Portuguese English Spanish
Interface
Adjust the interface to make it easier to use for different conditions.
This renders the document in high contrast mode.
This renders the document as white on black
This can help those with trouble processing rapid screen movements.
This loads a font easier to read for people with dyslexia.
Busca Avançada
Você está aqui: Notícias » Virando o jogo na luta contra a doença de Chagas

Virando o jogo na luta contra a doença de Chagas

Documentário que registra a realidade da doença no sertão do Ceará se transforma em ferramenta de educação e diálogo entre ciência e sociedade
Por Jornalismo IOC15/12/2010 - Atualizado em 10/12/2019

Documentário que registra a realidade da doença no sertão do Ceará se transforma em ferramenta de educação e diálogo entre ciência e sociedade

No ano passado, a chefe do Laboratório de Eco-Epidemiologia da Doença de Chagas do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), Marli Lima, contou com a adesão de especialistas de outros laboratórios nas incursões regulares ao seu trabalho de campo. A pesquisadora, juntamente com a sua equipe, é uma veterana no trabalho de campo em doença de Chagas: há mais de oito anos, ela lidera expedições ao interior do sertão do Ceará, conduzindo um importante trabalho científico com o objetivo de coletar dados, identificar portadores da doença e informar sobre os perigos a que as pessoas estão sendo expostas com a presença dos popularmente conhecidos barbeiros. A experiência foi tão boa que eles voltaram mais uma vez e produziram o documentário Doença de Chagas: virando o jogo, que revela a íntima ligação entre os moradores e os insetos vetores [assista abaixo].

Entre os especialistas convidados em 2009, estava a chefe do Laboratório de Biologia das Interações do IOC, Joseli Lannes, idealizadora e diretora do projeto. Focada em trabalhos experimentais sobre a doença de Chagas, Joseli nunca havia participado de um trabalho de campo e admite que ficou encantada. “Após o primeiro dia, vimos tantas cenas interessantes, fizemos tantas fotos e filmagens que a equipe logo percebeu que poderíamos ter um material muito bom para um documentário. Voltei para a rotina do laboratório com o script já na cabeça. Usamos a realização deste documentário como fio condutor de uma estratégia de informação e educação, principalmente com professores e estudantes do Ensino Fundamental de escolas da rede pública dos municípios visitados”, conta entusiasmada.

Rubem Menna-Barreto

 

Estudantes do Ensino Fundamental exibem com orgulho o resultado das oficinas sobre a doença de Chagas

Desde a concepção até o processo de finalização do documentário, o projeto durou um ano e contou com a participação vários especialistas*. Foram duas expedições ao Ceará, nas cidades de Russas, Jaguaruana e Morada Nova. “Para nossa tristeza, grande parte da população local conhece o vetor da doença de Chagas e os chamam pelos nomes de barbeiro, bicudo ou procotó. Esses insetos, muitas vezes considerados inofensivos pela população, fazem parte do ambiente em que as famílias vivem e não é difícil encontrá-los entre as frestas das casas mais simples de taipa ou mesmo de alvenaria, de modo geral, sem reboco, debaixo das camas, entre as madeiras deixadas no quintal ou circulando sem cerimônia nas residências durante a noite”, descreve Joseli. Foram utilizados equipamentos digitais para o registro das cenas. “A técnica de filmagem não foi a preocupação central. O mais importante era levar aos moradores informações ligadas ao seu cotidiano, na maioria das vezes, baseadas nos conhecimentos deles”, completa.

Para a gestora do Programa Integrado da Doença de Chagas da Fiocruz, Andréia Dantas, o que mais chamou sua atenção foi a carência dos moradores. “Muitos têm carência de tudo, desde a estrutura familiar, de recursos financeiros a informação sobre hábitos básicos de higiene e educação. Fiquei surpresa com o empenho dos professores em levar o máximo de conhecimento para aquelas crianças, dentro das suas limitações. Foi marcante acompanhar o interesse deles em trazer o mundo para elas, apesar do isolamento de cada localidade, que está sendo amenizada com a chegada dos computadores com acesso à internet que já encontramos nas escolas públicas”, ressalta. 

Rubem Menna-Barreto

 

Em muitas moradias foram encontrados barbeiros convivendo com as famílias

Com o documentário pronto na mala, a equipe, agora reforçada por Andréia Dantas e Rubem Menna-Barreto, voltou para as cidades visitadas para apresentar o resultado aos entrevistados e representantes políticos da região. No roteiro, incluíram a realização de nove oficinas educativas para crianças de 6 a 9 anos, para que por meio de atividades lúdicas como desenhos, quebra-cabeças, jogos da memória e contação de estórias, elas pudessem aprender o que é o barbeiro, qual a doença que este inseto causa e a importância da limpeza e vigilância constante dentro das moradias para o seu controle. As atividades foram realizadas entre os dias 28 de novembro e 04 de dezembro.

As duas exibições do documentário apresentadas para moradores e profissionais de saúde, incluindo secretários municipais de saúde, agentes de endemias e sanitaristas. Joseli Lannes relata a emoção de observar as pessoas se reconhecendo na tela, revendo familiares com os quais estavam sem contato há muito tempo e até já falecidos. “Fizemos questão de entregar uma cópia para cada morador que participou das filmagens. O documentário foi uma ferramenta eficaz para que eles compreendam que podem melhorar a sua qualidade de vida, diminuindo o risco de contato com o barbeiro e da infecção pelo Trypanosoma cruzi. As crianças, principalmente, começaram a incentivar e até ensinar os pais a se protegerem melhor do vetor. Estes futuros cidadãos estão mais conscientizados de que podem alterar a próprio destino”, afirma.

Rubem Menna-Barreto

 

Exibição do documentário em uma quadra de esportes em Russas, no sertão do Ceará

No entanto, os pesquisadores observaram que outros grandes problemas também ameaçam a saúde e o bem-estar dos moradores das áreas pesquisadas: o aceleramento do desmatamento e o crescente número de fábricas de cerâmicas na região são fatores importantes. “Essas cerâmicas estão alterando totalmente o meio ambiente, especialmente em Russas. O rio Jaguaribe está sendo assoreado devido ao excesso de material de cerâmica descartado. Este é um dilema porque, se por um lado, as cerâmicas empregam grande parte da população local, por outro, estão alterando bastante o bioma caatinga e colaborando para que o número de triatomíneos nos domicílios aumente”, constata a pesquisadora Marli Lima. 

Rubem Menna-Barreto

 

Assoreamento do rio Jaguaribe devido ao excesso de material de cerâmica descartado em Russas.

O título do documentário desperta a curiosidade. Joseli Lannes revela que o termo “virar o jogo” está relacionado ao esforço para conseguirmos controlar o principal vetor da doença no Nordeste, o Triatoma brasiliensis, como já alcançado nas regiões Sul e Sudeste do país para o T. infestans. Em 9 de junho de 2006, durante uma solenidade oficial, o Ministro da Saúde recebeu uma certificação da Organização Mundial da Saúde (OMS) pela virtual eliminação no Brasil da transmissão da doença de Chagas pelo principal vetor regional, o T. infestans. “Outras conquistas ainda estão por vir. O desafio continua, seja dentro ou fora dos laboratórios”, finaliza. 

Rubem Menna-Barreto

 

Parte da equipe que produziu o documentário com as crianças após a realização de mais uma oficina educativa

* Equipe realizadora do documentário Doença de Chagas: virando o jogo: Joseli Lannes, chefe do Laboratório de Biologia das Interações do IOC; Marli Lima, chefe de Laboratório de Eco-Epidemiologia da Doença de Chagas do IOC; Andréia Pires Dantas, Gestora do Programa Integrado da Doença de Chagas da Vice-Presidência de Pesquisa e Laboratórios de Referência da Fiocruz; Rubem Menna Barreto, pesquisador do Laboratório de Biologia Celular do IOC, Márcio Neves Bóia, pesquisador do Laboratório de Biologia e Parasitologia de Mamíferos Silvestres Reservatórios do IOC; Filipe Anibal Carvalho Costa, pesquisador do Laboratório de Sistemática Bioquímica do IOC e Poliana Deolindo, pesquisadora visitante do Laboratório de Biologia Molecular de Parasitos e Vetores do IOC. O documentário contou com o apoio técnico do Jornalismo do IOC, do PAPES-V-Fiocruz/CNPq e da FAPERJ.

15/12/2010

Úrsula Neves

Documentário que registra a realidade da doença no sertão do Ceará se transforma em ferramenta de educação e diálogo entre ciência e sociedade
Por: 
jornalismo

Documentário que registra a realidade da doença no sertão do Ceará se transforma em ferramenta de educação e diálogo entre ciência e sociedade

No ano passado, a chefe do Laboratório de Eco-Epidemiologia da Doença de Chagas do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), Marli Lima, contou com a adesão de especialistas de outros laboratórios nas incursões regulares ao seu trabalho de campo. A pesquisadora, juntamente com a sua equipe, é uma veterana no trabalho de campo em doença de Chagas: há mais de oito anos, ela lidera expedições ao interior do sertão do Ceará, conduzindo um importante trabalho científico com o objetivo de coletar dados, identificar portadores da doença e informar sobre os perigos a que as pessoas estão sendo expostas com a presença dos popularmente conhecidos barbeiros. A experiência foi tão boa que eles voltaram mais uma vez e produziram o documentário Doença de Chagas: virando o jogo, que revela a íntima ligação entre os moradores e os insetos vetores [assista abaixo].

Entre os especialistas convidados em 2009, estava a chefe do Laboratório de Biologia das Interações do IOC, Joseli Lannes, idealizadora e diretora do projeto. Focada em trabalhos experimentais sobre a doença de Chagas, Joseli nunca havia participado de um trabalho de campo e admite que ficou encantada. “Após o primeiro dia, vimos tantas cenas interessantes, fizemos tantas fotos e filmagens que a equipe logo percebeu que poderíamos ter um material muito bom para um documentário. Voltei para a rotina do laboratório com o script já na cabeça. Usamos a realização deste documentário como fio condutor de uma estratégia de informação e educação, principalmente com professores e estudantes do Ensino Fundamental de escolas da rede pública dos municípios visitados”, conta entusiasmada.

Rubem Menna-Barreto

 

Estudantes do Ensino Fundamental exibem com orgulho o resultado das oficinas sobre a doença de Chagas

Desde a concepção até o processo de finalização do documentário, o projeto durou um ano e contou com a participação vários especialistas*. Foram duas expedições ao Ceará, nas cidades de Russas, Jaguaruana e Morada Nova. “Para nossa tristeza, grande parte da população local conhece o vetor da doença de Chagas e os chamam pelos nomes de barbeiro, bicudo ou procotó. Esses insetos, muitas vezes considerados inofensivos pela população, fazem parte do ambiente em que as famílias vivem e não é difícil encontrá-los entre as frestas das casas mais simples de taipa ou mesmo de alvenaria, de modo geral, sem reboco, debaixo das camas, entre as madeiras deixadas no quintal ou circulando sem cerimônia nas residências durante a noite”, descreve Joseli. Foram utilizados equipamentos digitais para o registro das cenas. “A técnica de filmagem não foi a preocupação central. O mais importante era levar aos moradores informações ligadas ao seu cotidiano, na maioria das vezes, baseadas nos conhecimentos deles”, completa.

Para a gestora do Programa Integrado da Doença de Chagas da Fiocruz, Andréia Dantas, o que mais chamou sua atenção foi a carência dos moradores. “Muitos têm carência de tudo, desde a estrutura familiar, de recursos financeiros a informação sobre hábitos básicos de higiene e educação. Fiquei surpresa com o empenho dos professores em levar o máximo de conhecimento para aquelas crianças, dentro das suas limitações. Foi marcante acompanhar o interesse deles em trazer o mundo para elas, apesar do isolamento de cada localidade, que está sendo amenizada com a chegada dos computadores com acesso à internet que já encontramos nas escolas públicas”, ressalta. 

Rubem Menna-Barreto

 

Em muitas moradias foram encontrados barbeiros convivendo com as famílias

Com o documentário pronto na mala, a equipe, agora reforçada por Andréia Dantas e Rubem Menna-Barreto, voltou para as cidades visitadas para apresentar o resultado aos entrevistados e representantes políticos da região. No roteiro, incluíram a realização de nove oficinas educativas para crianças de 6 a 9 anos, para que por meio de atividades lúdicas como desenhos, quebra-cabeças, jogos da memória e contação de estórias, elas pudessem aprender o que é o barbeiro, qual a doença que este inseto causa e a importância da limpeza e vigilância constante dentro das moradias para o seu controle. As atividades foram realizadas entre os dias 28 de novembro e 04 de dezembro.

As duas exibições do documentário apresentadas para moradores e profissionais de saúde, incluindo secretários municipais de saúde, agentes de endemias e sanitaristas. Joseli Lannes relata a emoção de observar as pessoas se reconhecendo na tela, revendo familiares com os quais estavam sem contato há muito tempo e até já falecidos. “Fizemos questão de entregar uma cópia para cada morador que participou das filmagens. O documentário foi uma ferramenta eficaz para que eles compreendam que podem melhorar a sua qualidade de vida, diminuindo o risco de contato com o barbeiro e da infecção pelo Trypanosoma cruzi. As crianças, principalmente, começaram a incentivar e até ensinar os pais a se protegerem melhor do vetor. Estes futuros cidadãos estão mais conscientizados de que podem alterar a próprio destino”, afirma.

Rubem Menna-Barreto

 

Exibição do documentário em uma quadra de esportes em Russas, no sertão do Ceará

No entanto, os pesquisadores observaram que outros grandes problemas também ameaçam a saúde e o bem-estar dos moradores das áreas pesquisadas: o aceleramento do desmatamento e o crescente número de fábricas de cerâmicas na região são fatores importantes. “Essas cerâmicas estão alterando totalmente o meio ambiente, especialmente em Russas. O rio Jaguaribe está sendo assoreado devido ao excesso de material de cerâmica descartado. Este é um dilema porque, se por um lado, as cerâmicas empregam grande parte da população local, por outro, estão alterando bastante o bioma caatinga e colaborando para que o número de triatomíneos nos domicílios aumente”, constata a pesquisadora Marli Lima. 

Rubem Menna-Barreto

 

Assoreamento do rio Jaguaribe devido ao excesso de material de cerâmica descartado em Russas.

O título do documentário desperta a curiosidade. Joseli Lannes revela que o termo “virar o jogo” está relacionado ao esforço para conseguirmos controlar o principal vetor da doença no Nordeste, o Triatoma brasiliensis, como já alcançado nas regiões Sul e Sudeste do país para o T. infestans. Em 9 de junho de 2006, durante uma solenidade oficial, o Ministro da Saúde recebeu uma certificação da Organização Mundial da Saúde (OMS) pela virtual eliminação no Brasil da transmissão da doença de Chagas pelo principal vetor regional, o T. infestans. “Outras conquistas ainda estão por vir. O desafio continua, seja dentro ou fora dos laboratórios”, finaliza. 

Rubem Menna-Barreto

 

Parte da equipe que produziu o documentário com as crianças após a realização de mais uma oficina educativa

* Equipe realizadora do documentário Doença de Chagas: virando o jogo: Joseli Lannes, chefe do Laboratório de Biologia das Interações do IOC; Marli Lima, chefe de Laboratório de Eco-Epidemiologia da Doença de Chagas do IOC; Andréia Pires Dantas, Gestora do Programa Integrado da Doença de Chagas da Vice-Presidência de Pesquisa e Laboratórios de Referência da Fiocruz; Rubem Menna Barreto, pesquisador do Laboratório de Biologia Celular do IOC, Márcio Neves Bóia, pesquisador do Laboratório de Biologia e Parasitologia de Mamíferos Silvestres Reservatórios do IOC; Filipe Anibal Carvalho Costa, pesquisador do Laboratório de Sistemática Bioquímica do IOC e Poliana Deolindo, pesquisadora visitante do Laboratório de Biologia Molecular de Parasitos e Vetores do IOC. O documentário contou com o apoio técnico do Jornalismo do IOC, do PAPES-V-Fiocruz/CNPq e da FAPERJ.

15/12/2010

Úrsula Neves

Permitida a reprodução sem fins lucrativos do texto desde que citada a fonte (Comunicação / Instituto Oswaldo Cruz)