centro, Nísia Trindade Lima, presidente da Fiocruz, recebendo homenagem dos coordenadores Cláudio Ribeiro e Fátima Cruz. Foto: Gutemberg Brito

“O viés pedagógico é muito forte nesse seminário e é nítido que os estudantes são os protagonistas de tudo isso. É lindo ver a generosidade de todos os professores, que saem de seus laboratórios, vêm para uma ilha e promovem uma verdadeira imersão nos projetos desenvolvidos pelos alunos, contribuindo para o aprimoramento da qualidade de cada projeto”, enfatizou Nísia. 

“Tenho me preocupado muito com a evasão de jovens da ciência. Muito mais triste que ver a fuga de cérebros do Brasil para o exterior, é ver os jovens largando a ciência por falta de incentivo e investimentos. Tenho certeza de que o Laveran é um estímulo a mais para que esses estudantes se mantenham firmes na missão de produzir ciência, gerando conhecimento e transformando a sociedade. Vida longa ao Seminário Laveran e Deane”, bradou a presidente. 

Solenidade de abertura do simpósio de comemoração 

A mesa de abertura em celebração aos 25 anos do Seminário Laveran e Deane, prestigiada por um auditório repleto de admiradores, composto por ex-participantes, professores, tutores, orientadores e especialistas da área, contou com a presença dos organizadores da iniciativa, Cláudio Tadeu Daniel-Ribeiro e Maria de Fátima da Cruz; do vice-diretor de Ensino, Informação e Comunicação do IOC, Ademir de Jesus Martins; das coordenadoras dos Programas de Pós-graduação em Medicina Tropical e em Biologia Celular e Molecular do IOC, Vanessa de Paula e Patricia Cuervo Escovar, respectivamente; e da pesquisadora da USP e Professora Emérita do Seminário, Maria Anice Sallum. 

Os organizadores agradeceram a presença de todos e destacaram a importância de cada um ao longo dos anos.  

Da esquerda pra direita: Vanessa de Paula, Ademir Martins, Fátima Cruz, Claudio Ribeiro, Maria Anice e Patrícia Cuervo. Foto: Gutemberg Brito

“Agradeço à Diretoria do IOC pelo apoio durante todo esse tempo, assim como os programas de Pós-graduação do Instituto e do país por contribuírem com o evento, fornecendo suporte às centenas de estudantes que já passaram por aqui”, disse Cláudio.

“Estou muito feliz de estar na presença de tantos amigos que fizemos no decorrer do tempo de realização do evento, ainda mais porque ficamos dois anos sem nos encontrar devido à pandemia de Covid-19”, completou Maria de Fátima. 

Representando a diretoria do IOC, Ademir Martins frisou a excelência do evento. “A qualidade dos Programas do IOC, atestada recentemente pela Capes, se deve tanto pelo trabalho árduo de docentes e discentes, como pela existência de um Seminário como esse, que é de excelência. Essa atmosfera de troca de ideias e interações é única”, disse. 

A coordenadora da Pós em Medicina Tropical ressaltou o envolvimento do programa no evento. “Essa iniciativa é de fundamental importância para o nosso curso. Nossos estudantes já desenvolveram mais de 40 teses em malária, várias com indicações a prêmios. A imersão nesse evento aprimora diretamente a qualidade dos trabalhos”, comentou Vanessa. 

“Desde as primeiras edições do Laveran, a Pós em Biologia Celular e Molecular marca presença no evento, com diversos discentes e docentes de renome, com destaques para Alexandre Peixoto, Leila Mendonça, Hugo Caire e Flávia Ribeiro”, exemplificou Cuervo. 

A conferência de abertura ficou a cargo do diretor do Centro Nacional para a Pesquisa Científica (CNRS) da França, George Snounou. Diretor de pesquisa do maior órgão público francês de pesquisa científica e uma das mais importantes instituições de pesquisa do mundo, Snounou é criador de ferramentas e abordagens amplamente utilizadas pela comunidade científica no desenvolvimento de estudos epidemiológicos moleculares em malária.  

Snounou durante sua conferência sobre desenvolvimento de imunizantes. Fotos: Gutemberg Brito

“Sinto-me honrado em abrir esse seminário comemorativo pelos 25 anos do Seminário Laveran e Deane. Agradeço aos organizadores pelo convite”, disse. 

O especialista abordou a dificuldade para a criação de uma vacina efetiva contra a malária, fez um panorama das diversas pesquisas realizadas ao longo do tempo pelo mundo afora e explicou como cada uma delas se propõe a agir e qual alvo pretendem atingir. 

“Existem vacinas que previnem a doença e aquelas em que o indivíduo até pode desenvolver o agravo, no entanto será de forma leve ou até mesmo assintomática, como vemos hoje em dia com os imunizantes contra a Covid-19”, lembrou. 

“Geralmente, a vacina reproduz o que acontece na natureza. As vacinas que temos hoje reproduzem isso, funcionando como um atalho para a imunidade adquirida”, continuou. 

Snounou frisou que já são cerca de 50 anos de desenvolvimento de uma vacina anti-malária. “Se já há vacinas para tantos agravos, por que ainda não pra para malária?”, indagou. O especialista explicou que o gênero Plasmodium, causador da malária, são protozoários com ciclo de vida complexo, e consequente complexidade estrutural e genética, se comparado a vírus e bactérias.  

Segundo o especialista, há na literatura mais de 1000 artigos publicados com contribuições no campo da malarioterapia como um todo. 

“O primeiro humano vacinado com uma vacina contra malária foi em 1973. De lá pra cá, outros aspirantes a imunizantes foram sendo desenvolvidos e testados. E, somente mais recentemente, em 2021, uma vacina parcialmente eficaz contra a doença foi anunciada e recomendada pela Organização Mundial da Saúde”, contou. 

“Provavelmente, serão administradas de 3 a 4 doses, uma vez que se verificou durante os estudos que os níveis de anticorpos foram diminuindo com o tempo”, completou.  

Conferencistas nacionais e internacionais no evento em celebração aos 25 anos do Laveran e Deane. Foto: Gutemberg Brito

A programação contou ainda com exposições de extrema valia para o entendimento da malária e seus desafios nos campos da entomologia, imunologia, parasitologia, aspectos ambientais e diagnóstico. 

O pesquisador do Laboratório de Pesquisa em Malária do IOC, Leonardo de Moura Carvalho, debateu sobre avanços e perspectivas translacionais na disfunção vascular provocada pela malária cerebral; e Stephanie Blandin, especialista da Universidade de Estrasburgo, na França, abordou como as interações mosquito/patógeno podem contribuir para o desenvolvimento de novas estratégias para limitar a transmissão de doenças. 

Os obstáculos, descobertas e conquistas da pesquisa em malária na Região Amazônica foram o tema da palestra da pesquisadora do Laboratório Pesquisas Básicas em Malária do Instituto Evandro Chagas (IEC), Giselle Rachid Viana. Já Anielle de Pina Costa, pesquisadora do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas (INI/Fiocruz) e da Universidade Federal Fluminense (UFF), discutiu a transmissão zoonótica de Plasmodium simium em área de Mata Atlântica no Rio de Janeiro. Já Daniel Bargieri, da Universidade de São Paulo, discorreu sobre questões relacionadas a pesquisas para o desenvolvimento de compostos capazes de bloquear a transmissão da doença. 

Prêmios e homenagens 

Para celebrar os 25 anos do evento, a Comissão Organizadora realizou a entrega do diploma do III Prêmio Laveran & Deane. A horaria destaca pesquisadores que participaram como alunos do Seminário e fizeram contribuições relevantes para o estudo da malária. As agraciadas foram Anna Caroline Aguiar e Denise Anete Madureira de Alvarenga.   

“O Laveran me colocou em contato com pesquisadores renomados. Isso abriu portas para colaborações científicas e para a solidificação da minha carreira. Todas as sugestões que recebi quando estive aqui como estudante rendem frutos até hoje você”, declarou Anna Carolina, professora afiliada na Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). 

“Esse evento realmente é um divisor de águas. Ele é transformador e distinto de qualquer outro evento que a gente participa na vida acadêmica ou profissional. Estou extremamente honrada de poder estar aqui novamente”, disse emocionada Denise Alvarenga, pós-doc na Fiocruz Minas. 

Denise Alvarenga e Anna Caroline, ganhadoras do III Prêmio Laveran e Deane. Foto: Gutemberg Brito

O primeiro Prêmio Laveran & Deane foi entregue a Irene da Silva Soares e Érika Martins Braga, durante as comemorações pelos dez anos do Seminário. A segunda edição ocorreu durante as celebrações pelos 20 anos e agraciou Daniel Youssef Bargieri. 

Já o prêmio de melhor pôster foi concedido a Maisa da Silva Araújo, que atua na Plataforma de Produção e Infecção de Vetores da Malária, da Fiocruz Rondônia. "Estive aqui enquanto eu cursava meu doutorado e o Laveran contribuiu para que eu conseguisse definir a minha linha de pesquisa. Foi aqui que eu tive a oportunidade de discutir meu projeto com grandes pesquisadores, que até então eu só conhecia dos artigos que lia. Conquistar esse prêmio nos impulsiona a contribuir ainda mais para a pesquisa em malária no Brasil”, frisou. 

Maisa Araújo, ganhadora do melhor pôster. Foto: Gutemberg Brito

Também foi destaque a homenagem aos professores do Seminário falecidos desde a sua criação: Luiz Carlos da Silveira, José Maria de Souza, Wanderli Tadei e Juliana de Meis. 

Outro ponto distinto na comemoração foi a nomeação de Enrique Medina Acosta, Guilherme Loureiro Werneck, Antônio Guilherme Pacheco, Francisco Inácio Bastos e Maria das Graças Costa Alecrim como Professores Eméritos do Seminário Laveran e Deane.

Presentes à cerimônia, os novos professores eméritos foram diplomados: à esquerda, Acosta, ao centro, Pacheco, e à direita, Werneck. Foto: Gutemberg Brito

Durante a programação tradicional do Seminário, professores e estudantes elegeram Lucas Freire Antunes e Laura Cordeiro Gomes como os melhores alunos. 

Pela segunda vez no Laveran, Lucas teve a oportunidade de participar em 2017 como ouvinte, durante a iniciação científica, e agora como doutorando. “Na primeira participação, por ainda não conhecer muita coisa sobre malária, meu foco foi captar o máximo de informação possível. Nesse ano, tive a oportunidade de apresentar meu trabalho, discutir ativamente os resultados e ainda ajudar outros alunos em suas pesquisas”, comentou o biólogo, de 26 anos, que estuda o papel de neutrófilos na malária cerebral. 

Proveniente da cidade de Cruzeiro do Sul, no Acre, Laura nasceu e cresceu numa área endêmica para malária. Hoje, doutoranda no Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo, a jovem de 27 anos, estreante no Laveran, reconhece o evento como uma experiencia única, no qual funciona como um processo de lapidação dos estudantes. 

Laura e Lucas: estudantes revelação do Seminário. Fotos: Zuka Lemos

“Sinto que essa iniciativa representa uma consolidação do meu período acadêmico. Nunca imaginei que conseguiria aprender tanta coisa e desenvolver tanto o meu conhecimento no tema em um curto período de tempo. Me senti estimulada a visitar outras áreas de conhecimento no agravo e estimulada a desenvolver meu senso de multidisciplinaridade na pesquisa em malária. Volto com um sentimento de imensa gratidão por todas as contribuições e toda a generosidade dos professores, por estarem aqui se dedicando ao aprimoramento de nossas pesquisas”, declarou a farmacêutica, que desenvolve estudos sobre alterações cardiovasculares provocadas pelo agravo. 

Feito a muitas mãos 

Por trás da perseverança de Cláudio e Fátima ao longo de todos esses anos, está a secretária-executiva Claudia Castro. Atenciosa, caprichosa e aguerrida, “Claudinha”, como é carinhosamente chamada, cuida de cada detalhe logístico antes, durante e após o evento. 

“Uma aventura!”, resumiu Claudia ao falar sobre o planejamento e organização do Laveran. “Não é apenas um congresso, não é mais do mesmo, é um evento com uma dinâmica trabalhosa. Nesse ano em especial chegamos a mais de 100 participantes e nós cuidamos de cada um deles”, disse. 

“Nossa recompensa é ver o brilho nos olhos dos alunos por ter a oportunidade de estar ao lado de expoentes da ciência. Muito estudantes são de locais de pouco acesso e infraestrutura e aqui eles conhecem de perto uma outra realidade”, completou a secretária-executiva. 

Cleven e Claudia (ao centro) juntamente com colaboradores do Laboratório de Pesquisa em Malária do IOC: apoio fundamental para a realização do evento. Foto: Gutemberg Brito

Tendo em vista a dimensão da celebração pelos 25 anos da iniciativa, Claudia ganhou um “companheiro de aventura”, o assistente administrativo Cleven dos Santos.  

“O evento não acaba quando termina. Depois dos dias de realização das atividades em si, ainda trabalhamos duro para organizar relatórios, documentos, fazer prestação de contas e outros detalhes técnicos e logísticos. Deixamos tudo certinho para que no ano seguinte seja realizado mais um lindo evento”, contou empolgado sobre a missão de auxiliar na organização. 

Mais importante evento em malariologia do país comemora bodas de prata com relevantes contribuições para a pesquisa e o ensino na área
Por: 
viniciusferreira

 

O ano era 1995. Tinha início o embrião daquele que se tornaria o mais importante evento do país em formação de estudantes de pós-graduação em malariologia e um dos mais renomados do mundo. Inspirado em uma iniciativa francesa, o ‘Seminário Laveran & Deane sobre Malária’ alcançou a marca de 25 anos de contribuições ímpares para a pesquisa e o ensino na área. 

Carinhosamente chamado de Laveran, a iniciativa homenageia dois expoentes da pesquisa em malária: o cirurgião Charles Louis Alphonse Laveran, militar francês que identificou e descreveu pela primeira vez, em 1880, o parasita Plasmodium a partir de amostra de sangue de um paciente e o saudoso pesquisador brasileiro Leônidas de Mello Deane, um dos maiores parasitologistas e malariologistas do mundo. 

Primeiros participantes do Seminário, em 1995. Foto: Divulgação

Coordenador do evento, Cláudio Tadeu Daniel-Ribeiro, chefe do Laboratório de Pesquisa em Malária do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), que atua como referência para a doença nas regiões extra-amazônicas, conta que tudo teve início com um convite do pesquisador Pierre Ambroise-Thomas para que integrasse o Conselho Científico da Fundação Internacional Laveran, que se reunia na sede científica da Fundação Merieux, na França.  

“Inspirado nos seminários rotineiros realizados pela Fundação para apoiar a pós-graduação francesa em parasitologia, voltei ao Brasil decidido a criar, com Fátima Cruz, a nossa versão da iniciativa. Estudantes, preferencialmente do primeiro ano de mestrado ou do segundo de doutorado, de diferentes universidades e centros de pesquisas brasileiros têm a oportunidade de apresentar suas dissertações e teses para pesquisadores sêniores de instituições nacionais e internacionais”, observou Claudio Tadeu Daniel-Ribeiro, chefe do Laboratório de Pesquisa em Malária e coordenador da iniciativa. 

Cada discente tem dez minutos para a exposição. Em seguida, enfrentam um debate de, no mínimo, 40 minutos, no qual alunos e professores podem fazer críticas e sugestões. A discussão é depois aprofundada em três reuniões simultâneas de grupos diferentes de professores e alunos gerando três relatórios que, ao final no Seminário, são aglutinados em um só para cada aluno. O resultado é uma troca intensa, que permite o aperfeiçoamento da qualidade científica dos estudos. 

Os participantes reúnem-se durante cinco dias para apresentação e discussão dos projetos de tese e das conferências. Fotos: Zuka Lemos

“Completamos 25 anos de história em 2020, porém devido à pandemia de Covid-19, somente foi possível realizar as comemorações neste ano. Nesse tempo, o Seminário teve 345 participações de estudantes, 61 de monitores/relatores, 310 de professores, 70 de alunos ouvintes e 14 de profissionais observadores”, comemorou Maria de Fátima Ferreira da Cruz, pesquisadora do mesmo Laboratório e organizadora do ‘Laveran’ ao lado de Cláudio desde o início. 

Além da tradicional programação, realizada de 25 a 29 de setembro, que contou com a participação de 21 estudantes, sendo 6 ouvintes – de várias regiões do país, a edição 2022 foi seguida de um simpósio comemorativo que reuniu numerosos convidados, entre 29 de setembro e 1º de outubro. Ambos aconteceram na charmosa Ilha de Itacuruçá, Costa Verde do Estado do Rio de Janeiro - local que é palco das discussões do encontro desde 1997.  

Presente à ocasião, a presidente da Fiocruz, Nísia Trindade Lima, destacou a relevância da dinâmica do evento. 

Ao centro, Nísia Trindade Lima, presidente da Fiocruz, recebendo homenagem dos coordenadores Cláudio Ribeiro e Fátima Cruz. Foto: Gutemberg Brito

“O viés pedagógico é muito forte nesse seminário e é nítido que os estudantes são os protagonistas de tudo isso. É lindo ver a generosidade de todos os professores, que saem de seus laboratórios, vêm para uma ilha e promovem uma verdadeira imersão nos projetos desenvolvidos pelos alunos, contribuindo para o aprimoramento da qualidade de cada projeto”, enfatizou Nísia. 

“Tenho me preocupado muito com a evasão de jovens da ciência. Muito mais triste que ver a fuga de cérebros do Brasil para o exterior, é ver os jovens largando a ciência por falta de incentivo e investimentos. Tenho certeza de que o Laveran é um estímulo a mais para que esses estudantes se mantenham firmes na missão de produzir ciência, gerando conhecimento e transformando a sociedade. Vida longa ao Seminário Laveran e Deane”, bradou a presidente. 

Solenidade de abertura do simpósio de comemoração 

A mesa de abertura em celebração aos 25 anos do Seminário Laveran e Deane, prestigiada por um auditório repleto de admiradores, composto por ex-participantes, professores, tutores, orientadores e especialistas da área, contou com a presença dos organizadores da iniciativa, Cláudio Tadeu Daniel-Ribeiro e Maria de Fátima da Cruz; do vice-diretor de Ensino, Informação e Comunicação do IOC, Ademir de Jesus Martins; das coordenadoras dos Programas de Pós-graduação em Medicina Tropical e em Biologia Celular e Molecular do IOC, Vanessa de Paula e Patricia Cuervo Escovar, respectivamente; e da pesquisadora da USP e Professora Emérita do Seminário, Maria Anice Sallum. 

Os organizadores agradeceram a presença de todos e destacaram a importância de cada um ao longo dos anos.  

Da esquerda pra direita: Vanessa de Paula, Ademir Martins, Fátima Cruz, Claudio Ribeiro, Maria Anice e Patrícia Cuervo. Foto: Gutemberg Brito

“Agradeço à Diretoria do IOC pelo apoio durante todo esse tempo, assim como os programas de Pós-graduação do Instituto e do país por contribuírem com o evento, fornecendo suporte às centenas de estudantes que já passaram por aqui”, disse Cláudio.

“Estou muito feliz de estar na presença de tantos amigos que fizemos no decorrer do tempo de realização do evento, ainda mais porque ficamos dois anos sem nos encontrar devido à pandemia de Covid-19”, completou Maria de Fátima. 

Representando a diretoria do IOC, Ademir Martins frisou a excelência do evento. “A qualidade dos Programas do IOC, atestada recentemente pela Capes, se deve tanto pelo trabalho árduo de docentes e discentes, como pela existência de um Seminário como esse, que é de excelência. Essa atmosfera de troca de ideias e interações é única”, disse. 

A coordenadora da Pós em Medicina Tropical ressaltou o envolvimento do programa no evento. “Essa iniciativa é de fundamental importância para o nosso curso. Nossos estudantes já desenvolveram mais de 40 teses em malária, várias com indicações a prêmios. A imersão nesse evento aprimora diretamente a qualidade dos trabalhos”, comentou Vanessa. 

“Desde as primeiras edições do Laveran, a Pós em Biologia Celular e Molecular marca presença no evento, com diversos discentes e docentes de renome, com destaques para Alexandre Peixoto, Leila Mendonça, Hugo Caire e Flávia Ribeiro”, exemplificou Cuervo. 

A conferência de abertura ficou a cargo do diretor do Centro Nacional para a Pesquisa Científica (CNRS) da França, George Snounou. Diretor de pesquisa do maior órgão público francês de pesquisa científica e uma das mais importantes instituições de pesquisa do mundo, Snounou é criador de ferramentas e abordagens amplamente utilizadas pela comunidade científica no desenvolvimento de estudos epidemiológicos moleculares em malária.  

Snounou durante sua conferência sobre desenvolvimento de imunizantes. Fotos: Gutemberg Brito

“Sinto-me honrado em abrir esse seminário comemorativo pelos 25 anos do Seminário Laveran e Deane. Agradeço aos organizadores pelo convite”, disse. 

O especialista abordou a dificuldade para a criação de uma vacina efetiva contra a malária, fez um panorama das diversas pesquisas realizadas ao longo do tempo pelo mundo afora e explicou como cada uma delas se propõe a agir e qual alvo pretendem atingir. 

“Existem vacinas que previnem a doença e aquelas em que o indivíduo até pode desenvolver o agravo, no entanto será de forma leve ou até mesmo assintomática, como vemos hoje em dia com os imunizantes contra a Covid-19”, lembrou. 

“Geralmente, a vacina reproduz o que acontece na natureza. As vacinas que temos hoje reproduzem isso, funcionando como um atalho para a imunidade adquirida”, continuou. 

Snounou frisou que já são cerca de 50 anos de desenvolvimento de uma vacina anti-malária. “Se já há vacinas para tantos agravos, por que ainda não pra para malária?”, indagou. O especialista explicou que o gênero Plasmodium, causador da malária, são protozoários com ciclo de vida complexo, e consequente complexidade estrutural e genética, se comparado a vírus e bactérias.  

Segundo o especialista, há na literatura mais de 1000 artigos publicados com contribuições no campo da malarioterapia como um todo. 

“O primeiro humano vacinado com uma vacina contra malária foi em 1973. De lá pra cá, outros aspirantes a imunizantes foram sendo desenvolvidos e testados. E, somente mais recentemente, em 2021, uma vacina parcialmente eficaz contra a doença foi anunciada e recomendada pela Organização Mundial da Saúde”, contou. 

“Provavelmente, serão administradas de 3 a 4 doses, uma vez que se verificou durante os estudos que os níveis de anticorpos foram diminuindo com o tempo”, completou.  

Conferencistas nacionais e internacionais no evento em celebração aos 25 anos do Laveran e Deane. Foto: Gutemberg Brito

A programação contou ainda com exposições de extrema valia para o entendimento da malária e seus desafios nos campos da entomologia, imunologia, parasitologia, aspectos ambientais e diagnóstico. 

O pesquisador do Laboratório de Pesquisa em Malária do IOC, Leonardo de Moura Carvalho, debateu sobre avanços e perspectivas translacionais na disfunção vascular provocada pela malária cerebral; e Stephanie Blandin, especialista da Universidade de Estrasburgo, na França, abordou como as interações mosquito/patógeno podem contribuir para o desenvolvimento de novas estratégias para limitar a transmissão de doenças. 

Os obstáculos, descobertas e conquistas da pesquisa em malária na Região Amazônica foram o tema da palestra da pesquisadora do Laboratório Pesquisas Básicas em Malária do Instituto Evandro Chagas (IEC), Giselle Rachid Viana. Já Anielle de Pina Costa, pesquisadora do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas (INI/Fiocruz) e da Universidade Federal Fluminense (UFF), discutiu a transmissão zoonótica de Plasmodium simium em área de Mata Atlântica no Rio de Janeiro. Já Daniel Bargieri, da Universidade de São Paulo, discorreu sobre questões relacionadas a pesquisas para o desenvolvimento de compostos capazes de bloquear a transmissão da doença. 

Prêmios e homenagens 

Para celebrar os 25 anos do evento, a Comissão Organizadora realizou a entrega do diploma do III Prêmio Laveran & Deane. A horaria destaca pesquisadores que participaram como alunos do Seminário e fizeram contribuições relevantes para o estudo da malária. As agraciadas foram Anna Caroline Aguiar e Denise Anete Madureira de Alvarenga.   

“O Laveran me colocou em contato com pesquisadores renomados. Isso abriu portas para colaborações científicas e para a solidificação da minha carreira. Todas as sugestões que recebi quando estive aqui como estudante rendem frutos até hoje você”, declarou Anna Carolina, professora afiliada na Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). 

“Esse evento realmente é um divisor de águas. Ele é transformador e distinto de qualquer outro evento que a gente participa na vida acadêmica ou profissional. Estou extremamente honrada de poder estar aqui novamente”, disse emocionada Denise Alvarenga, pós-doc na Fiocruz Minas. 

Denise Alvarenga e Anna Caroline, ganhadoras do III Prêmio Laveran e Deane. Foto: Gutemberg Brito

O primeiro Prêmio Laveran & Deane foi entregue a Irene da Silva Soares e Érika Martins Braga, durante as comemorações pelos dez anos do Seminário. A segunda edição ocorreu durante as celebrações pelos 20 anos e agraciou Daniel Youssef Bargieri. 

Já o prêmio de melhor pôster foi concedido a Maisa da Silva Araújo, que atua na Plataforma de Produção e Infecção de Vetores da Malária, da Fiocruz Rondônia. "Estive aqui enquanto eu cursava meu doutorado e o Laveran contribuiu para que eu conseguisse definir a minha linha de pesquisa. Foi aqui que eu tive a oportunidade de discutir meu projeto com grandes pesquisadores, que até então eu só conhecia dos artigos que lia. Conquistar esse prêmio nos impulsiona a contribuir ainda mais para a pesquisa em malária no Brasil”, frisou. 

Maisa Araújo, ganhadora do melhor pôster. Foto: Gutemberg Brito

Também foi destaque a homenagem aos professores do Seminário falecidos desde a sua criação: Luiz Carlos da Silveira, José Maria de Souza, Wanderli Tadei e Juliana de Meis. 

Outro ponto distinto na comemoração foi a nomeação de Enrique Medina Acosta, Guilherme Loureiro Werneck, Antônio Guilherme Pacheco, Francisco Inácio Bastos e Maria das Graças Costa Alecrim como Professores Eméritos do Seminário Laveran e Deane.

Presentes à cerimônia, os novos professores eméritos foram diplomados: à esquerda, Acosta, ao centro, Pacheco, e à direita, Werneck. Foto: Gutemberg Brito

Durante a programação tradicional do Seminário, professores e estudantes elegeram Lucas Freire Antunes e Laura Cordeiro Gomes como os melhores alunos. 

Pela segunda vez no Laveran, Lucas teve a oportunidade de participar em 2017 como ouvinte, durante a iniciação científica, e agora como doutorando. “Na primeira participação, por ainda não conhecer muita coisa sobre malária, meu foco foi captar o máximo de informação possível. Nesse ano, tive a oportunidade de apresentar meu trabalho, discutir ativamente os resultados e ainda ajudar outros alunos em suas pesquisas”, comentou o biólogo, de 26 anos, que estuda o papel de neutrófilos na malária cerebral. 

Proveniente da cidade de Cruzeiro do Sul, no Acre, Laura nasceu e cresceu numa área endêmica para malária. Hoje, doutoranda no Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo, a jovem de 27 anos, estreante no Laveran, reconhece o evento como uma experiencia única, no qual funciona como um processo de lapidação dos estudantes. 

Laura e Lucas: estudantes revelação do Seminário. Fotos: Zuka Lemos

“Sinto que essa iniciativa representa uma consolidação do meu período acadêmico. Nunca imaginei que conseguiria aprender tanta coisa e desenvolver tanto o meu conhecimento no tema em um curto período de tempo. Me senti estimulada a visitar outras áreas de conhecimento no agravo e estimulada a desenvolver meu senso de multidisciplinaridade na pesquisa em malária. Volto com um sentimento de imensa gratidão por todas as contribuições e toda a generosidade dos professores, por estarem aqui se dedicando ao aprimoramento de nossas pesquisas”, declarou a farmacêutica, que desenvolve estudos sobre alterações cardiovasculares provocadas pelo agravo. 

Feito a muitas mãos 

Por trás da perseverança de Cláudio e Fátima ao longo de todos esses anos, está a secretária-executiva Claudia Castro. Atenciosa, caprichosa e aguerrida, “Claudinha”, como é carinhosamente chamada, cuida de cada detalhe logístico antes, durante e após o evento. 

“Uma aventura!”, resumiu Claudia ao falar sobre o planejamento e organização do Laveran. “Não é apenas um congresso, não é mais do mesmo, é um evento com uma dinâmica trabalhosa. Nesse ano em especial chegamos a mais de 100 participantes e nós cuidamos de cada um deles”, disse. 

“Nossa recompensa é ver o brilho nos olhos dos alunos por ter a oportunidade de estar ao lado de expoentes da ciência. Muito estudantes são de locais de pouco acesso e infraestrutura e aqui eles conhecem de perto uma outra realidade”, completou a secretária-executiva. 

Cleven e Claudia (ao centro) juntamente com colaboradores do Laboratório de Pesquisa em Malária do IOC: apoio fundamental para a realização do evento. Foto: Gutemberg Brito

Tendo em vista a dimensão da celebração pelos 25 anos da iniciativa, Claudia ganhou um “companheiro de aventura”, o assistente administrativo Cleven dos Santos.  

“O evento não acaba quando termina. Depois dos dias de realização das atividades em si, ainda trabalhamos duro para organizar relatórios, documentos, fazer prestação de contas e outros detalhes técnicos e logísticos. Deixamos tudo certinho para que no ano seguinte seja realizado mais um lindo evento”, contou empolgado sobre a missão de auxiliar na organização. 

Permitida a reprodução sem fins lucrativos do texto desde que citada a fonte (Comunicação / Instituto Oswaldo Cruz)